Maria Luiza Abbott: Um olhar sobre a imagem do Brasil no exterior

brasilobserver - ago 18 2015
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Observadora atenta das relações públicas brasileiras, sócia-fundadora da AJA Media Solutions conversa com o Brasil Observer sobre sua trajetória e estratégias de comunicação

 

Por Ana Toledo

Atuar como profissional de comunicação na cidade de Londres é um grande desafio. Afinal, aqui estão algumas das publicações mais influentes do mundo, a maior e mais antiga rede de rádio e televisão, a BBC, e nada mais nada menos que 1.700 correspondentes estrangeiros. Mesmo assim, Maria Luiza Abbott topou a empreitada.

Com passagem por importantes redações no Brasil e ganhadora do cobiçado prêmio Esso em 1998, a jornalista gaúcha desembarcou em Londres há 15 anos, como correspondente internacional do jornal Valor Econômico. Em seguida, passou por outros veículos na capital inglesa, incluindo a BBC, onde, após um programa de demissão voluntária, teve a oportunidade – como ela mesma diz – de criar seu próprio emprego. A consequência foi a AJA Media Solutions, empresa dedicada a estabelecer pontes de relações públicas para companhias brasileiras no exterior, há nove anos no mercado.

Além da sua experiência prática, Maria Luiza tem mestrado em Jornalismo Internacional pela Cardiff University e fala quatro idiomas além do português: inglês, espanhol, turco e francês. Com esse background, é uma observadora atenta da percepção sobre o Brasil no exterior, particularmente na Europa. Em entrevista ao Brasil Observer, ela conta sua trajetória, fala dos desafios de atuar neste mercado e analisa as consequências da falta de uma política unitária de comunicação do governo brasileiro para dar base e competitividade para empresas e produtos do Brasil no exterior.

 

Como foi o processo de criação da AJA?

Eu trabalhava na BBC e ofereceram um pacote de demissão voluntária que era muito generoso. Então eu e mais dois colegas resolvemos aproveitar a oportunidade e criar um emprego para nós. Os dois foram embora antes de a AJA completar um ano e eu fiquei.

Sentíamos que havia uma necessidade de uma agência de comunicação, pois as empresas brasileiras começavam a se internacionalizar. Percebemos que havia espaço para fazer um trabalho de divulgação do Brasil. Estamos falando de nove anos atrás, as empresas brasileiras eram desconhecidas. Eu me lembro de ligar para jornalistas e eles não terem ideia da empresa que estávamos falando, sendo que para nós eram empresas gigantes.

Depois disso, houve avanços no Brasil, a economia cresceu muito até recentemente e também cresceram as ambições de expansão de empresas e de maior inserção do Brasil no cenário mundial. A gente deixou de ser visto só como o país do futebol, dos estereótipos. Mas a cobertura ainda é concentrada nas grandes empresas e nas páginas de economia.

 

Qual é a maior dificuldade para uma empresa brasileira se inserir no mercado Europeu e o papel da comunicação?

O desconhecimento que o mundo ainda tem do Brasil de forma geral. Não existe um trabalho no Brasil de reforçar a marca, de fazer algo mais focado. É uma pena, pois o trabalho com uma marca serve para que quando você compre alguma coisa, você pague um premium por isso, porque confia naquele produto, naquela marca. E os países constroem as suas marcas, com diferentes características, de acordo com o que eles têm. Isso nem sempre é claro para empresas brasileiras e para o Brasil.

A estratégia de comunicação tem de ser feita de maneira a dar valor para a marca. A empresa vai escolher o mercado que ela quer entrar, e a partir dai é preciso uma estratégia que seja capaz de comunicar e fazer a ponte cultural. Não adianta falar inglês, francês ou alemão. Você precisa falar a língua do seu mercado, ao mesmo tempo em que que passa os seus valores de uma maneira que será entendida. É preciso adotar uma estratégia de marketing e adaptar à linguagem e à cultura local do seu cliente em potencial, mas sem perder a sua identidade inicial.

Além disso, é preciso antecipar a visão que as pessoas têm da sua empresa, partindo da imagem do seu país de origem, para estabelecer uma estratégia de comunicação que venha a ter sucesso. E é preciso também valorizar as qualidades brasileiras, pois não adianta vendermos uma coisa que não somos. A empresa ou o produto é brasileiro. E temos muitas coisas boas.

 

Como você avalia a imagem do Brasil hoje?

