Às vésperas da Eleição Geral de 7 de maio no Reino Unido, a tentação de traçar comparações entre a correlação de forças políticas britânica e a que testemunhamos no Brasil é inescapável. Pois vejamos. Levando-se em conta o debate televisionado entre sete líderes de partidos britânicos, aqui se tem um cenário mais progressista – em tese, porque em campanha eleitoral se promete o impossível.
Obviamente, o trabalhista Ed Miliband equivale à petista Dilma Rousseff e o conservador David Cameron, ao tucano Aécio Neves. O liberal-democrata Nick Clegg, pelo papel de fiel da balança exercido por seu partido no último Parlamento, poderia ser comparado a algum figurão do PMDB, mas a julgar pela última eleição presidencial no Brasil ele se parece mais com Marina Silva, então candidata pelo PSB – nem de direita, nem de esquerda, muito pelo contrário.
Nas quatro peças restantes, a diferença sutil que faz a conjuntura britânica poder ser considerada mais progressista do que a brasileira. Enquanto Nicola Sturgeon (primeira-ministra da Escócia pelo Partido Nacionalista Escocês), Leanne Wood (primeira-ministra do País de Gales pelo também nacionalista Plaid Cymru) e Natalie Bennett (Green) defendem o fim da austeridade e o desenvolvimento de um novo paradigma político-econômico-ambiental, apenas Nigel Farage (UKIP) faz papel de bizarro – ao culpar exclusivamente os imigrantes pelos males da nação. No Brasil, a bizarrice tinha dois nomes na eleição passada: Pastor Everaldo, do PSC, e Levy Fidélix, do PRTB. A defesa de temas “espinhosos”, como legalização da maconha, descriminalização do aborto e taxação de grandes fortunas, por exemplo, ficou com Luciana Genro (Psol) e Eduardo Jorge (Verde).
Fora isso, por conta das diferenças decorrentes do sistema político de cada país (parlamentarismo no Reino Unido, presidencialismo no Brasil) e dos diferentes graus de desenvolvimento de cada um deles, qualquer outra comparação seria mero exercício de “achismo”. Impossível não notar, porém, outro fator em comum – e que, aliás, é facilmente identificável em quase todos os sistemas democráticos ocidentais. Trata-se daquele velho receio a tudo que questione e possa modificar, ainda que de maneira superficial, o status quo.
Nicola Sturgeon é quem melhor representa o ponto fora da curva. Foi quem melhor apontou, no debate, a irresponsabilidade do discurso de Nigel Farage; as contradições do Partido Trabalhista; a hipocrisia de Nick Clegg; e a falta de competência de David Cameron. E por agir baseada em nada mais além da sacrossanta verdade factual, é apontada por alguns setores como a pessoa mais perigosa do Reino Unido. Resta saber o que dirão as urnas no início do mês que vem.
Enquanto isso, no Brasil, aqueles que espalham o medo quando surge a possibilidade de qualquer mísero avanço na direção de uma democracia social soberana, capaz de desarmar as estruturas seculares do atraso nacional, seguem falando alto – e cada vez mais alto, diga-se. Esperar o que, afinal? Se nem mesmo aqueles escolhidos para representar o desejo emancipatório da sociedade conseguem – por incompetência ou má fé – exercer aquilo para que foram eleitos, quem mais o fará? Resignado seja, então, o compasso da desilusão, como diria o mestre navegante Paulinho da Viola.
Tivessem Dilma Rousseff e o PT o capital político necessário para seguir a pauta com a qual alcançaram democraticamente, pela quarta vez consecutiva, a maioria dos votos brasileiros, o país estaria debatendo seriamente, no mínimo, duas questões elementares para superar os problemas centrais dos dias que correm: a formação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para conduzir a reforma política, sendo que um dos pontos principais seria o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais; e uma reforma tributária que corrigisse as distorções primárias de um sistema regressivo que pune os mais pobres. O combate à corrupção e o ajuste fiscal que o país tanto necessita passam por esses dois debates. Ou se não de que forma o governo conseguirá economizar mais de 60 bilhões de reais sem afetar o direito das classes médias? Como fará isso sem prejudicar os investimentos e o emprego?
Quando Dilma prometeu que não faria tudo aquilo que está fazendo agora, adiou erroneamente o debate sobre essas perguntas, que são, afinal, inerentes às transições de ciclo. O modelo onde “todos ganham” que foi tão bem sucedido nos anos Lula não funciona mais. O mundo é outro. Não basta um ajuste meramente econômico. Falta, essencialmente, um ajuste político. Mas quem está no comando? A pauta do retrocesso caminha a passos largos no Congresso Nacional liderado por Eduardo Cunha e Renan Calheiros, enquanto a base de apoio ao governo petista se esfarela, nos gabinetes e nas ruas.
É pertinente a análise de que o PT falhou ao não politizar os milhões de brasileiros que ascenderam socialmente graças às políticas públicas colocadas em prática pelos governos Lula e Dilma. Mas foi o mínimo. O cidadão tem o direito de achar que ascendeu por conta própria – afinal, sem vontade individual não se vai longe – e se sentir lesado quando vê que seus direitos estão em risco nas mãos justamente daqueles que prometeram assegurar suas conquistas. E ninguém suporta mais os casos de corrupção envolvendo o partido, por mais que os maus hábitos não sejam exclusividade petista.
Quando o medo do avanço impossibilita a ação de quem sempre representou o questionamento do status quo, não há maquiagem que resista. Quem no poder defende o establishment, vê a sociedade como inimiga. Isso vale para o Brasil. Isso vale para o Reino Unido.