América Latina em questão

brasilobserver - mar 16 2015
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(Read in English)

Por Guilherme Reis

Há quem argumente que a América Latina já não atrai mais tanta atenção internacional quanto antes. Depois de uma década de crescimento econômico – alavancado principalmente pelo ‘boom’ do mercado de matérias-primas –, algumas economias da região encontram-se diante do risco da estagnação. Diante disso, os investidores internacionais se questionam: vale pena a empreitada?

Primeiro ponto, elementar, é saber de qual América Latina estamos falando. Parece haver um consenso de que, em cada país da região, há pelos menos dois países diferentes. Isso não apenas por conta da diversidade cultural, mas essencialmente pela desigualdade social que faz com que a realidade possa ser muito boa ou muito ruim para a população local – e também para os investidores internacionais.

Fosse a América Latina uma região mais homogênea, integrada e com estratégias políticas e econômicas bem delimitadas, certamente a tarefa de entender e participar do desenvolvimento regional seria mais fácil. Mas, da mesma forma que, quando se cria uma atmosfera de animação, muitos problemas ficam escondidos, as oportunidades também se tornam mais difíceis de serem captadas e aproveitadas quando o cenário é de crise. Em um ambiente em que, muitas vezes, a percepção vale mais que a realidade, o que é real não se vê.

Nesse sentido, dois eventos realizados no mês de fevereiro em Londres, com abordagens completamente distintas, fomentaram um abrangente entendimento sobre o que se passa na América Latina.

O primeiro deles, realizado pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Londres, tratou de analisar os dez anos da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), criada em 2004 pelos então presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Fidel Castro, de Cuba. Hoje com 11 membros (o Brasil não é um deles), a organização intergovernamental nasceu sob o ideal de construção de um Socialismo do Século 21, em oposição à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Suas ações visam aumentar a integração econômica, política e social da região através dos conceitos de solidariedade, cooperação e complementaridade entre as nações.

Das experiências apresentadas na conferência, duas se destacaram. Uma em relação ao Sucre, moeda virtual comum da ALBA, e a outra sobre as tentativas de construir um Sistema Econômico Comunitário.

Para Stephanie Pearce, candidata a doutorado no Queen Mary College, da Universidade de Londres, apesar de a moeda complementar ter sido criada para diminuir a influência do dólar na região e eliminar os custos financeiros das transações econômicas entre os países da ALBA, “o Sucre não atingiu seu pleno potencial”, sendo usado quase que exclusivamente entre Venezuela e Equador.

Já Helen Yaffe, da Universidade de Leicester, depois de apontar os aspectos positivos que testemunhou na Venezuela diante do funcionamento das Empresas de Produção Social e das Unidades de Produção Familiar, colocou em xeque a transição para o socialismo em um contexto de dependência econômica. Para ela, “o governo bolivariano evitou o conflito com a elite capitalista” e falhou na condução do gasto público por não diversificar a produção nacional.

Tal ponto também foi enfatizado por José Manuel Ponte, da Universidade de Oxford, para quem a ALBA só vai continuar se desenvolvendo se não for mais dependente da Venezuela, que sempre foi a grande financiadora do grupo, mas que hoje enfrenta uma séria crise econômica agravada pela queda do preço do petróleo.

O segundo evento também tratou do desenvolvimento econômico na América Latina, mas a partir de uma perspectiva mais liberal. Organizada pela London Business School, a décima edição do Latin American Business Forum girou em torno de dois painéis principais, um sobre competitividade e o outro, a respeito da polarização entre livre mercado e controle estatal – e qual seria o meio termo possível para que os países da região alcancem um crescimento equitativo.

De modo geral, todos pareceram concordar que os países latino-americanos precisam tornar os gastos públicos mais eficientes; diminuir a corrupção; aumentar o percentual de investimento em relação ao PIB; e focar em infraestrutura e formação educacional, de modo que haja um impacto relevante sobre a produtividade.

“A produtividade da América Latina era de 20% nas décadas de 1960 e 1970 em relação aos países desenvolvidos. Hoje é de 40% a 50%”, disse o Economista Chefe da Pátria Investimentos, Luis Fernando Lopes. “Quanto mais o país cresce, mais produtivo ele é”, completou.

Leonardo Uehara, Diretor Associados da Visagio, apontou para a necessidade de modernizar as leis trabalhistas no Brasil. “Hoje cada Estado tem sua própria regulamentação. Como uma empresa vai expandir?”, questionou. Uehara comentou ainda que, “se o Brasil quer ser competitivo, deve ter empresas investindo no exterior, deve se mostrar presente”. Para ele, as empresas brasileiras tem grande vantagem em outros mercados emergentes: “entendemos melhor”.

Já Wenceslao Bunge, Diretor Gerente do Credit Suisse, afirmou que “a única forma de ser competitivo exportando matéria-prima é reduzindo o custo de produção”, agregando valor com a aplicação de recursos tecnológicos. Sobre os efeitos da corrupção, Bunge argumentou que, “quando as instituições são mais importantes que as pessoas, o país tem os meios para alcançar o sucesso econômico”.

No segundo painel, falou-se bastante sobre o papel do setor privado na economia latino-americana. Alejandro Puente, Chefe de Relações Externas do Banco Comportamos, disse que na região “há muitas oportunidades porque há muitas necessidades”. E que “tratados de livre comércio são bons pontos de partida, mas não suficientes”.

Visão semelhante foi compartilhada por Francisco Pírez Gordillo, Embaixador do Uruguai na Organização Mundial do Comércio, para quem “antes do acordo, é preciso fazer a lição de casa”, pois do contrário a economia nacional pode ser fortemente prejudicada.

Antes do encerramento do fórum, discursou o ex-presidente do Uruguai, Luis Lacalle Herrera. Ele recordou a criação do Mercosul, no início dos anos 1990, e disse que não reconhecia mais a organização, pois a mesma perdeu o foco do livre comércio e passou a ter objetivos políticos. Lacalle disse que acha improvável um acordo entre o Mercosul e a União Europeia, se mostrando mais simpático a um pacto entre países da América Latina e os Estados Unidos.

Superar a pretensa dicotomia do “livre mercado X controle estatal” é o grande desafio de praticamente todos os países latino-americanos. Algo tão ingênuo quanto acreditar que uma dessas ideologias, sozinhas, poderá levar a América Latina ao pleno desenvolvimento.

 

BRASIL OBSERVER – EDIÇÃO 25