‘O Brasil está no mercado para se desenvolver’, diz Embaixador

brasilobserver - nov 10 2014
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Embaixador Roberto Jaguaribe (Foto: Rômulo Seitenfus)

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Para o Embaixador do Brasil no Reino Unido, Roberto Jaguaribe, “investimento externo tem que gerar desenvolvimento nacional, competência e emprego”, elevando as capacidades tecnológicas e produtivas do país

Por Guilherme Reis

A percepção internacional em relação ao Brasil – e a forma como o país se posiciona diante dos interesses que regem o processo de globalização – teve em 2014 um ano repleto de acontecimentos que conduziram à formação de um amplo leque de interpretações. Da capacidade do país para sediar a Copa do Mundo à escolha do novo Presidente da República, não faltaram argumentos que apontassem os melhores caminhos a serem seguidos rumo ao desenvolvimento da sétima maior economia do mundo. Economia que, diante de um quadro de baixo crescimento externo, encontra-se diante do risco da estagnação, embora mantenha índices invejáveis se comparados com os mesmos de países desenvolvidos – como são os casos do nível de emprego, do aumento dos salários e da redução da desigualdade.

Para uma maior compreensão sobre o papel que o Brasil desempenha no mundo hoje, e para que haja um maior diálogo com todos aqueles que enxergam no país uma vasta carteira de oportunidades, o Brasil Observer entrevistou com exclusividade o embaixador do Brasil no Reino Unido, Roberto Jaguaribe. Conduzida antes do segundo turno da eleição que reelegeu a presidenta Dilma Rousseff para mais quatro anos de mandato, a conversa girou em torno das relações bilaterais entre brasileiros e britânicos, passando pelos desafios do desenvolvimento nos países emergentes e a integração latino-americana. Confira a seguir os melhores trechos da entrevista.

Entrevista foi realizada em Londres antes do segundo turno da eleição que reelegeu a presidenta Dilma Rousseff (Foto: Rômulo Seitenfus)

Entrevista foi realizada em Londres antes do segundo turno da eleição que reelegeu a presidenta Dilma Rousseff (Foto: Rômulo Seitenfus)

 

Qual o foco da Embaixada Brasileira em Londres?

Como qualquer Embaixada do Brasil no mundo, temos alguns objetivos permanentes. O mais evidente para nós é ampliar, reforçar e aprofundar os laços bilaterais com o Reino Unido. Então, não podemos perder de vista alguns elementos. Em primeiro lugar, a relevância da relação bilateral. Em segundo, o entendimento da Inglaterra como um grande ator global. Em terceiro, as múltiplas facetas que Londres apresenta e que não estão necessária e diretamente ligadas ao governo inglês, pois tem dimensão própria.

Evidentemente que este ano para o Brasil é diferente, então tivemos focos diferentes. Tivemos em primeiro lugar a realização da Copa do Mundo, que gerou expectativas enormes e muita tensão em relação ao que ia acontecer. A embaixada se dedicou muito a buscar racionalizar esse debate e mostrar que havia um preparo mais que suficiente para realização do evento. Em segundo lugar é ano de eleições, que geram demandas e questionamentos diferenciados.

 

De que maneira as eleições interferem no seu trabalho?

Na verdade elas criam uma demanda interna de coordenação de uma série de elementos e também uma expectativa de conhecimento e compreensão maior do Brasil. Você precisa esclarecer pontos. Evidentemente que a Embaixada não está aqui para marcar uma ação política específica, mas para mostrar e esclarecer elementos em relação ao Brasil, que ganha mais visibilidade por conta das eleições.

Mas eu queria falar sobre a inserção do Brasil no mundo. Eu acho que isso é uma questão fundamental e é preciso entender que a inserção de um país no mundo só é eficaz se ela for consequente e coerente. Consequente com política externa confiável, estabelecida e sólida. Coerente com a projeção interna do seu próprio país, como é que ele funciona. Política externa de qualquer país não pode ter uma dissonância muito acentuada entre o que o país é: sua cultura, sua vocação, sua natureza, sua dimensão, seus problemas, seus desafios… Tudo isso tem que se projetar também na política externa.

O Brasil é um país incorporador. Seja visitante de pouco tempo ou imigrante de longo prazo, todos são absorvidos e integrados. Dentro desse panorama multicultural, temos uma tradição ocidental importante que faz nos sentirmos à vontade no diálogo com nossos vizinhos e parceiros tradicionais, como Europa e Estados Unidos.

