Por que o Brasil está vencendo a luta contra a corrupção

Brasil Observer - mar 17 2017
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Foto: Antonio Cruz/ABr

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Controlar a corrupção é possível, mas o sistema precisa de novas regras para fiscalizar melhor os políticos

 

Por Paul F. Lagunes e Susan Rose-Ackerman

| Publicado originalmente em The Conversation (theconversation.com)

Em janeiro, o respeitado Ministro do STF Teori Zavascki morreu em um acidente de avião. Ele era o relator da maior investigação de corrupção da história do país.

Mesmo que o recém-escolhido sucessor na relatoria da Lava Jato, o juiz Edson Fachin, esteja à altura do caso, a morte de Teori permanece como uma perda trágica e um baque para a luta anticorrupção no Brasil. Especialmente porque ela aconteceu na esteira de um tremendo esforço popular pela implementação de medidas que facilitariam o trabalho de procuradores e juízes em ações contra políticos corruptos.

Ainda que seja fácil sucumbir ao ceticismo, a realidade revela muito mais razões para ter esperança. E nosso livro “Greed, Corruption and the Modern State”, publicado em 2015, argumentamos que as sociedades devem resistir às influências do poder econômico para proteger o interesse público. A rede de brasileiros expondo, processando e condenando os políticos corruptos que nadam no mar de lama nacional encarna esse ideal. Esses esforços, porém, precisam de reformas legais capazes de facilitar a luta contra a corrupção.

 

DE ESCÂNDALO EM ESCÂNDALO

Os brasileiros há tempos tiveram que aceitar escândalos de corrupção como parte crônica de seus governos. Fraudes estavam presentes na época da ditadura civil-militar, apesar do que aqueles que desejam a volta dos militares parecem acreditar. Mas casos de corrupção também atormentaram cada administração presidencial desde que a democracia foi restabelecida em 1985.

Até os governos do popular Luiz Inácio Lula da Silva, que comandou o país durante um período de crescente prosperidade (2003 a 2010), coincidiram com diversos escândalos. Eles incluem Caixa Dois, Bingos e, mais memorável, o Mensalão, um esquema pelo qual partidos aliados receberam mais de US$40 milhões em pagamentos clandestinos para apoiar o PT.

Mesmo assim, enquanto o STF investigava o Mensalão, o PT conseguiu vencer duas eleições presidenciais – uma que reelegeu Lula e outra vencida por Dilma Rousseff, em 2010.

A administração de Dilma começou promissora no combate à corrupção. Ela demitiu cinco ministros ligados a subornos, propinas e tráfico de influência e ajudou a decretar uma lei de transparência governamental.

Em poucos anos, porém, a maré mudou e Dilma perdeu apoio popular à medida que a economia se deteriorava, os protestos contra corrupção cresciam e bilhões eram gastos em estádios para a Copa do Mundo.

Ao mesmo tempo, a operação Lava Jato começou a se desdobrar. O esquema investigado pela Polícia Federal envolvia empreiteiras e funcionários da Petrobrás agindo em conluio para inflacionar contratos. Os empregados da gigante estatal eram subornados, enquanto políticos recebiam propinas como presentes pessoais ou doações para campanhas.

Posteriormente, Dilma Rousseff foi acusada de gastar dinheiro público sem autorização do Congresso e acabou sofrendo impeachment em agosto de 2016. Sob Dilma não pesava nenhuma acusação de corrupção, por isso muitos dizem que ela foi usada como bode expiatório.

 

QUEM ESTÁ MUDANDO O BRASIL

Nenhum dos subornos e ou pagamentos de propina seriam conhecidos hoje se os promotores federais não tivessem investigado obstinadamente o esquema da Petrobras, permitindo que o Poder Judiciário incomodasse de fato a elite política e econômica do país.

Os próprios brasileiros e a mídia também merecem crédito pelo gradual fim da impunidade. Nos últimos três anos, as pessoas tomaram as ruas em várias ocasiões para protestar contra a corrupção. A cobertura da mídia local sobre os escândalos tem sido implacável.

