Brexit: como a redução da imigração pode afetar as contas do Reino Unido

Brasil Observer - mar 17 2017
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As condições em que o Reino Unido se retirar da UE podem permitir políticas imigratórias mais restritivas para europeus (Foto: David McKelvey)

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A redução da imigração líquida faz com que a população diminua e altere sua composição. As consequências podem vir tanto do lado das receitas quanto das despesas

 

Por Ian Preston

A saída do Reino Unido da União Europeia (UE) terá altos custos fiscais e uma grande parte disso será consequência do que acontecer com o número de imigrantes. Essa foi a conclusão do último estudo “Economic and Fiscal Outlook” (Panorama Econômico e Fiscal) realizado pelo Escritório de Responsabilidade Orçamentária (Office for Budget Responsibility) publicado no final de novembro – o primeiro desde o referendo de junho. O mesmo foi iluminado ainda mais por uma análise complementar publicada no dia 8 de dezembro.

Mais precisamente, prevê-se que o Brexit vai gerar um aumento acumulado de 59 bilhões de libras em empréstimos do setor público nos próximos cinco anos – dos quais 16 bilhões de libras são atribuídos à redução da imigração devido ao equilíbrio desfavorável entre os seus efeitos nas receitas fiscais e gastos governamentais. Enquanto o impacto negativo de outros fatores do Brexit deve atingir um pico em 2018-19, prevê-se que o efeito da imigração continue a aumentar até 2020-21.

 

O QUE ACONTECERÁ COM A IMIGRAÇÃO

A queda provável da imigração é difícil de quantificar, dada a incerteza sobre as negociações do Brexit. A mudança de atmosfera política desde a votação pode desencorajar a imigração, uma vez que os potenciais imigrantes esperam uma recepção menos acolhedora. Eventualmente, as condições em que o Reino Unido se retirar da UE podem permitir políticas imigratórias mais restritivas para as chegadas de cidadãos europeus.

Sem o Brexit, a estimativa de imigração futura aumentaria em cerca de 80.000 por ano. Este número é influenciado pelos recentes níveis elevados de imigração. Levando em conta o resultado do referendo, este aumento já não acontecerá, de acordo com o estudo.

Essa redução está longe de satisfazer a aspiração declarada do governo de cortar a imigração líquida para dezenas de milhares, então pode ser que as consequências fiscais do Brexit estejam subestimadas substancialmente. Por outro lado, esse alvo é politicamente controverso e visto como incrivelmente ambicioso – ou praticamente impossível.

A redução da imigração líquida faz com que a população diminua e altere sua composição. Uma vez que os imigrantes são em sua maioria jovens bem educados que chegam para trabalhar, a população ficaria mais velha e menos susceptível a participar do mercado de trabalho. As consequências sobre as finanças públicas podem vir tanto do lado das receitas quanto das despesas.

 

IMPACTO SOBRE AS RECEITAS FISCAIS

O efeito deletério no lado das receitas é mais fácil de entender. Uma população menor significa menos atividade econômica sobre a qual impostos são cobrados. Dado que os imigrantes tendem a ser mais jovens do que o cidadão médio do Reino Unido, a entrada reduzida de imigrantes deve gerar um declínio na taxa de emprego, o que reduziria ainda mais as receitas fiscais.

Como o influxo continuará reduzido ano após ano, o efeito sobre a população vai se acumular, razão pela qual o efeito anual sobre as receitas fiscais seguirá crescendo.

De acordo com o estudo, cerca de metade do impacto negativo sobre as receitas fiscais vem através de impostos de renda e contribuições previdenciárias mais baixas, e cerca de um quarto através de menores receitas fiscais sobre o consumo, como o VAT. Até 2020-21, a queda acumulada nas receitas fiscais deverá atingir 17,3 bilhões de libras. Este é o fator mais importante a impulsionar o aumento de 16 bilhões de libras na previsão de empréstimos por conta da menor entrada de imigrantes causada pelo Brexit.