Por outro lado, o Brasil é um país em desenvolvimento, um país emergente que encontra inúmeros desafios e problemas pela frente. Isso nos coloca em uma posição de enorme compreensão em relação aos problemas e desafios que outros países emergentes também têm. Portanto, junto com esse outro grupo de países, nós compartilhamos uma série de interesses e vontades. Então nos colocamos, simultaneamente, nesses dois universos, dos países ocidentais tradicionais e dos emergentes. Eu não vejo nisso qualquer contradição. Nossos desafios de desenvolvimento são muito similares aos que encontramos em nossos vizinhos, particularmente, mas também nos países africanos, nos países da Ásia e de outros lugares do mundo. Então nós criamos condições de termos de afinidade, proximidade e entendimento com um grupo muito grande de países.

Um terceiro elemento é que há muitos anos o Brasil desenvolve uma política externa independente, voltada para priorizar os objetivos do Brasil. Não vamos, automaticamente, aderir à posição de nenhum outro país. O Brasil não tem aliados, o Brasil tem amigos. Então o Brasil cria afinidades com grande parte dos países e tenta gerar uma política de aproximação, sempre com independência. E dentro dessa lógica é preciso manter certo padrão para ganhar confiabilidade.

 

Há um consenso de que para o Brasil entrar em um novo ciclo de desenvolvimento é preciso aumentar significativamente os investimentos, inclusive com captação de capital externo. Você acha que o país está fazendo o suficiente nesse sentido?

O Brasil é um país de grande atratividade para o investimento externo. E, independentemente de certas variações cíclicas, continua sendo atraente. Tanto é assim que nos últimos anos o fluxo de investimentos no Brasil tem sido muito importante, o que não quer dizer que nós não temos problemas. O nível de investimento interno da economia brasileira está baixo, próximo de 16%, e historicamente já tivemos níveis mais elevados. Mas o Brasil continua sendo atraente para os investimentos e certamente é função da embaixada promover atratividades para atrair esses investimentos. Esteve aqui a então Ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, fazendo um road show para apresentar pacotes de investimentos em infraestrutura. Esteve aqui o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, para a questão da tecnologia 4G. Fazemos frequentemente reuniões menores sobre diversos tipos de investimentos. E também todos os anos fazemos um grande evento para a atração de investimentos na área de petróleo e gás, que é certamente o setor que está mais desenvolvido.

 

O que o investidor precisa para ser bem sucedido no Brasil?

O Brasil é um país aberto ao investimento e com retornos importantes ao investidor externo há muitos anos. Então é preciso primeiro um conhecimento do Brasil. Eu acho importante estabelecer parcerias adequadas e criar um esquema de construção no país. O que eu quero dizer com isso? O Brasil não está no mercado para ficar fazendo compras puras; está no mercado global para se capacitar e se desenvolver. Capacitar significa absorção de tecnologia; aumentar a capacidade industrial e de produção. Então não é exclusivamente uma compra de atacado, e sim uma questão de formar a base de produção e competitividade do país. É preciso entender que é esse o objetivo do investimento que nós desejamos. O investimento externo tem que gerar desenvolvimento nacional, competência e emprego.

 

O caminho inverso também é importante para o país, ou seja, a internacionalização de empresas brasileiras…

Certamente. Um dado interessante é que o Brasil foi o segundo maior investidor externo na União Europeia em 2013, atrás apenas dos Estados Unidos. Existem empresas brasileiras que são cada vez mais globais na área de energia, mineração, aço e siderurgia, alimentação, distribuição, serviços, informática… Há um crescente número de empresas brasileiras buscando espaço global. E a verdade é que hoje, para ser competitivo em casa, é preciso ser competitivo no exterior. É natural que se faça assim e o Brasil tem feito isso bastante.

 

Mesmo assim há muita reclamação no Brasil no sentido de a competitividade das empresas brasileiras ser muito baixa…

Existem elementos que precisam ser atacados, e que estão sendo atacados, mas que ainda precisam de muito esforço interno para que sejam superados e melhorar a competitividade de certos setores produtivos no Brasil. Nós temos o famoso custo Brasil, relacionado à burocracia, desperdício, deficiência de infraestrutura… São muitos elementos que requerem um esforço de superação relevante.

 

Há um embate desnecessário entre Estado e mercado?

