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Fotógrafa portuguesa viveu 3 meses em campos de refugiados: “dor, violência, frio e acolhimento”

rosabitt - mar 12 2016
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Por Rosa Bittencourt

O ano era 2013. O mês: junho. O local: bairro de Laranjeiras, Zona Sul do Rio. O motivo: uma manifestação contra o aumento, na época, do reajuste do transporte coletivo. Os R$ 0,20. O alvo: o prefeito Eduardo Paes e o então governador Sérgio Cabral (ambos do PMDB). O fato: no meio da fumaça das bombas, tiros, spray de pimenta, correria e quebra-quebra, uma fotógrafa portuguesa estende sua mão com um pano embebido de álcool em minha direção. Não penso duas vezes e pego o pano, e a exemplo dos outros fotógrafos e jornalistas, levo direto para o meu nariz para amenizar a dificuldade da respiração no meio daquele turbilhão.

A fumaça ardia os olhos e engasgava a respiração naquela noite. Não foi muito diferente de outras noites, quando manifestações começavam em atos pacíficos, mas terminavam em conflito com a PM. Não importava o lugar: as bombas da PM explodiam na Cinelândia, Igreja da Candelária, Avenida Presidente Vargas, Palácio Tiradentes e naquela noite foi Palácio Guanabara, sede do governo estadual, em Laranjeiras.

O pano com puro álcool era para amenizar o cheiro forte das bombas de gás lacrimogênio que a polícia carioca disparava contra manifestantes e ali no corre-corre um ajudava o outro. E foi assim, que trocamos nomes e telefones rapidamente.

Eu, Rosa. Ela, Elisabete. E a promessa: “A gente se acha numa próxima”.

As manifestações naquele junho de 2013 se repetiram cada vez mais violentas (PMs x manifestantes), eu e Elisabete trocávamos mensagens, mas nunca mais conseguimos nos encontrar: nem para o famoso café, nem para a promessa de uma cerva gelada.

Campo de Idomeni, na Grécia, fronteira com Macedônia.

Campo de Idomeni, na Grécia, fronteira com Macedônia.

Passados quase dois anos daquele encontro, Elisabete Maisão dos Santos, filha única, voltou para Lisboa atender os pais (principalmente o pai, com a saúde debilitada) em junho de 2015. No Rio, morou quase três anos, mas já estava longe da sua terra natal há mais de oito anos (cinco deles, morando em Amsterdã, na Holanda).

Ajudou, auxiliou os pais até que explode a questão dos refugiados sírios, afegãos, iraquianos, paquistaneses na Europa.

Um contato aqui e outro acolá e ela partiu de Lisboa para Paris em novembro do ano passado. Dali, ao lado de uma amiga seguiu para o campo de refugiados de Calais. O projeto HairCultProject previa um período de 4 dias na região com a oferta de corte de cabelo aos refugiados. Iniciativa que aglutinou muitos outros profissionais cabeleireiros. Vencido o prazo, ela decidiu permanecer mais dois dias, que viraram 3 meses.

Dentro de uma tenda no campo de Presevo, na Sérvia.

Dentro de uma tenda no campo de Presevo, na Sérvia.

E a gente finalmente volta a se encontrar no Rio. Elisabete retorna para um período de 30 dias para freelas, palestras e o curso A crise dos refugiados na Europa – em fotografia. Na mesa do Bar Seco, em Botafogo, com amigos brasileiros, a fotógrafa fala, engasga às vezes no que fala, se emociona, se revolta, acalma e afirma que pretende não abandonar o trabalho voluntário, quando retornar para a Europa.

 

Foram dois dias e mudou tudo. Não dava para sair dali. Tinha que ajudar. Eles precisam muito”. E assim Elisabete entrou como voluntária da ONG L’Aubergue des Migrants, em Calais.

Os voluntários chegam com escolas, livrarias, centros de criação artística. “O trabalho de nunca para, pois chegam a toda hora pedidos de ajuda”. Se dividem entre organizar os donativos de roupas, calçados, sacos-camas e distribuir no campo, enquanto outras equipes organizam a construção de estruturas de madeiras para substituir as tendas.

Chegada ao norte da Sérvia perto da fronteira da Croácia.

Chegada ao norte da Sérvia perto da fronteira da Croácia.

Em dezembro, Elisabete começou a percorrer outros campos para conhecer o trajeto que os refugiados faziam até chegarem na Alemanha e outros países do norte da Europa. Passou por Bélgica, Alemanha, Eslovênia, Croácia, Sérvia, Macedônia e Grécia. E foi na costa de Lesbos que acolheu crianças, mulheres e homens que chegavam gelados, assustados, traumatizados, mas chegam felizes por terem conseguidos sair da Turquia e chegarem vivos na Europa. Chegam em barcos de borracha (com capacidade para 8 pessoas e chega a 50) depois de pagarem cada um € 1.000.

Ajudava no que podia, sem nunca deixar de registrar a dor e as incertezas que rondam a cabeça de quem acaba de deixar seu país e parte para o desconhecido. No campo de refugiados em Calais, um dos maiores da Europa: o número de refugiados passava de 6 mil. A maior parte dos voluntários em Calais é formado por ingleses.

“Eles não medem esforços para ajudar”. No fim de fevereiro, quando Elisabete já estava de volta a Portugal e depois Brasil, o governo francês autorizou o desmantelamento deste campo.

Polícia no campo de refugiados em Calais, norte da França.

Polícia no campo de refugiados em Calais, norte da França.

No meio dos refugiados uma história diferente da outra, que passa pela extorsão, morte, separação de famílias, frio, fome, preconceito, mas também acolhimento no serviço prestado pelos voluntários.

“A experiência de você viver num campo de refugiados é um tapa na cara. Você acorda e vê como poucos tem muito e muitos tem muito pouco para viver”.

Elisabete se mostra indignada com a postura dos governantes europeus, onde estão concentrados os países mais ricos e prósperos do mundo e que adotaram a postura de dificultar ou fechar suas fronteiras para os refugiados. E é essa indignação que a move para prosseguir com o trabalho voluntário nos próximos anos.

Elisabete: no futuro, pretende retornar com o trabalho voluntário.

Elisabete: no futuro, pretende retornar com o trabalho voluntário.

Conheça o trabalho da fotógrafa Elisabete Maisão dos Santos:
Calais – portfolio
The hard way from Lesbos to Calais – refuggeeseurope

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