As Olimpíadas mudaram o Rio para melhor

Brasil Observer - set 08 2016
Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 06/08/2016- Rio 2016 - Boulevard Olímpico. Foto: Alexandre Macieira/ Riotur
Boulevard Olímpico (foto: Alexandre Macieira/Riotur)

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A realidade não é tão cruel como a que foi retratada pela imprensa internacional

 

Por Beatriz Garcia

Os Jogos Olímpicos Rio 2016 mal tinham terminado e os comentaristas já lamentavam seus impactos negativos sobre a cidade-sede. Muitos concluíram que um legado duradouro é incerto – ou mesmo impossível. Visões tristes e melancólicas são excelentes para produzir manchetes dramáticas. A realidade, porém, não é tão sombria.

A imprensa internacional sempre foi pessimista sobre a capacidade do Brasil de sediar os Jogos Olímpicos. Antes dos jogos, diversos artigos criticaram os preparativos, condenaram os despejos forçados e lançaram dúvidas sobre a entrega de obras dentro do cronograma. É certo que, no contexto da atual crise econômica e turbulência política, havia – e ainda há – uma série de motivos plausíveis para preocupação. Mas é importante não tomar as controvérsias como a única fonte de verdade.

Uma vez que os jogos começaram, a cidade ganhou uma pausa e o foco mudou para as maravilhas do esporte – e a obsessiva contagem de medalhas. Mas mesmo depois de muitos terem sido tomados pela emoção dos jogos em si, não demorou muito para que as críticas retornassem. Em contraste com este quadro desolador, minha própria investigação sobre o Rio ao longo dos jogos, com base em um quadro que interroga as dimensões culturais destes bem como as de oito cidades anfitriãs desde Sydney 2000, revela uma dimensão diferente.

 

A ARTE DO PROGRESSO

As pessoas com quem falei estavam frustradas com o fato de as histórias positivas de mudanças urbanas, sociais e culturais no Rio não estarem sendo exploradas pelos jornalistas. Isso ficou especialmente claro nas favelas onde realizei a maior parte de minha pesquisa. Esses locais atraíram a atenção mundial por conta de suas más condições de vida e elevadas taxas de criminalidade associadas ao tráfico de drogas.

Ainda que as disputadas entre facções internas tenham gerado violência por décadas, os moradores das favelas ressaltam que também fazem parte de comunidades fortes e otimistas. Aqueles que estão fora das rivalidades entre gangues dizem que se sentem seguros em suas comunidades, e que a cultura e a criatividade sempre foram uma fonte de empoderamento.

Ativistas culturais como DJ Zezinho e Obi Wan me disseram que estavam fartos de serem convidados a falar sobre tudo o que está errado no Rio. Eles disseram que a vida na comunidade onde moram está prosperando e que as oportunidades estão se abrindo para os residentes como Obi Wan, que recebeu uma bolsa para estudar em uma escola particular e que agora está administrando um hostel e um tour pela favela.

Artistas (locais e adotados) também trouxeram mudanças positivas. O fotógrafo francês JR assumiu um papel de destaque em uma série de projetos nos Jogos Olímpicos. Seu trabalho variou entre a instalação de fotos gigantes InsideOut e pequenas intervenções com foco comunitário – como no centro cultural Casa Amarela, em uma das favelas mais antigas do Rio.

Além disso, as primeiras bibliotecas com base nas favelas estão se abrindo, e a nova linha de metrô vai melhorar a acessibilidade à favela da Rocinha. Os moradores estão esperançosos de que isso vai finalmente deixar claro que as favelas são verdadeiramente parte do Rio – não eram reconhecidas em mapas oficiais até 2013.

Obviamente, as reações dos moradores não são todas positivas. Um morador da Rocinha salientou: “Nós não estamos autorizados a utilizar o metrô até depois dos jogos – no momento, apenas os detentores de ingressos podem usar”. Mas, com o projeto de pacificação das favelas – uma iniciativa controversa, mas transformadora no combate ao crime –, ninguém nega que os jogos têm ajudado no avanço de importantes causas sociais e na construção de importantes obras públicas.