Isso acontece em todos os países do mundo. A percepção hoje é mais importante que a realidade, porque ela passou a ser a realidade. Então é importante você transmitir um sinal de receptividade, de interesse, para garantir a reciprocidade. O Brasil tem um histórico muito antigo de absorção de capital estrangeiro, mas a relação mudou. Primeiro porque a dimensão do país mudou e o Brasil não é mais um país que pretende comprar pacotes prontos. O Brasil pretende se capacitar, pretende que os investimentos tenham convergência no sentido de produção interna, geração de emprego, competência e competitividade, capacidade produtiva. Isso é um processo que muitas empresas já estão fazendo e que vai continuar.

 

A crise financeira prejudicou a percepção externa do Brasil?

A crise financeira gerou formas diferenciadas de avaliação e de investimentos, uma cautela maior. Hoje os investidores estão cautelosos no mundo inteiro, segurando um pouco mais suas capacidades de investimento. Há uma aversão maior ao risco. Mas eu não tenho a menor dúvida de que, examinando a questão da forma necessária, com uma visão de longo prazo, o Brasil é um dos mais atraentes países do mundo. Temos uma demografia favorável, recursos naturais favoráveis, um ambiente democrático estável, uma solidificação institucional importante, uma capacidade produtiva no setor agroindustrial extraordinária, uma matriz energética limpa, uma disponibilidade de fontes diversas de energia, ou seja, todos os elementos de longo prazo indicam grande atratividade do Brasil.

 

Quais riscos o Brasil apresenta?

O risco é a falta de crescimento. No Brasil, há entendimento de que crescimento baseado exclusivamente na capacidade de ampliação do consumo das classes ascendentes não é mais suficiente. Isso vai continuar e é importante que continue, mas é preciso que seja ampliado para outras vertentes, pois por si só não será suficiente para sustentar o crescimento e a própria ascensão social mais plena. Há também preocupações com as questões inflacionárias, mas o Banco Central tem atuado para evitar que a inflação escape da meta.

 

A atenção maior que o Brasil vem dando aos países que formam o chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) tem tirado a integração sul-americana do foco?

Não acho que isso seja verdade. A prioridade número um da política externa brasileira é com a nossa vizinhança, o que eu acho correto e natural. O progresso do Brasil tem que ser o progresso dos nossos vizinhos e vice-versa. Mas o Brasil é um país de uma dimensão tão grande que acaba se transformando em um natural ator global. Então a criação de outros grupos que nos fortalecem no cenário internacional é de grande relevância, e o BRICS é um deles.

 

O que o Brasil tem de fazer para encaminhar de vez o acordo comercial que se costura entre Mercosul e União Europeia?

O problema de fazer um acordo entre dois blocos que congregam mais de 30 países é que se precisa do apoio de todos eles. Não é um processo que se resolve de um dia para o outro. É claro que isso está se arrastando há muito tempo, com alegações de que a Argentina arrastava o pé, de que o próprio Brasil não estava encorajado, mas a verdade é que o Brasil está determinado, o setor industrial brasileiro tem muito interesse nisso e o governo certamente também tem. Não podemos fazer um acordo só porque é um acordo. É preciso um acordo com real significado, que traga conquistas importantes, benefícios palpáveis. Eu não tenho dúvida que esse acordo vai sair.

 

No ambiente latino-americano, o que é preciso para superar as aparentes divergências entre Aliança do Pacífico e Mercosul?

O Mercosul é uma realidade institucional efetiva. A Aliança do Pacífico é uma projeção de países que sequer têm fronteiras entre si, que não têm uma integração física natural imediata, mas que têm certa unidade de propósitos que eu acho louvável. Não vejo incompatibilidade entre os dois blocos. Acho que a aproximação entre ambos é natural. São formas de acelerar convergências, alcançar objetivos e não vejo necessidade nenhuma de disputa entre os dois.

 

Na opinião do diplomata estadunidense Arturo Valenzuela, o Mercosul seria mais uma união de costumes, enquanto a Aliança do Pacífico seria mais voltada ao mercado…

Evidentemente isso é uma opinião pessoal. O mesmo poderia se dizer da Aliança do Pacífico, que é uma aliança de vertente ideológica de países que buscam uma postura mais liberal. Mas eu não acredito que seja isso. Acredito que seja um interesse genuíno de convergência, para aprimorar a participação desses países no mundo. O Mercosul é muito mais do que a Aliança do Pacífico em termos de construção e em termos de realidade. Mas não vejo que haja necessidade de se manter um afastamento. O Brasil tem uma noção de que a integração da América do Sul é o objetivo maior. Nosso objetivo central de integração é pelo fortalecimento da Unasul.

