O que muda com Dilma reeleita

brasilobserver - nov 10 2014
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Dilma Rousseff foi reeleita com 51,64% dos votos válidos, contra 48,36% de Aécio Neves (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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Reforma política, retomada do crescimento econômico e combate à corrupção estão entre as prioridades do novo governo da presidenta, que não terá vida fácil no Congresso

Por Wagner de Alcântara Aragão

Reeleita com o voto de mais de 54,5 milhões de eleitores, a presidenta Dilma Rousseff (PT) assumiu, em seu primeiro pronunciamento público depois do fechamento das urnas, a missão de enfrentar desafios históricos do Brasil. Reconheceu que algumas correções de rumo devem ser tomadas em seu governo e se comprometeu a tomar as medidas cabíveis para as alterações necessárias. Na avaliação dela, o recado das eleições foi claro: os brasileiros necessitam de mudanças e, em sua maioria, deram mais um voto de confiança na atual presidenta para liderar esse processo.

Depois de um processo eleitoral acirrado – o mais disputado desde as eleições de 1989 –, o primeiro desafio da presidenta é cicatrizar feridas abertas na disputa. No pronunciamento de 26 de outubro, tão logo se confirmou a vitória, Dilma convocou os brasileiros à união.

“Conclamo, sem exceção, a todas as brasileiras e a todos os brasileiros para nos unirmos em favor do futuro de nossa pátria. Não acredito que essas eleições tenham dividido o país ao meio. Creio que elas mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas por um sentimento comum: a busca por um futuro melhor”, declarou Dilma, para na sequência afirmar que estará aberta ao diálogo. “Minhas primeiras palavras são de união. Democracia madura e união não significam necessariamente unidade de ideias nem ação monolítica conjunta, mas, em primeiro lugar, disposição para o diálogo. Esta presidente está disposta ao diálogo”, ressaltou.

Reforma política

Conforme as palavras de Dilma, a reforma prioritária a ser empreendida pelo Brasil é a política. Durante o próprio período eleitoral, movimentos sociais das mais diferentes áreas promoveram, entre os dias 1º e 7 de setembro, o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. Quase 8 milhões de brasileiros votaram e 97% deles disseram “sim” à proposta de se eleger uma Assembleia Constituinte que fique responsável por elaborar um projeto de reforma política nacional. Durante a campanha, Dilma recebeu lideranças dos movimentos sociais e se comprometeu a encampar um processo pró-reforma.

Reeleita, Dilma frisou que, conforme estabelece a Constituição, cabe ao Congresso Nacional elaborar o projeto de reforma. Reiterou, porém, o compromisso de liderar um movimento que faça a reforma política vingar. A presidenta defendeu a convocação de um plebiscito para que a população defina pontos cruciais a serem alterados. Não deixou claro, por enquanto, como seria esse plebiscito nem o que exatamente estaria contido nele. Mas, a julgar pelo que declarou em debates, o fim do financiamento empresarial das campanhas, o fim das coligações em eleições para o Legislativo e a implantação de segundo turno para esses cargos devem ser defendidos pelo governo.

Combate à corrupção

A reforma política é, por sinal, determinante para outro desafio posto à presidenta reeleita: o combate à corrupção. O tema esteve entre os mais debatidos no processo eleitoral deste ano, sendo bastante explorado principalmente pelas candidaturas de oposição no primeiro turno (Aécio Neves, do PSDB, e Marina Silva, do PSB) e reiterado pela campanha de Aécio no segundo. De um lado, os oposicionistas tentaram colocar na legenda da presidenta, o Partido dos Trabalhadores (PT), a pecha de “partido de corruptos”. De outro, Dilma se defendeu dizendo que, justamente nos 12 anos dos governos do PT é que os casos de corrupção foram investigados.

Dilma repetiu, depois de reeleita, a promessa de campanha para o próximo mandato: apresentar ao Congresso Nacional projetos que endureçam a punição para os corruptos (tanto detentores de cargos eletivos como servidores de carreira) e corruptores. Para ela, a impunidade é a “protetora” da corrupção e dos corruptos. Tornar crime a prática de “caixa dois” no financiamento das campanhas e o enriquecimento injustificado de agentes públicos, assim como a fixação de regras que acelerem a tramitação de processos judiciais, estão entre pontos defendidos pela presidenta durante a campanha.

Congresso

Tanto para o desafio da reforma política como para o combate à corrupção, Dilma vai ter de encarar outro obstáculo: o relacionamento com o Congresso Nacional. Embora tenha perdido cadeiras tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, a coligação de partidos que apoia o governo segue como maioria no Legislativo. Contudo, tanto os opositores como os eleitos pelos partidos teoricamente aliados têm perfil mais conservador. Se nos últimos quatro anos Dilma teve apertos na relação com os parlamentares, os próximos quatro devem ser ainda mais difíceis.

De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que desde 1983 monitora e analisa a atividade do Legislativo nacional, o Congresso eleito em outubro é o mais conservador dos últimos tempos. A bancada ruralista do agronegócio, por exemplo, conseguiu reeleger 139 dos 191 deputados existentes e, mais que isso, terá o acréscimo de 118 estreantes ligados ao setor. O bloco poderá chegar a 257 dos 513 deputados. Também haverá ingresso expressivo de militares da reserva e ex-policiais que pregam medidas drásticas na área de segurança pública. O grupo, que já está sendo chamado de “bancada da segurança”, terá pelo menos 20 deputados, segundo o Diap.

