Maria Gadú, intimista e voraz

Brasil Observer - out 10 2016
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Cantora brasileira traz a Londres seu mais recente trabalho

 

Por Gabriela Lobianco

Maria Gadú aceitou conversar com o Brasil Observer via Skype em uma tarde de sexta-feira de setembro. Na pauta, o show de seu último disco, ‘Guelã’. O trabalho, produzido pela própria, traz um som mais maduro, com muita guitarra, efeitos e nuances. “Esse show tem um lado intimista, mas tem uma coisa muito voraz. Parece que tem veneno… Uma coisa meio doida”, diz a cantora, sorrindo.

Simpática e cercada por instrumentos musicais em seu escritório, a cantora conta logo de cara que já fez muito busker – shows de rua – pela área do Temple Bar, região turística de Dublin, ao descobrir que esta repórter se conectava do sul da ilha da Irlanda. Segundo Gadú, o estrelato não foi planejado e produzir música, “fazer um som”, era tudo o que precisava: “busking era maravilhoso e eu não tinha que realizar outra coisa”. A artista tocou nas ruas de inúmeros países, como Irlanda, Itália e França. “É interessante porque você começa a fazer uma pesquisa sonora do que as pessoas curtem. Você se enxerga na cultura do outro e depois reproduz”. Por fim, diz que acreditava que ficaria perambulando para sempre. “Pensei que eu fosse a vida inteira ficar fazendo busker”.

Ledo engano. Grande revelação da MPB dos últimos anos, Gadú caiu nas graças de cantores e compositores consagrados, como Milton Nascimento e Caetano Veloso. Estourou o primeiro CD, de nome homônimo, em 2009, chegando à marca de 250 mil cópias vendidas. Considerado uma das melhores estreias do gênero musical, com canções poéticas e muito lirismo, despontou uma carreira que conta com o CD ‘Mais uma página’, o disco Multishow ao lado de Caê e a coletânea ‘Nós’, com muitos outros artistas. “Fiquei um tempo na Europa desde 2006, depois gravei o disco [‘Maria Gadú’] e acabei ficando no Brasil”. A partir daí, tudo aconteceu.

 

GUELÃ

O título do novo trabalho veio de uma tribo indígena do norte do Amapá, a Karipuna, e significa “a gaivota”. Gadú diz que se trata de uma busca antropológica que fez nos últimos quatro anos, quando ficou sem lançar material inédito. “Era meio como estava me sentindo, esse lance da Gaivota, saca? Que fica ali sozinha olhando o mar. Aquela concentração imensa pra pegar o peixe”.

A artista conta que passou por muitas mudanças, “fazendo show à beça, conhecendo pessoas e desmistificando ídolos”. Parou de fumar, casou-se com Lua Leça, pôde estudar mais e tentar descobrir a sua identidade própria. “Esse disco nasceu disso, dessa minha busca por silêncio, que veio dessa imersão de entender dentro disso tudo o que era a minha musicalidade sem aquelas pessoas maravilhosas que estavam comigo”. Com muito orgulho, diz que o disco expõe até suas limitações, já que o produziu em casa, sozinha, aprendendo a mexer nos programas. “Ele é cru, ele é muito sincero e não tem muito adorno”.

Tudo no novo projeto foi calculadamente pensado. Desde a arte e concepção, criados por Gadú, Lua Leça e Luisa Corsini, até o lançamento. O conteúdo completo foi liberado via plataformas de streaming, como Deezer, Spotify e iTunes. “A minha geração inteira já não sabe o que é vender disco. A gente é filho do streaming”. Gadú garante que a partir do momento em que as pessoas escutam as músicas, elas consomem concertos. “Tem esse lance de deixar as coisas mais acessíveis e, se o cara do Chuí ouvir, você terá a oportunidade de fazer um show ali. Se ele não ouvisse, você não iria”.

A turnê de Maria Gadú pela Europa passa por Luxemburgo, Zurique, Paris, Dublin, Bruxelas, Londres, Barcelona e Madrid. Junto da artista sobem aos palcos Federico Pepi no cello, Lancaster Pinto no baixo e Bianca Godói na bateria. O repertório abrange muito mais que as dez faixas que compõe o novo disco. Quando pedem, a artista encerra a apresentação com ‘Shimbalaiê’, seu primeiro sucesso. “Finalizamos o show com ela para deixar aquela energia de coisa boa, essa vibe quase infantil mesmo, que é uma coisa irretocável”.

O carro chefe de Guelã é a música ‘obloco’, principal motivo da indicação ao Grammy Latino, faixa que beira a brasilidade carnavalesca e ritmos indígenas. “Estou ouvindo muita coisa dessa viagem antropológica, coisas tribais, o disco ‘Txai’ que o Milton [Nascimento] gravou para captar os sons dos índios numa pegada instrumental. Além de escutar Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque pra caramba”. Algumas influências nunca mudam. Bom para Maria Gadú. Bom para o público.

“Gosto de fazer show porque o show acaba virando uma composição de todo mundo que está presente, não é uma coisa só do artista para o público. A energia do show vai acontecendo conforme as pessoas vão se entregando com as suas emoções, com as suas lembranças e tal.”

 

Maria Gadú

Quando: 23 de outubro, 8pm

Onde: Barbican Hall

Ingresso: £15-35

Info: www.barbican.org.uk