 

NOTAS E INFORMAÇÕES

 

  • Em 2013, o Reino Unido foi 12º parceiro comercial do Brasil em termos de exportações e 15º em termos de importações. De 2003 a 2013, as exportações brasileiras para o Reino Unido cresceram quase 120%. As importações brasileiras também mostraram grandes aumentos nos últimos anos, sendo que em 2013 aumentaram pouco mais de 7%. A balança comercial apresentou um superávit para o Brasil, no ano passado, de US$ 487 milhões – com comércio bilateral total de US$ 7,7 bilhões, quase 4% menor em relação a 2012. As exportações brasileiras para o Reino Unido são diversificadas, embora as matérias-primas e produtos semimanufaturados tenham maior destaque. Já as importações brasileiras provenientes do Reino Unido estão mais centradas em fatores de produção e bens de capital.

 

  • O Brasil registrou um aumento de 8% no fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) entre janeiro e agosto de 2014, alcançando assim mais de US$ 42 bilhões, informou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Estimativas oficiais indicam que a receita anual do Brasil neste ano será semelhante à registrada no ano anterior, que encerrou 2013 com mais de US$ 64 bilhões. Tal crescimento aconteceu em um período de baixa na região como um todo. O fluxo de IED em 13 países da América Latina e do Caribe caiu 23% durante o primeiro semestre de 2014 em relação ao mesmo período de 2013, alcançando apenas um total de US$ 84 bilhões. Ou seja, o Brasil em 2014 recebeu metade do valor total de IED nesses países da América Latina e do Caribe.

 

  • A internacionalização das empresas brasileiras cresceu 1,6% em 2013, segundo levantamento elaborado pela Fundação Dom Cabral. O ranking representa uma amostra de multinacionais brasileiras que concordaram em participar da pesquisa. O levantamento é feito anualmente e leva em consideração os dados de ativos, receitas e funcionários dessas companhias no exterior. O levantamento mostrou que 65,1% das empresas pretendem expandir suas operações nos mercados em que já atuam no exterior. Outras 44,4% planejam entrar em novos países em 2014, números que vêm se repetindo nos levantamentos anteriores. A América do Sul lidera com 75,8% das multinacionais brasileiras com presença física na região, seguida da América do Norte (66,7%) e Europa (54,6%).

 

  • O Brasil foi o segundo maior investidor na União Europeia em 2013, atrás apenas dos Estados Unidos. A lista conta com uma ampla liderança dos EUA (€ 313 bilhões), seguido por Brasil (€ 21 bilhões), Suíça (€ 18 bilhões), Japão (€ 10 bilhões), Hong Kong e Rússia (ambos com € 8 bilhões). Em 2013, o principal destino dos investimentos da União Europeia também foi os Estados Unidos (€ 159 bilhões), seguido pelos centros financeiros Offshore (€ 40 mil bilhões), Brasil (€ 36 bilhões), Suíça (€ 24 bilhões), Hong Kong (€ 10 bilhões) e China (€ 8 bilhões). No quadro geral, o investimento estrangeiro direto dos 28 países da União Europeia (EU28) para o resto do mundo chegou a € 341 bilhões no ano passado, enquanto o investimento do resto do mundo no EU28 foi de € 327 bilhões.

 

  • Em julho de 2014, os governos do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul assinaram o acordo que criou o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, instituição que irá financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento. A nova instituição financeira terá capital inicial autorizado de US$ 100 bilhões. Também foi criado o Arranjo Contingente de Reservas, com um montante inicial de outros US$ 100 bilhões. O arranjo funcionará como um “colchão de proteção” e será um mecanismo adicional a outros que já existem, como FMI (Fundo Monetário Internacional). Juntos, os cinco países dos BRICS representam 46% da população mundial e 18% do PIB do mundo. Em dez anos, o comércio entre eles aumentou 922%, de US$ 27 bilhões em 2002 para US$ 276 bilhões em 2012.

 

  • Em 2013, os países membros da Aliança do Pacífico (México, Peru, Chile, Colômbia e Costa Rica) tiveram um crescimento econômico combinado de 5%, com o comércio entre eles crescendo 1,3% em relação ao ano anterior. Já o Mercosul (Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai e Paraguai) teve um crescimento combinado de 2,9%, com uma redução do comércio entre seus países membros na ordem de 9,4%. Para 2014, de acordo com pesquisa do banco de investimento estadunidense Morgan Stanley, a previsão é de que o crescimento do PIB da Aliança do Pacífico seja de 4,25%; do Mercosul, alta de 1,9%. A Aliança do Pacífico representa hoje metade das exportações da região, apesar de um PIB combinado que totaliza menos de dois terços do Mercosul.