O Rio pode ficar pequeno para o fundista britânico Mo Farah

brasilobserver - fev 11 2016
Britain's Mo Farah reacts as he wins the men's 5000m final at the London 2012 Olympic Games at the Olympic Stadium August 11, 2012. REUTERS/Lucy Nicholson (BRITAIN - Tags: SPORT ATHLETICS OLYMPICS TPX IMAGES OF THE DAY)

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Primeiro atleta de longa distância a fazer o chamado ‘triplo-duplo’, somali radicado no Reino Unido quer mais

 

Por Samuel Green, do Portal Rio 2016 | www.rio2016.com

Mo Farah foi posto à prova a vida inteira. Aos oito anos de idade, pediu asilo ao Reino Unido após fugir da guerra na Somália, sua terra natal. Ninguém poderia prever, mas, naquele momento, um novo herói nacional britânico estava chegando ao país. Mesmo em 2008, quando não conseguiu se classificar para a final dos 5.000 metros nos Jogos de Pequim, era quase impossível imaginar que aquele atleta se tornaria um dos fundistas (especialistas nas distâncias acima de 3.000 metros) mais famosos deste século.

Hoje, aos 32 anos, Mo Farah tem o nome escrito na história do esporte de elite. Já são duas medalhas olímpicas, cinco títulos mundiais e uma estátua de cera no museu Madame Tussaud de Londres. No último Mundial, em Pequim, Farah se tornou o primeiro atleta de longa distância a fazer o “triplo-duplo” – ele ganhou o ouro nos 5.000m e nos 10.000m em Londres 2012 e em dois Mundiais consecutivos.

Só que ele ainda não está satisfeito. Farah está obstinado em defender os dois títulos e continuar a fazer história no Rio 2016. “É para isso que estou treinando todos os dias”, disse em entrevista exclusiva ao Rio2016.com, por e-mail.

Se ele conseguir o “quádruplo-duplo”, e seu amigo Usain Bolt conquistar o “triplo-triplo” (três ouros consecutivos nos 100m, 200m e 4x100m), o Rio de Janeiro vai ficar pequeno para a festa que as duas feras planejam dar.

Muçulmano devoto, Farah se tornou exemplo para os milhares de imigrantes que vivem na Grã-Bretanha. Ele se considera feliz por viver em “uma sociedade verdadeiramente multicultural”.

Este ano, ele vai ao Brasil pela primeira vez e espera repetir a experiência vivida em Londres, que lembra como o melhor momento de sua vida.

 

Como está a preparação para os Jogos Rio 2016?

Estou na Etiópia para um treinamento em altitude. Correr aqui significa que o corpo pode armazenar melhor o oxigênio e esta é uma parte importante do treino de resistência. Vou ficar aqui até o Grand Prix Indoor de Glasgow, que acontece em fevereiro. Depois, volto aos Estados Unidos para continuar a me preparar para o Rio.

 

Quais são os principais desafios a superar para o Rio?

Minha principal preocupação agora é não me machucar. Assim posso seguir com o atual plano de treinamentos – sair da minha programação complica as coisas e tenho que estar focado no Rio todos os dias. Um desafio pessoal é ficar tanto tempo longe da minha família – o que se torna cada vez mais difícil ao longo dos anos.

 

Como se sente ao saber que é o único a ter conquistador o “triplo-duplo”?

Fico muito feliz com minhas medalhas de ouro de Londres, Moscou e Pequim. Nenhuma delas foi fácil de conquistar e defendê-las é algo que significa muito para mim. Qualquer vitória internacional é algo a se orgulhar para um atleta, mas há algo de especial em fazer história no palco do mundo.

 

No início da carreira, você acreditava que teria este sucesso?

Precisei de muito tempo e muito trabalho para chegar a este nível. É preciso valorizar o tempo – são meses e anos. Quando comecei, não tinha ideia do que poderia acontecer. Eu estava ainda sonhando em jogar futebol. O atletismo mudou a minha vida, deu forma ao meu mundo e me ensinou disciplina sobre mente e corpo. Também me deu a chance de sustentar a minha família e garantir que meus filhos tenham oportunidades que não tive quando era criança.

 

Quando chegou à Grã-Bretanha, aos oito anos de idade e sem falar inglês, imaginava como sua carreira se desenvolveria?

Não. Naquela época, eu não sabia nem o que era correr competitivamente. Quando era criança, eu amava futebol e sonhava em jogar pelo Arsenal. Nunca tinha sequer considerado correr até meu professor de educação física, Alan Watkinson, ver que eu tinha talento para o atletismo. Graças a ele, consegui vencer alguns títulos escolares. Mas foi só quando venci o Europeu Junior que pensei que poderia fazer isso profissionalmente.

 

Como a sua experiência como imigrante influenciou o seu crescimento como pessoa e como atleta?

Como era muito pequeno, não lembro muito da Somália. Mas eu e minha família nos sentimos em casa no Reino Unido. As pessoas são muito receptivas e é uma verdadeira sociedade multicultural. É o país onde cresci, onde estudei. Tenho orgulho de minha dupla cidadania e tenho orgulho de ser britânico. Quando eu corro, corro pela Grã-Bretanha.

 

O ano de 2015 deve ter sido difícil para você, com as controvérsias envolvendo seu treinador (o ex-fundista Alberto Salazar, que nega veemente ter receitado substâncias irregulares a seus atletas). Como esse episódio te afetou?

Foi frustrante ser tragado para dentro dessa história. Não quero passar por isso de novo. Eu simplesmente me concentrei e continuei com meu plano de treinamento. As duas medalhas de ouro no Mundial de Pequim foram o resultado. Então, ano passado foi um grande ano para mim.

 

Qual é a sua memória mais forte dos Jogos Olímpicos Londres 2012?

Lembro-me do barulho da torcida quando estava na última volta. Foi um sentimento muito bom ter 80 mil pessoas torcendo por mim, gritando meu nome. Foi o melhor momento da minha carreira. Olho para trás e ainda não consigo acreditar.

 

Você acha que consegue fazer o “quádruplo-duplo” ao defender seus títulos no Rio? Quem são seus principais adversários?

É para isso que estou treinando todos os dias. Acredito que os principais adversários sejam os mesmos dos últimos anos – a maioria, atletas do Quênia e da Etiópia. As provas de 5.000 e 10.000 metros sempre têm velocistas extremamente talentosos.

 

O que você acha do Rio como cidade-sede dos Jogos Olímpicos?

Nunca fui ao Rio, mas mal posso esperar para ir. Todo mundo me falou sobre como são bonitas as praias e que as pessoas são muito amigáveis. O Brasil é famoso pelo futebol, então eu espero ter um tempinho para melhorar o meu drible. Mas o mais importante é que, ainda que eu esteja a mil milhas de Londres, sei que terei o apoio de casa. É o que me faz seguir em frente.

 

Como é a sua amizade com Usain Bolt? Se ambos conquistarem seus objetivos no Rio, vão comemorar juntos?

Nos conhecemos há mais de dez anos. Usain e eu crescemos juntos no atletismo, os dois sob os holofotes, ele sabe bem como é isso. Desejo tudo de melhor para ele no Rio. Se nós dois ganharmos, tenho certeza que vamos fazer uma festa enorme.

 

Quais os planos para depois do Rio?

Em 2017, teremos o Mundial em Londres – esse provavelmente é o meu próximo objetivo. Ainda não decidi, mas talvez depois eu passe a correr maratonas e outras distâncias. Mas tenho que esperar e ver o que acontece no resto do ano.