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De Norte a Sul do Brasil, a luta dos estudantes secundaristas

Wagner de Alcântara Aragão - jul 08 2016
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Violeta Parra e Mercedes Sosa (sobretudo elas), que eternizaram para o mundo a canção “Me gustan los estudiantes” – uma homenagem e reverência ao ímpeto revolucionário da juventude – devem estar orgulhosas dos secundaristas brasileiros.

Desde o final do ano passado, quando alunos de escolas da rede estadual de São Paulo ocuparam diversas unidades de ensino para impedir o fechamento de parte delas, mobilizações semelhantes têm ocorrido em várias regiões do Brasil. A defesa da educação  pública é a bandeira principal, mas a ela se soma a batalha por direitos dos historicamente oprimidos – negros, índios, mulheres e comunidade LGBT, por exemplo.

Adolescentes e jovens têm conseguido envolver seus colegas, familiares, movimentos sociais, artistas e intelectuais, entre outros simpatizantes.

Nas ocupações, os secundaristas providenciam reparos e limpeza nas instalações de ensino, redistribuição de materiais didáticos subutilizados, realizam discussões sobre as reivindicações em pauta e promovem manifestações culturais.

Numa escola do Rio de Janeiro (o Colégio Estadual André Maurois), por exemplo, os secundaristas foram surpreendidos em maio último pela visita e um show gratuito de Marisa Monte e Leoni. Em São Paulo (Escola Estadual Gavião Peixoto), a participação foi dos cantores Pitty e Paulo Miklos, ainda no ano passado.

O apego com o espaço da escola chamou a atenção de Marisa Monte. “São jovens estudantes batalhando pela educação e cuidando com amor do que é público. De forma organizada, cada um fazendo a sua parte e dando um exemplo para esse país”, escreveu a cantora, em sua página no facebook. Pitty, por sua vez, encantou-se com o protagonismo feminino nas manifestações. “Na rua, eu fiquei muito feliz em ver as meninas na linha de frente. Junto, lado a lado com os meninos, enfrentando a truculência do Estado. Fiquei esperançosa de ver que essa geração já vem diferente”, declarou à imprensa.

FENÔMENO

Para o professor e mestre em Sociologia Douglas Oliveira, de Araraquara (SP), “o levante estudantil secundarista está entre os fenômenos mais interessantes da atual cena política brasileira”, conforme escreveu em artigo recente, publicado no site Outras Palavras. “Além de suscitar uma causa de forte apelo social – a defesa apaixonada da escola pública – e inovar nas táticas e estratégias de luta, ele se destaca por ter um caráter organizativo marcado pela horizontalidade e ausência de lideranças individuais”, salienta. O professor destaca ainda que o movimento dos secundaristas conseguiu se desvencilhar da polarização partidária (PT x PSDB) que tem dominado a cena política brasileira.

A força demonstrada pelos secundaristas começa, porém, a gerar reações pesadas dos segmentos políticos mais conservadores – reações essas que tentam inclusive trazer o movimento para a polarização partidária mencionada pelo professor Douglas Oliveira. As fontes governamentais dos estados onde as ocupações têm ocorrido não raro dão declarações que buscam rotular os secundaristas de marionetes de centrais sindicais, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda. Quando não são essas fontes, são analistas supostamente isentos que fazem coro a esse discurso que, de imparcial, nada tem. Isso sem falar, claro, na repressão policial – em São Paulo, a truculência da Polícia Militar, com a anuência das autoridades estaduais, foi espantosa.

A repressão, todavia, não é apenas policial. Há episódios que evidenciam o que Douglas Oliveira chama em seu artigo de “terceirizações das desocupações”. Em síntese, são grupos que chegam a se infiltrar nas mobilizações com o intuito de promover ações que desmoralizem o movimento. Também com frequência as autoridades vão à imprensa apresentar imagens de pichações e depredações do patrimônio em escolas ocupadas pelos estudantes, com o objetivo de fazer colar – ao menos entre os segmentos mais conservadores ou mal informados da sociedade – a imagem de “baderneiros”, “arruaceiros”, entre os secundaristas.

AMADURECIMENTO

O professor Douglas Oliveira nota algumas mudanças entre o movimento dos secundaristas de São Paulo do final de 2015 e os mais recentes, igualmente em São Paulo e em outros estados. “As mobilizações de agora aparentam ser mais maduras e representar muito mais uma ofensiva por parte dos adolescentes: não apenas negam a escola do presente e as transformações a toque de caixa, também debatem a do futuro. A preocupação não se reduz a apenas ocupar e resistir, mas fundamentalmente em fortalecer o trabalho de base e enraizar as lutas no cotidiano das escolas”, escreveu.

A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) chama a mobilização que se espalha pelo país de “Primavera Secundarista”. Na avaliação da entidade, as ocupações e outras manifestações que se intensificaram de 2015 para cá guardam semelhanças com o movimento dos estudantes chilenos de dez anos atrás. Em 2006, o Chile experimentou a maior onda de protestos desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, protagonizados pelos secundaristas locais.