As autoridades já fizeram quase 200 prisões e os tribunais inferiores condenaram mais de 80 pessoas, incluindo o ex-presidente da Odebrecht, o maior grupo de construção da América Latina, que também terá de pagar pelo menos US$ 3,5 bilhões em multas por subornar funcionários do governo. O STF, responsável pelos políticos, está processando mais de 100 casos adicionais.

 

10 MEDIDAS

Apesar do relativo sucesso, os promotores e juízes brasileiros operam em um ambiente legal e institucional desafiador, o que dificulta a obtenção de resultados decisivos.

Para solucionar esses problemas, os promotores elaboraram o projeto conhecido como 10 Medidas contra a Corrupção, apresentado ao Congresso no ano passado como uma iniciativa popular aprovada por mais de dois milhões de brasileiros.

A ameaça que o projeto representa a interesses políticos escusos provocou uma oposição poderosa no Legislativo, e os parlamentares claramente enfraqueceram as medidas, acrescentando uma emenda para minar a eficácia de promotores e juízes. Um esforço do ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, para apressar a aprovação de uma versão mais fraca do projeto de lei falhou. E o STF aparentemente disparou contra Renan forçando-o a abandonar a presidência enquanto ele próprio enfrenta acusações de corrupção.

O fracasso em aprovar uma reforma contundente abalou o sistema político do país. Os diversos casos que vêm sendo revelados fazem com que a população acredite que a corrupção está piorando.

Paradoxalmente, entretanto, o dilúvio de casos recentes nos indica que as condições estão melhorando. Os diversos elementos do sistema de fiscalização do país estão funcionando.

 

REFORMANDO O SISTEMA

Para consolidar esses ganhos, são necessárias reformas importantes.

As 10 Medidas contra a Corrupção devem ser o ponto de partida para reformas mais fundamentais. Este projeto visa eliminar algumas das práticas que estão no cerne do escândalo da Petrobras, como as contribuições ilegais para campanhas eleitorais. O projeto visa também acelerar o processo penal, garantir a confidencialidade dos denunciantes, estender o estatuto de limitações e aumentar as capacidades de confisco de bens.

No entanto, o zelo da promotoria também levou a táticas controversas que têm levantado preocupações sobre o devido processo. Nós, por exemplo, questionamos o uso da detenção pré-julgamento sem evidência clara de risco. Outros questionam a alta proporção de casos que visam o PT e outros partidos políticos de esquerda. Embora essas preocupações precisem ser tratadas, acreditamos que os promotores e juízes estão agindo da melhor forma possível em condições desafiadoras.

O próximo passo, mais difícil, deve ser a reforma estrutural do sistema político. O Brasil tem mais de duas dúzias de partidos que produzem uma legislatura caótica em que os legisladores competem por recompensas em troca de votos. Conforme evidenciado no Mensalão, os presidentes têm usado táticas questionáveis ​​para sustentar as coligações governamentais. A corrupção política pode parecer o resultado inevitável da estrutura constitucional do Brasil.

Um sistema parlamentar, com um primeiro-ministro da coligação vencedora, resolveria alguns problemas, mas parece atualmente irrealista. Alternativamente, exigir uma maior proporção do voto popular antes que um partido possa participar na legislatura seria uma reforma menos draconiana.

 

OLHANDO PARA O FUTURO

O controle da corrupção no Brasil é possível, mas o sistema exige novas regras para tornar os políticos mais responsáveis e reduzir os incentivos para pagamentos corruptos. Os reformadores podem ajudar, aproveitando a crise política gerada pelo escândalo da Petrobras.

Pelo bem do país, e para homenagear a memória de Teori Zavascki, o Congresso deve abraçar este momento crítico da história e aprovar uma legislação que possa finalmente romper com o ciclo de corrupção. Para o bem da democracia brasileira.

 

  • Paul F. Lagunes é Professor Assistente de Relações Internacioais na Columbia University. Susan Rose-Ackerman é Professora de Jurisprudência (Lei e Ciência Política) na Yale University.