A percepção é o que a gente gera. Algo muito influente na formação da imagem é que os correspondentes que estão baseados no Brasil se informam pela mídia brasileira e a cobertura vem sendo sempre muito negativa nos últimos tempos. Não se trata de dizer se a mídia está certa ou errada, só que a mídia está focada no pessimismo. Acho que faz parte da nossa bipolaridade como país, ou está tudo bem ou está tudo ruim e isso se reflete na cobertura aqui fora.

Há um outro componente de grande influência que são as inegáveis dificuldades da economia brasileira. O mercado, as agências de classificação acompanham essas dificuldades de perto. Isso contribui para a imagem negativa neste momento, são dados da realidade concreta e objetiva. Quando você tem esse problema de desajuste da economia, não adianta ter uma política de comunicação que diga que não está desajustada. É preciso explicar o que está acontecendo, o que está sendo feito, o porquê do ajuste, ou seja, conversar com os investidores e formadores de opinião. Isso o Brasil não faz ou faz muito pouco comprado com outros países.

A África do Sul é um bom exemplo. Jim O’Neill, criador do acrônimo BRIC, não pôs a África do Sul no início. Como a África do Sul conseguiu entrar? Por conta de muito trabalho de relações públicas, com uma política de comunicação que deu uma dimensão maior ao país. A economia sul-africana é muito pequena se comparada a dos outros países do grupo, não tem impacto mundial. No entanto, foi tanta insistência deles em entrar, participar, fazer parte desse grupo que hoje o país está lá e os BRIC viraram BRICS (South Africa em inglês deu o S ao BRIC). A campanha de comunicação deles, chamada Brand South Africa, tem objetivos concretos a alcançar. Por exemplo, eles querem subir no ranking do World Economic Forum, dos países onde é melhor fazer negócios. E trabalham para alcançar esse objetivo. O Brasil não tem uma política de comunicação aqui fora, tanto em relação ao mercado financeiro quanto em relação à mídia. Não podemos esquecer que o que a mídia reproduz, o mercado lê e absorve, e o que o mercado produz, a mídia absorve e divulga. É um caminho de duas mãos.

 

Como não ficar à mercê dos mercados?

O mercado é um conjunto de empresas, investidores, analistas etc, mas é um conjunto formado por pessoas. Se você conseguir dialogar com essas pessoas, e contar o que está sendo feito, isso será compreendido. Não se pode deixar que as empresas percebam a realidade pela lente de outros. O Brasil é que deve estar na frente para falar o que está acontecendo. Afinal, sabemos que o Brasil depende do investidor para se desenvolver, gerar empregos etc. Além do mercado financeiro, é preciso uma ação conjunta do governo e das empresas, com uma política de comunicação comum para as exportações, pois elas permitirão mais crescimento, geração de divisas, um crescimento saudável. As empresas e o governo tinham que ter alguma ação conjunta para vender o nosso peixe, mostrar o que fazemos, que temos muitos produtos criativos e de alta qualidade.

 

Como criar uma agenda positiva?

A campanha Great Britain, daqui do Reino Unido, por exemplo, é uma das mais bem-sucedidas que eu conheço. Uma das razões para isso é que a pessoa que coordena é diretamente subordinada ao primeiro ministro, tem o poder de impor uma política de comunicação única a todas as áreas, todos falam a mesma língua. Acho fundamental que o comando seja unitário, não pode ser cada um falando uma coisa diferente e querendo passar um discurso diferente.

Uma das coisas que o coordenador da Great Britain, Conrad Bird, chama atenção é que o Brasil é muito bom em publicidade sabe comunicar de forma criativa, é um dos melhores. Temos uma tradição em ganhar prêmios internacionais em publicidade. Mas esses anos todos me mostraram que, por algum motivo, não conseguimos fazer isso quando é uma campanha de comunicação, de relações públicas e de publicidade para o país. As campanhas recentes que temos visto, de diferentes órgãos do governo brasileiro, não refletem essa qualidade. E aqui gostaria de lembrar que é preciso haver uma dissociação entre o que é um projeto para o país e o que é projeto para o governo que está no poder. No caso da Great Britain, não é uma campanha do governo britânico. É uma campanha do país. Há uma diferença clara, como acontece com a BBC, que não é uma emissora do governo, é uma rede pública. Não defende interesses de governo, mas do público.

O Brasil tem de achar um modelo, o seu modelo, não copiar. Cada país tem sua característica. Está na hora de fazer alguma coisa, de conversar com pessoas aqui fora, mas que entendem o Brasil também. Não adianta contratar quem sabe como funciona o mundo, mas que não tenha conhecimento de como funciona o Brasil.

BRASIL OBSERVER – EDIÇÃO 30