 

POUCA MUDANÇA NOS GASTOS

Do lado da despesa, as coisas são mais complicadas. As despesas com benefícios sociais são tratadas como sensíveis à imigração porque as reivindicações são afetadas pelo tamanho e pela composição da população, embora a despesa média com o bem-estar social dos imigrantes seja menor do que com a população como um todo. Até 2020-21, as despesas de bem-estar acumuladas deverão ser menores em 2,1 bilhões libras como resultado da menor imigração. Ao mesmo tempo há um aumento de 0.6 bilhão de libras com pagamentos de juros da dívida em consequência das receitas fiscais mais baixas.

No entanto, a maior parte dos gastos – em serviços públicos como educação, saúde, segurança etc. – está fixada por planos anteriores. De acordo com o estudo, a redução da imigração não levará a cortes nos gastos com esses itens no horizonte considerado.

É claro que os imigrantes têm o direito de usar os serviços públicos, ainda que, contrariamente à percepção popular, haja pouca evidência de que eles façam demandas excessivas. Assim, a redução da imigração sem qualquer mudança nas despesas planejadas significa que a pressão sobre esses serviços públicos poderá diminuir um pouco. A queda do número de pessoas não está sendo compensada por cortes nos gastos com esses serviços e o aumento projetado do endividamento não pode, portanto, ser diretamente interpretado como o custo das mudanças imigratórias. O estudo faz uma previsão de empréstimo, não avaliando o custo da menor imigração após o Brexit.

 

QUAL SERÁ O CUSTO

Talvez seja útil comparar os números do estudo com as projeções dos economistas Christian Dustmann e Tommaso Frattini.

Seus cálculos sugerem que a imigração para o Reino Unido a partir do Espaço Econômico Europeu (EEE) durante o período 2001-2011 beneficiou o Tesouro em cerca de 22 bilhões de libras – com os impostos pagos superando os gastos em 34%. Ao longo do período considerado, o benefício líquido foi da ordem de 3 mil libras por imigrante adicional por ano (preços de 2011).

Para comparar, o estudo prevê um aumento de 16 bilhões de libras com empréstimos durante 2016-2021 para cerca de 1,2 milhão menos imigrantes por ano. Isto sugere um impacto previsto de 13 mil libras por imigrante ausente por ano. Trata-se de um número significativamente maior, mas isso acontece porque é uma resposta a uma pergunta diferente e avaliada em um período diferente que vem depois de uma década de crescimento e aumento dos preços. Entre 2011 e 2021, o estudo prevê que o PIB nominal aumente em cerca de 40%.

 

O QUE ESTÁ FALTANDO

As projeções do Escritório de Responsabilidade Orçamentária ignoram muitos possíveis efeitos econômicos da imigração. Se a imigração afeta os salários dos trabalhadores britânicos ou os retornos do capital, se isso afeta a inovação e a produtividade, ou se afeta os custos da prestação de serviços públicos. Embora o estudo indique que menos imigração pode reduzir a demanda habitacional e reduzir os preços das casas, não há considerações a respeito dos efeitos sobre as receitas do imposto stamp duty, por exemplo.

As projeções também não consideram mudanças na composição dos imigrantes. Se os imigrantes menos qualificados são mais desencorajados pelo Brexit do que os imigrantes altamente qualificados, então as consequências fiscais podem ser menos pessimistas, uma vez que os imigrantes desanimados pagariam menos impostos. No entanto, as reduções necessárias para aproximar o governo do seu objetivo de imigração líquida em dezenas de milhares teriam de cobrir além das pessoas pouco qualificadas.

Os imigrantes internacionais são, em geral, o tipo de indivíduos produtivos e economicamente motivados que os governos deveriam atrair. Fazer do país um lugar menos acolhedor e adicionar burocracia às relações econômicas com seus vizinhos mais próximos não é uma rota promissora para atrair os imigrantes mais fiscalmente lucrativos.

 

  • Ian Preston é Professor do Departamento de Economia da University College London. Este artigo foi publicado originalmente pelo site The Conversation (www.theconversation.com).
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