Em contrapartida, caiu pela metade a representação direta dos trabalhadores. A bancada sindicalista diminuirá dos atuais 83 representantes para 46, a partir do ano que vem. “Esse será o Congresso mais conservador desde a redemocratização”, disse o analista político do Diap, Antônio Augusto Queiroz. “Algumas conquistas do processo civilizatório, como a garantia dos direitos humanos, podem ser interrompidas com a eleição de uma bancada extremamente conservadora. É preocupante, especialmente num ambiente de forte investida patronal sobre os direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários no Congresso”, acrescentou o analista.

Na Câmara dos Deputados, logo no início da legislatura de 2015, o governo Dilma poderá enfrentar problemas com o principal partido aliado, o PMDB do vice-presidente Michel Temer. O PT e o PMDB possuem o maior número de cadeiras na Câmara e, conforme a tradição nos últimos anos, têm se alternado na presidência da Casa, atualmente ocupada por um peemedebista – o deputado federal Henrique Alves (RN). Para o ano que vem, portanto, o natural seria um acordo da coaligação que conduzisse um petista ao posto.

No entanto, um nome pode desponta como candidato a melar essa alternância: o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), o parlamentar do PMDB que mais recebeu votos nestas eleições (232.708). Atual líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha se destacou durante o governo Dilma justamente por se opor e complicar a aprovação de projetos importantes enviados pelo Palácio do Planalto. A reformulação no marco regulatório dos portos brasileiros e a criação do marco civil da internet são dois exemplos de projetos que contaram com enorme resistência do peemedebista fluminense.

Economia

Além de se preocupar com as negociações político-partidárias entre Executivo e Legislativo, a presidenta reeleita tem outra dor de cabeça neste final de primeiro mandato e início de segundo: reaquecer a economia. Em que pese indicadores importantes na geração de empregos e na renda das famílias, em outros pontos como produção industrial e o crescimento do próprio Produto Interno Bruto (PIB) os resultados são desfavoráveis. A inflação que oscila muito perto do teto da meta também desgastou o governo Dilma de 2013 para cá.

No pronunciamento pós-reeleição, Dilma incluiu a recuperação da economia entre os desafios eminentes para o novo mandato. “Promoverei ações localizadas para retomarmos nosso ritmo de crescimento, continuar garantindo os níveis altos de emprego e assegurando também a valorização dos salários. Vamos dar mais impulso à atividade econômica e aos setores, em especial o setor industrial. Seguirei combatendo com rigor a inflação e avançando no terreno da responsabilidade fiscal”, afirmou a presidenta, citando novamente a disposição para o “diálogo”. “Vou estimular o mais o diálogo e a parceria com todas as forças produtivas do país. Antes do início do meu próximo governo, eu prosseguirei nesta tarefa.”

Dilma disse que sai do processo eleitoral renovada e ciente da “responsabilidade que pesa sobre seus ombros”; demonstrou que espera do respaldo popular alcançado nas urnas a energia para enfrentar os desafios para os quais foi delegada. “O carinho, o afeto e o amor que recebi nesta campanha me dão energia para seguir em frente com muito mais dedicação. Hoje, estou muito mais forte, mais serena, mais madura para a tarefa que vocês me delegaram. Brasil, mais uma vez, esta filha tua não fugirá da luta”, finalizou.

 

O que reformar na política?

O que precisa ser modificado? Quem vai definir as mudanças: o atual Congresso eleito em outubro ou uma Assembleia Constituinte exclusiva? Quais pontos poderão ser levados à consulta popular?

De parte dos movimentos sociais reunidos no Plebiscito Popular realizado em setembro passado, a chave da reforma é acabar com o financiamento empresarial das campanhas. Candidatos custeados por empreiteiras, bancos, multinacionais do agronegócio e outros empreendimentos se tornam reféns dos interesses do poder econômico. Ao mesmo tempo, nas atuais regras, político que abre mão do financiamento empresarial raríssima chance tem de se eleger – afinal, compete com campanhas irrigadas de recursos privados.

As despesas de campanha seriam, assim, custeadas pelo fundo partidário – fonte de recursos pública. Evidentemente, as campanhas teriam gastos bem inferiores às milionárias de hoje em dia. Há posicionamentos radicais que defendem exclusivamente o financiamento público. Outros consideram tolerável liberar o financiamento privado de pessoa física, desde que com limites.

O tema é polêmico, tal qual é a discussão em torno da forma de representação na Câmara dos Deputados. Partidos de centro-direita tendem a apoiar o chamado voto distrital, ou seja, cada Estado seria dividido em distritos e desses distritos sairiam os respectivos eleitos. Os críticos desse formato alertam que a Câmara perderia sua função de casa de representação dos mais diversos segmentos da sociedade e se tornaria um espaço de representação de zonas eleitorais.

 

Reindustrialização, uma necessidade

Desde a década de 1990, com a abertura da economia brasileira, a indústria nacional vive um processo de esfacelamento. Há exceções em alguns setores e em alguns períodos – a indústria naval foi recuperada nos últimos dez anos, assim como a automobilística e a da construção civil, que também passaram por ‘boons’ importantes. Em regra, todavia, a indústria tem perdido força no PIB brasileiro.

No desafio de reaquecer a economia, a presidenta Dilma Rousseff tem na reindustrialização uma necessidade. Os dados do PIB mais recentes, disponíveis até o fechamento desta edição, mostram que a atividade industrial decresce. No primeiro semestre de 2014, a queda do PIB da indústria foi de 1,4% sobre o mesmo período de 2013.