Diz a Ubes em nota: “Métodos de protesto [do Chile] – como a ocupação de escolas por parte dos próprios estudantes, organizados em comitês de limpeza, educação, segurança e alimentação, por exemplo – foram reproduzidos no Brasil, ao seu próprio modo, a partir de 2015 (…) No Brasil, o movimento reivindica características de maior horizontalidade, sem indicar porta-vozes e representantes, evitando a ligação com partidos políticos e organizações estudantis tradicionais.”

CONGRESSO NACIONAL

Mostra de que os estudantes secundaristas cada vez mais se inserem como atores importantes no cenário político nacional  ocorreu em meados de junho, quando um grupo de estudantes que participavam de ocupações de escolas no Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo estiveram em Brasília, a convite da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para levar seus pleitos ao Congresso Nacional e ao Executivo federal.

A declaração à imprensa de um desses jovens, Luiz Felipe Costa, 19 anos, sintetiza a insatisfação dos estudantes com o modelo de escola atual – e, mais que isso, a disposição em mudar essa realidade. “Se formos fazer uma média, vamos achar que 90% das escolas públicas são modelos de prisão grande, com dois, três portões para chegar à sala de aula. Esse ambiente não nos comporta. A escola hoje, infelizmente, não contempla os estudantes. As ocupações deixaram claro que o que a gente quer é uma escola que debata gênero, uma escola mais plural. E onde seja importante o cuidado com o ambiente escolar.”

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MAPA DAS OCUPAÇÕES PELO BRASIL

Há registros de mobilizações em todas as cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul). Confira no levantamento feito pela reportagem do Brasil Observer:

PARÁ | Do final de maio para meados de junho, pelo menos duas escolas estaduais – uma no município de Marapanim e outra em Marabá – foram ocupadas por secundaristas, em protesto pela falta de professores, merenda, transporte e infraestrutura dos estabelecimentos de ensino.

CEARÁ | No final de abril deste ano, estudantes secundaristas começaram a ocupar escolas estaduais, em apoio à greve dos professores (que reivindicam reajuste salarial prometido para janeiro último), e pleiteando reformas das unidades de ensino. Até o fechamento desta edição do Brasil Observer, o movimento continuava, em pelo menos 59 estabelecimentos.

ESPÍRITO SANTO | Entre dezembro e fevereiro, escolas estaduais foram ocupadas contra o fechamento de turmas, turnos e mesmo de unidades de ensino, processo que vinha em andamento desde 2015. Em fevereiro último, por decisão do Tribunal de Justiça, o Governo do Estado teve de reabrir as turmas.

MINAS GERAIS | Em janeiro, por dez dias estudantes ocuparam a Escola Estadual Ricardo de Souza Cruz, em Belo Horizonte, contra a militarização de parte da unidade de ensino. A Secretaria de Estado da Educação revogou a decisão.

GOIÁS | De dezembro a fevereiro últimos, 28 escolas estaduais foram ocupadas contra o projeto do Governo do Estado que transfere para as chamadas OSs (Organizações Sociais) a gestão das unidades de ensino – uma espécie de privatização branda. O projeto de terceirização foi adiado, porém está mantido – e novas ocupações podem voltar a ocorrer.

MATO GROSSO | Desde 23 de maio, secundaristas ocupam pelo menos 20 escolas contra o projeto do Governo do Estado de implantação de Parcerias Público-Privadas na administração das unidades de ensino. Até o fechamento desta edição do Brasil Observer, as ocupações estavam em andamento.

SÃO PAULO | Depois das ocupações no final de 2015, o ano letivo de 2016 começou com mobilizações dos estudantes das escolas técnicas da rede estadual de ensino (as Etecs). A má qualidade e, em muitos casos, a falta de merenda, e  a reivindicação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa para investigar denúncias de corrupção na aquisição de alimentos para as escolas, motivaram a ação dos secundaristas. Em maio, o prédio da Assembleia chegou a ser ocupado por estudantes.

PARANÁ | Uma escola estadual na cidade de Maringá foi ocupada por duas semanas, no final de maio, contra a má qualidade da merenda e reivindicando apuração das denúncias de corrupção na educação pública do Estado. Na página dos secundaristas no facebook, os estudantes dizem que o movimento está sendo reorganizado, e poderá ser retomado.

RIO GRANDE DO SUL | As ocupações começaram em maio, e avançaram em junho presentes em 180 escolas estaduais. Além de exigir repasse às escolas de verbas que estavam atrasadas, os secundaristas ocuparam a Assembleia Legislativa do Estado contra projetos de lei que restringem discussões como questões de gênero, sexualidade e política nas escolas. Com o compromisso de atendimento da pauta por parte do Governo do Estado, a tendência é a de desocupação gradativa.

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Por @waasantista.

Matéria publicada na versão impressa do jornal Brasil Observer (acesse aqui)

| Postado de Curitiba

 

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