Daniel Ribeiro não voltará sozinho

brasilobserver - nov 11 2014
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Daniel Ribeiro durante gravação (Foto: Divulgação/Guilherme Freitas)

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Diretor do filme ‘Hoje Eu Quero Voltar Sozinho’, em cartaz no Reino Unido desde outubro, fala da descoberta da sexualidade na adolescência, dos avanços alcançados pela comunidade LGBT e se define como um otimista: “para tudo que há de negativo, existem muito mais coisas positivas”

Por Guilherme Reis

O ano de 2014 certamente ficará marcado como um dos mais especiais da promissora carreira do diretor brasileiro Daniel Ribeiro. Afinal, já são quase seis meses rodando o mundo para apresentar seu primeiro longa-metragem, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (The Way He Looks, em inglês), que, além de receber uma série de prêmios no Festival de Cinema de Berlim, foi escolhido para ser o candidato do Brasil ao Oscar 2015 na categoria de melhor filme estrangeiro.

No final de outubro, o filme estreou nos cinemas do Reino Unido, por onde Daniel esteve para participar de festivais e conversar com o público sobre seu trabalho – inclusive no BFI London Film Festival. Um dia antes de embarcar para Bélgica para mais uma série de compromissos, recebeu a equipe do Brasil Observer no hotel em que estava hospedado para uma entrevista exclusiva. A ideia era traçar o perfil do diretor, entender suas motivações e formas de ver o mundo.

Mas, antes de começar, vale a pena abrir parênteses para quem ainda não sabe sobre o que se trata o filme. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho segue a trajetória do protagonista Léo (Guilherme Lobo), um adolescente cego que se descobre gay ao se apaixonar por Gabriel (Fábio Audi), colega recém-chegado à escola. Em volta deste encontro e da descoberta da sexualidade se desenrolam outras questões, como a relação com a melhor amiga Giovana (Tess Amorim) e a busca pela independência dos pais superprotetores.

“Estamos finalmente deixando a hipocrisia de lado no Brasil, aquela que finge que não tem racismo, que não tem homofobia. Está muito claro que existe e agora temos que enfrentar”

Como para a maioria das pessoas que escolhem uma carreira na área da comunicação – ainda mais se ligada às artes –, o que motivou Daniel a ingressar no curso de audiovisual na Universidade de São Paulo foi uma necessidade de se expressar, de encontrar maneiras de dizer aquilo que ele julga importante para a construção da sociedade. “A questão gay sempre foi muito importante para mim. Foi um dos fatores mais fortes que me levaram a estudar cinema”, explicou.

“Quando eu tinha 16 anos sentia que não havia filmes ou personagens gays com os quais eu pudesse me identificar. Isso era e ainda é muito ruim, principalmente para adolescentes gays que estão crescendo e não têm referência de quem eles podem ser, de como eles podem ser, se podem ser felizes ou não nessa sociedade violenta”, argumentou Daniel. “Mas não só”, continuou, “outras questões sociais que nós vivemos no Brasil também me incomodam muito. Temas como aborto, drogas e racismo me instigam e me fazem desenvolver essa vontade de abordá-los através do cinema”.

A natureza militante de Daniel não faz com que ele pareça bitolado em uma única ideia. Apesar de tratar dos temas relacionados aos direitos da comunidade LGBT com frequência, carrega em seu tom de voz uma leveza necessária para que se possa enxergar, além dos problemas, as virtudes e oportunidades de cada momento histórico.

“Vejo tudo de forma positiva. Acho que evoluímos muito no Brasil e não dá para sentir que estamos atrasados porque a visibilidade ficou muito grande nos últimos dez anos. Hoje temos personagens gays em quase todas as novelas. Isso para mim é uma evolução”, opinou Daniel. “Não podemos ignorar isso e ficar pensando só nos Felicianos da vida [referência a Marco Feliciano, pastor evangélico e deputado federal que milita contra os direitos da comunidade LGBT]. São reflexos da nossa visibilidade. O tanto que aparecemos passou a incomodar essa gente. Aí saíram eles do armário, todos os reacionários, para combater o que eles acham que é um problema”.

