Sobre baianos, estrelas e um século de música de Caetano e Gil

Brasil Observer - abr 09 2016
caetano e gil
Foto: Divulgação

O Brasil Observer esteve no show de Caetano Veloso e Gilberto Gil em Santiago, no Chile. Em maio, os dois se apresentam juntos em Londres pela segunda vez em um ano

 

Por Lais Vita – De Santiago, Chile

Quando o encontro de dois astros é anunciado – daqueles que passam pela terra a cada tantos milênios ou se aproximam um do outro de forma pouco usual, criando espetáculos siderais improváveis de serem presenciados novamente – levamos a sério tanto pela grandeza de cada elemento isoladamente quanto pela beleza que nasce da raridade do evento. Tal realidade pode ser associada a um encontro de estrelas da magnitude de Gilberto Gil e Caetano Veloso. E explica por que tantos têm parado para vê-los ao passo em que a turnê “Dois Amigos, Um Século de Música” cruza céu e mar.

No último 5 de abril foi a vez de Santiago, no Chile, receber os expoentes da Tropicália. Com o Movistar Arena lotado, cerca de 15 mil brasileiros e chilenos foram encantados pelo axé dos baianos, que presentearam o público com um repertório que atravessou o tempo, começando com a mais antiga composição de Caetano (É de Manhã, 1963) e chegando a mais recente canção dos artistas, As Camélias do Quilombo do Leblon, composta no início da turnê, no ano passado.

Os dois, aliás, vão se apresentar em Londres no próximo dia 4 de maio, no Barbican (sold out). O show acontece menos de um ano depois de eles terem tocado juntos no Eventim Apollo Hammersmith, também na capital inglesa. Na ocasião, eles conversaram com o BO. E receberam quatro estrelas do The Guardian. Mas voltemos a Santiago.

Combinando a maestria de cem anos de música à vontade de encantar dos velhos festivais, Gil e Caetano chegaram à terra andina e sentaram lado a lado equipados com as reconhecidas vozes junto ao traquejo dos respectivos violões. Sem a pirotecnia típica que acompanha gente que brilha como eles, bastou um cenário simples, colorido com bandeiras dos estados brasileiros, um ou outro jogo de luz. Com pouca interação com a plateia, eles apresentaram lindamente o que todos buscavam ver em um show que colocou em dúvida a máxima cantada por Caetano em Terra, de que “gente é outra alegria diferente das estrelas…”.

As aparentes poucas ferramentas não impediram que o público flutuasse também por distintas sensações, como o pavor burlesco criado pela interpretação dramática e hipnótica de Gil, silenciando a plateia com apenas sua voz e batidas no violão com Não Tenho Medo da Morte. Em outro extremo, uma das poucas ocasiões em que Caetano Veloso abandonou as pernas cruzadas que simbolizavam sutilmente sua concentração com as melodias foi um dos momentos mais descontraídos do show, no qual o baiano alegrou o público ao dançar brevemente Andar Com Fé, com passos respeitáveis para quem cresceu em meio aos sambas de roda de Santo Amaro.

O chileno Rodrigo Andres Colinhuinca, 35 anos, conheceu Caetano pela esposa brasileira, que o apresentou ao álbum Fina Estampa quando ainda eram namorados. “Não conhecia Gilberto Gil, e foi uma grata surpresa”, contou o engenheiro, que se disse surpreso por ver tantos chilenos assistindo aos artistas. Sua mulher, a paulista Angélica Silva, foi em busca da animação brasileira, da qual revela ter saudades. “Sinto muita falta da alegria do Brasil, da sua pluralidade cultural. Assistir a um show como este reaviva o Brasil que está em nós”, disse a professora, que vive em Santiago há cinco meses. “Já assisti a Caetano e Gil separadamente e confesso que com a junção ganhamos muito. Vê-los cantando é maravilhoso e dançando sua baianidade é a expressão mais linda da nossa cultura brasileira”, exaltou Angélica.

Se Caetano e Gil são astros de brilho próprio desde sempre, juntos mostram que dois protagonistas podem ser complementares entre si, e quiçá o segredo esteja na leveza e naturalidade da interação entre os artistas. Durante a apresentação, ambos mostram que sabem tão bem fazer o seu show quanto seguir com perfeição o compasso do companheiro de palco, inclusive retirando-se elegantemente de foco nos momentos de brilho oposto, apesar de permaneceram lado o lado durante as quase duas horas de pura música.

Também digna de meio século de amizade é a admiração mútua evidente entre Gil e Caetano. Enquanto encantavam a plateia, hora hipnotizada, hora entusiasmada com o espetáculo, ambos pareciam desfrutar do show que assistiam justo ao lado tanto quanto aqueles que o viam pela primeira vez, lá em baixo. Quando era vez de Veloso, meticulosamente magistral, Gil fechava os olhos e serenamente usufruía o que para ele parecia ter o peso de uma roda de violão com dois ou três amigos ao redor. Do outro lado, Caetano sorria e aplaudia a rouquidão dramática de Gilberto Gil, mostrando que ambos se veneram tal qual o público a eles e que além de amigos, são também ídolos entre si. É disso que nasce a interação perfeita.

 

LONDON, LONDON

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A história de Caetano Veloso e Gilberto Gil não pode ser contada sem a passagem que os dois tiveram por Londres no início da década de 1970, quando se exilaram na capital inglesa devido ao endurecimento da ditadura civil-militar que comandava o Brasil (1964-1985).

A dupla, completamente desconhecida do público inglês à época, galgou uma bela carreira internacional a partir dali. Naquela temporada, foram manchete do jornal britânico The Guardian como “dois brasileiros anônimos” que estrearam no segundo dia do evento do Festival da Ilha de Wight, em agosto de 1970.

O documentarista inglês Murray Lerner registrou o acontecimento e, depois, cedeu as imagens para Tropicália, de Marcelo Machado.

Loucuras à parte, a Inglaterra entrou para a história de Caetano e Gil. “Terminei me afeiçoando muito a Londres. Coisa que me parecia difícil no primeiro ano de exílio”, disse Veloso ao BO. Mesmo assim, Caetano não moraria de novo em Londres. “Suponho que Nova York e Madri seriam opções possíveis. Gosto de ir a Londres de vez em quando e sentar num daqueles bancos sábios do Hyde Park e olhar a grama, pensar na tradição liberal e ver as pessoas passando”.

Para Gil, a capital inglesa foi celeiro do seu terceiro filho, Pedro, em 1970. “Gosto muito de Londres e desde os anos de exílio, quando aprendi muito do ponto de vista civilizatório e musical. Tenho boa sensação cada vez que vou lá”, disse também ao BO.

Quem garantiu ingresso para vê-los em Londres no mês que vem não vai se arrepender. No ano passado, Gil começou cantando Back in Bahia e Caetano terminou com London, London. Para delírio dos brasileiros que moram na capital inglesa.