Não são apenas os moradores das favelas que estão sentindo alguns benefícios de sediar os jogos. Apesar da reputação de ser uma cidade de grande desigualdade, o Rio tem uma classe média substancial. Entre 60% e 75% de sua população vive em quatro grandes distritos: o Centro, a Zona Sul, a Zona Norte e os subúrbios da Zona Oeste.

Esta última inclui a Barra da Tijuca, que hospeda o Parque Olímpico e que está em rápido desenvolvimento. Os Jogos Olímpicos têm dado aos moradores de classe média do Rio de Janeiro – particularmente aqueles do Centro e da Zona Norte – a chance de participar do debate sobre o tipo de cidade que o Rio é e pode ser.

 

ÁREA REVITALIZADA

Tanto as autoridades locais quanto olímpicas têm destacado o fato de que 63% da população têm agora acesso a transportes públicos (ante 18% há sete anos). Mas igualmente importante (e culturalmente mais significativo) é a redescoberta de espaços públicos.

Assim como Barcelona redescobriu seu porto durante os Jogos Olímpicos de 1992, o Rio se reconectou com o Porto Maravilha. O porto faz fronteira com a região central, uma área cheia de trabalhadores durante os dias de semana.

Até recentemente, a região tinha poucos espaços públicos, sendo considerada insegura e não atraente durante os fins de semana. Isso mudou dramaticamente durante os Jogos Olímpicos (e vai continuar nas Paralimpíadas). O Porto Maravilha foi rebatizado como Boulevard Olímpico – e, de repente, é um lugar para estar.

Local onde os fãs podem assistir aos jogos em telas grandes, o Boulevard Olímpico deve seu sucesso à combinação entre diversificada oferta cultural (incluindo o novo Museu do Amanhã e o renovado Museu da Arte) e entretenimento.

Além disso, a área atrai uma enxurrada de artistas de rua (cinco até agora) para realizar graffitis imensos em seus muros.

E pela segunda vez – após os Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver, em 2010 – a pira olímpica foi colocada fora do estádio, dando àqueles sem ingresso a oportunidade de experimentar um dos ícones mais reconhecidos dos jogos.

Assim, os cariocas se reuniram aos milhares no Boulevard Olímpico. Eles abraçaram totalmente essa nova parte da cidade: não haverá elefantes brancos aqui. O porto passou, em questão de meses, a ser uma área que deve ser visitada, dada a sua posição como ponto de encontro, se tornando um dos locais públicos mais animados e diversos da cidade.

 

UM LEGADO DURADOURO

O Parque Madureira, na zona norte da cidade, é outro exemplo de regeneração urbana que deixa um legado positivo para a comunidade local. Localizado em uma área densamente povoada, de baixa renda e dominada pela infraestrutura industrial, este novo parque trouxe vegetação, instalações esportivas e uma nova vida cultural a um bairro de mais de 350.000 pessoas.

O Rio é uma cidade grande. Com atividades olímpicas espalhadas por seus quatro distritos principais, os fãs foram forçados a gastar uma parte considerável de seus dias no trânsito. Por isso, foram expostos a muitos lados do Rio, além das praias de Copacabana e das favelas.

Acima de tudo, os jogos mostraram o espírito generoso dos cariocas. No Rio, testemunhei a emoção dos habitantes locais ao descobrir novos espaços de lazer; o prazer de se misturar com pessoas de outros bairros – muitas vezes pela primeira vez, por conta da divisão econômica norte-sul –; e a não aceitação em ser reduzido a estereótipos e condenado a repetir os mesmos erros sociais e culturais do passado.

Há dificuldades pela frente: o país ainda enfrenta recessão econômica e turbulência política. Mas os Jogos Olímpicos abriram novos espaços públicos, dando a todos a chance de gerar memórias coletivas positivas. Em vez de assumir uma atitude derrotista, há muito a ser ganho prestando atenção ao que está dando certo no Rio.

 

  • Beatriz Garcia é diretora do Instituto de Capital Cultural da Universidade de Liverpool e realiza uma pesquisa no Rio de Janeiro financiada parcialmente pelo Comitê Olímpico Internacional. Este artigo foi publicado originalmente em www.theconversation.com.
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