Para Daniel, “estamos finalmente deixando a hipocrisia de lado no Brasil, aquela que finge que não tem racismo, que não tem homofobia. Está muito claro que existe e agora temos que enfrentar isso. O brasileiro é tolerante, somos um povo que aceita diferenças, apesar do racismo e da homofobia. Quanto mais nos conhecemos, menos preconceituosos somos. É mais fácil ser tolerante quando certos temas deixam de ser tabu na sociedade. Então sou otimista”.

Ao falar especificamente sobre o filme, Daniel revelou que a ideia principal era refletir sobre de onde vem a sexualidade. “Muitos pensam que a pessoa escolhe ser gay. Mas todo gay diz que nasceu gay. Então quando você pega um personagem cego, que nunca viu uma mulher ou um homem e acaba se apaixonando por alguém do mesmo sexo, você questiona isso”, afirmou. “O sexo e a sexualidade estão muito ligados à visão. Assim como o preconceito, pois muitos dizem que aceitam os gays, mas não querem ver. Quando você tira a visão do personagem, você começa a ver a homossexualidade de uma forma diferente, mas delicada e natural. É um filme de gay para hétero. Não há nada que possa incomodar”, completou o diretor.

A delicadeza e a naturalidade com as quais o filme aborda o tema da homossexualidade são reveladoras de outro traço importante da personalidade de Daniel. Ele viveu um período de descoberta muito parecido com o que é retratado em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, o que lhe garantiu uma aceitação não conflituosa do próprio ser.

“De certa forma, sempre fui muito bem resolvido. É claro que quando se é muito novo, tem 12 ou 13 anos, você não entende o que está acontecendo, se questiona muito e não tem com quem falar. Mas para mim, mesmo naquela época dos anos 1990, quando não havia muitas referências, foi tudo muito tranquilo. Com 16 anos eu também tinha uma melhor amiga, e chegou um menino novo na escola com quem eu comecei a namorar. Ele foi fundamental para eu me entender, e eu para ele. Ali acelerou minha aceitação”, contou Daniel.

“Eu não aceitava ser infeliz, não aceitava fingir que não era gay. Eu acho que nenhum adolescente gay deve se questionar. Os heterossexuais crescem e namoram sem nenhum tipo de problema, por que os gays tem que passar por esse processo?”

E concluiu: “A adolescência é um momento muito curto da vida e é muito injusto que um adolescente gay perca esse momento de estar excitado com uma nova paixão. As paixões gays do passado, na maioria, não se concretizavam. Eram paixões platônicas que não se realizavam quando você era jovem. A gente não pode privar os adolescentes gays de terem esses momentos. Eu tive a oportunidade de estar apaixonado aos 15 anos de idade. Os gays merecem isso”.

A maneira como Daniel enxerga e retrata o mundo ao seu redor não lhe garante, porém, apenas elogios. Algumas das críticas em relação ao filme dizem que se trata de uma representação utópica da realidade, principalmente em um Brasil onde muitos homossexuais morrem diariamente vítimas de violência. Mesmo assim, Daniel parece carregar um otimismo inabalável, muito mais do que inocente.

“Os conflitos que existem me estimulam a lutar mais. A briga vai ser difícil, mas vai dar certo. Acredito nas pessoas, nos seres humanos. Para tudo que há de negativo no mundo, existem muito mais coisas positivas. Há muito mais histórias hoje em dia de gays felizes do que de gays que são espancados nas ruas. Apesar da violência existir, o amor é maior. Os dois lados são importantes de serem mostrados!”

Durante o mês de novembro, Daniel Ribeiro estará nos Estados Unidos divulgando seu filme, participando de eventos e sendo visto e ouvido por um número cada vez maior de pessoas. Independentemente do resultado do Oscar 2015, certo é que, quando Daniel voltar ao Brasil, não estará sozinho em sua forma de levar a vida e enfrentar as pequenas neuroses sociais contemporâneas.