Por Wagner de Alcântara Aragão
Há divergência quanto ao tamanho do público que esteve em Brasília, no último dia 1º, para acompanhar a posse da presidenta da Dilma Rousseff – dependendo do gosto do freguês, o número estimado varia de 10 mil a 40 mil pessoas. Não foi, de fato, a efervescência da posse anterior, em 2011, muito menos a multidão que seguiu Lula naquele 1º de janeiro de 2003. Mas, a julgar pelos discursos de Dilma e pela disposição da militância presente, foi uma solenidade para recolocar o governo no caminho da esquerda.
O processo eleitoral de 2014 foi apontado como o mais acirrado desde a redemocratização do país. O embate Dilma x Aécio, em muitos episódios, lembrou o de Collor x Lula em 1989 – inclusive, e sobretudo, pelo comportamento do poder midiático. Também à semelhança do pleito de 25 anos atrás, neste último – especialmente na reta final – a esquerda, ou boa parte (e representativa) dela, foi às ruas defender a candidatura de Dilma, em contraposição ao pensamento da direita mais atrasada representada pelo oponente (Aécio Neves).
Toda a mobilização conquistada, a muito custo, em meses de campanha, se esvaiu em poucos dias, tão logo os resultados das urnas confirmaram a vitória de Dilma. Por causa, em boa parte, do comportamento do próprio governo eleito – que não soube se utilizar do capital popular recuperado, e começou a agir extremamente na defensiva, sinalizando concessões, inimagináveis, ao projeto político derrotado. A primeira lista de novos ministros, anunciada em dezembro, foi um balde de água fria definitiva naqueles que empunharam bandeiras vermelhas na campanha.
Certamente isso desmotivou muita gente a se deslocar até Brasília para, na posse, simbolicamente reforçar o apoio que fora dado a Dilma nas eleições. Quem viajou, porém, esteve lá com esta missão: relembrar que a presidenta recebeu o voto para avançar à esquerda, e demonstrar que há disposição para ser ir às ruas em defesa das pautas progressistas. Não faltaram cobranças explícitas, como a de militantes dos trabalhadores rurais sem-terra que portavam faixas exigindo reforma agrária e se opondo à escolha da ruralista Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura.
A resposta de Dilma não decepcionou. Tanto no Congresso Nacional, onde falou a parlamentares e chefes de Estado ou representantes de mais de 70 países, como principalmente no parlatório do Palácio do Planalto – onde se comunicou diretamente com o povo – a presidenta reafirmou os compromissos de campanha que diferenciavam Dilma da candidatura da direita.
Num discurso em que resgatou expressões utilizadas frequentemente por nacionalistas como Darcy Ribeiro (“viva o Brasil, viva o povo brasileiro”) e Leonel Brizola (“Brasil, pátria educadora”), e mais uma vez enalteceu o antecessor Lula, Dilma Rousseff foi enfática: seu novo mandato não daria nenhum passo atrás em relação a tudo o que foi construído nos últimos 12 anos do governo de coalização de centro-esquerda, liderado pelo Partido dos Trabalhos (oito anos com Lula e os últimos quatro, com a própria Dilma). Quem apostou em palavras que denotassem concessão ou conciliação com a pauta da direita, errou.
Dilma reiterou que não vai mexer em direitos trabalhistas ou retroceder na política de valorização do salário mínimo, nem cogitar diminuir programas sociais. Claramente, disse que vai manter e aprofundar a atual política de integração com a América Latina. Assegurou a defesa do atual modelo de exploração do petróleo do pré-sal (o de partilha, implantado por Lula) e condenou a campanha oportunista, em curso, de desqualificação da Petrobrás. Demonstrou intenção em seguir no combate à corrupção – não só desmascarando corruptos, como principalmente os corruptores. Voltou a defender a necessidade de uma reforma política.
Mas foi ao revelar o slogan do novo governo que Dilma sinalizou disposição para mudanças profundas. O novo lema – “Brasil, pátria educadora” – traz embutida a proposta de promover uma verdadeira reforma no sistema de ensino brasileiro. Se, nos últimos 12 anos, o governo conseguiu universalizar o acesso a todos os níveis da educação, é evidente a carência de uma atualização dos currículos, modernização das práticas pedagógicas e da infraestrutura. Recursos para isso não deverão faltar nos próximos anos, com os recursos dos royalties do pré-sal carimbados para a educação.
No parlatório, a presidenta disse ao povo: vou precisar do apoio de vocês. Não foi um mero dizer, uma simples mensagem protocolar. O recado foi este, no jeitão Dilma de se expressar: montei uma equipe multifacetada, para não perder base de apoio político-partidária; mas só com o respaldo de vocês, das ruas, é que esse caminho poderá ser cumprido.