Sejamos claros sobre a vitória de Dilma Rousseff na eleição presidencial do Brasil. O resultado das urnas é, antes de tudo, emblemático, pois, apesar do sentimento de mudança absorvido por parcela significativa do eleitorado – que de fato tem inúmeras razões para querer que as coisas mudem no país –, a maioria dos brasileiros preferiu confiar, mais uma vez, nas propostas de avanço do campo progressista representado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Propostas que, se analisadas pela perspectiva da afirmação de um modelo neodesenvolvimentista, comprometido programaticamente com o crescimento da economia e com a redistribuição de renda, apontam para a superação de um esquema neoliberal pautado quase que exclusivamente pelos antídotos apregoados pelo mercado financeiro e pelos interesses das economias mais desenvolvidas.
Não é pouca coisa. Diante de uma conjuntura externa de baixo crescimento que adota a receita da austeridade e da diminuição dos benefícios sociais – refletindo, entre outras coisas, no fortalecimento de uma extrema direita isolacionista e preconceituosa, representada no Reino Unido pelo partido UKIP –, a quarta vitória progressista confirma a possibilidade de construção de um caminho soberano não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina, que, afinal, se encontra mais ou menos no mesmo patamar de desenvolvimento.
O Brasil Observer acredita que, com Dilma, o país estará mais capacitado para que a população tenha, ao menos, a esperança de construir uma democracia social. E enfrentar o maior e mais urgente desafio nacional: diminuir a desigualdade que mantém intactos os privilégios que sustentam as estruturas da casa-grande e da senzala.
Não há, porém, espaço para ilusões. Nos próximos quatro anos, para não sofrer as consequências desastrosas que um país dividido pode proporcionar, Dilma terá que, por um lado, cumprir as promessas de avanço aceitas por aqueles que nela votaram; por outro, compreender e encaminhar as demandas daqueles que não lhe deram o voto. Isso vai exigir foco prioritário em duas questões fundamentais: a reforma do sistema político e o direcionamento rumo à travessia para um novo ciclo de desenvolvimento econômico.
Não é tarefa fácil. A reforma política depende basicamente do diálogo que o governo conseguir empenhar junto ao Congresso Nacional – que nos dias seguintes às eleições aprovou um projeto que enterra a proposta de Dilma pela criação de uma política de participação social. Se o os deputados federais não aceitam um maior protagonismo da população nas decisões nacionais, como acreditar que irão mudar as regras do jogo ouvindo aqueles que lhe deram a condição de representantes do povo? Essa é a primeira equação a ser resolvida.
Dilma defendeu durante a campanha a realização de um plebiscito para a criação de uma assembleia constituinte exclusiva e soberana do sistema político. Tal posicionamento já havia sido expresso durante as manifestações de junho do ano passado, quando os brasileiros saíram às ruas para exigir, entre outras coisas, maior participação nos rumos do país. É o que se vê não apenas no Brasil, mas em todo mundo. Há uma demanda crescente por participação direta na política, mas não pelos meios tradicionais, ou seja, por meio dos partidos. É claro que os partidos não devem ser demonizados – afinal, sem partidos, o que resta é o autoritarismo –, mas também não pode ser rechaçada a legitimidade do engajamento popular.
Quem tem medo do povo? Certamente aqueles que não estão interessados no desenvolvimento democrático do país. E este desenvolvimento passa, por exemplo, pela necessidade de se acabar com o financiamento privado de campanhas políticas – que é um dos pontos essenciais da reforma defendida por Dilma.
Tal ponto, aliás, é defendido inclusive por quem tem uma visão mais conservadora. Afinal, empresas não votam, e a partir do momento em que influenciam diretamente o pleito financiando candidatos e exigindo contrapartidas, deturpam o sistema que tem em sua raiz o conceito de “uma pessoa, um voto”. Se Dilma conseguir aprovar ao menos essa demanda, o Brasil conseguirá ter um avanço sem precedentes.
Na área econômica – na qual o interesse internacional é muito maior – os desafios são problemáticos pelo fato de representarem para o governo o risco de adotar o programa derrotado nas urnas e, consequentemente, perder credibilidade dentro da correlação de forças nacionais. Dilma passou a campanha dizendo que seu adversário faria com que os juros aumentassem – e que isso seria um risco para o país. Mas, para a surpresa do próprio mercado, o Banco Central decidiu aumentar os juros na última semana de outubro. Além disso, antes do fechamento desta edição, corria a informação de que o governo preparava um pacote de redução dos gastos públicos – o que também foi dito que não seria feito pela presidente Dilma.
São exemplos. Independentemente deles, o governo federal precisa encontrar uma forma de balancear as contas públicas deficitárias e reduzir a inflação sem comprometer os investimentos e o próprio crescimento que já está em patamares baixos. As desonerações aos empresários realizadas por Dilma no âmbito do Plano Brasil Maior não foram suficientes para elevar os investimentos privados – que poderiam ser mais estimulados se os investimentos públicos aumentassem, melhorando a infraestrutura e elevando a demanda.
Além disso, mesmo que o governo tema parecer contraditório, não é prudente tratar os investimentos estrangeiros como ameaças. Necessário é ampliar ainda mais o diálogo com aqueles que compreendem mais amplamente o processo de desenvolvimento. Ou seja, aqueles que entendem que um mercado interno aquecido, com empregos, salários e conquistas sociais, é a contrapartida indissociável de vendas, lucros e investimentos. E que a defesa do desenvolvimento, da competência e da competitividade nacional está no centro do projeto vitorioso nas urnas de outubro no Brasil.