A Operação Lava Jato, ao levar para a prisão executivos das maiores empreiteiras do Brasil, expõe a histórica promiscuidade entre o poder econômico e o poder político
Por Wagner de Alcântara Aragão
Da Austrália, onde participava de reunião do G20, a presidenta Dilma Rousseff afirmou que a Operação Lava Jato – que naquela semana tinha levado à prisão executivos das maiores empreiteiras do Brasil – representava um marco na história do país. A declaração de Dilma não foi mera retórica, ou simples tentativa de capitalizar para sua gestão o bônus de trazer à tona a quase sempre velada relação promíscua entre os poderes econômico e político. De fato, em que pesem alguns desvios, a Lava Jato está a deixar um legado ímpar.
É o que considera o presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Roberto Saturnino Braga. Autor de livros sobre política e economia, ex-ocupante de mandatos como os de Senador e Prefeito do Rio de Janeiro, Braga avalia que os resultados Operação Lava Jato vão forçar mudanças na política nacional. Vão alterar, também, o comportamento dos grandes conglomerados econômicos em suas relações com o poder público.
A presidenta Dilma incluiu como prioridade para seu segundo mandato a reforma política – tarefa, porém, que pouco cabe ao Executivo; é do Legislativo a maior incumbência. Braga considera que, diante do escândalo da Lava Jato, deputados e senadores deverão ser forçados, pela opinião pública, a se mexerem, legislando por mudanças nas regras do jogo político.
“A repercussão da Operação Lava Jato vai obrigar o Congresso Nacional a se pronunciar. Ele tem se omitido historicamente dessa necessidade de reforma política, afinal, o modelo que está aí favorece os eleitos, os detentores de mandato. Mas agora, não. O Congresso vai ter de se manifestar”, comentou Braga em entrevista ao Brasil Observer.
Um tema que tem encontrado ressonância no debate político e tende a ganhar força depois das mazelas expostas pela Operação Lava Jato é o financiamento das campanhas. Praticamente todos os partidos – ou pelo menos todas as grandes legendas – são contemplados com doações de recursos financeiros das empreiteiras pegas na operação da Polícia Federal. Depois da Lava Jato, avalia Braga, será muito difícil manter o modelo atual. “Acho que vai mudar a forma como as empresas privadas financiarão campanhas. E as próprias empresas terão muito mais cautela [em participar de doações]”, afirmou.
Corrupto e corruptor
Na avaliação do advogado Rodrigo Gava, especialista em Direito Econômico, mestre em Direito e doutorando em Ciência Política, a Operação Lava Jato deixou mais claro para a sociedade que a corrupção só existe porque, se de um lado existe o corrupto (o detentor de cargo público ou mandato político), de outro existe o corruptor. E este, o corruptor, é representado pelo poder econômico.
“Parece que finalmente o Brasil escancara outro lado da moeda”, afirmou Gava em texto publicado em seu blog. “Hoje, se alguns políticos e servidores públicos e as cúpulas partidárias que estão ou estiveram no poder afundam-se neste que talvez seja um bom momento da República, levam junto parte dos magnatas brasileiros que jamais honraram as calças do capitalismo que vestiam”, disse.
Mas não será cedo demais para ser otimista quanto à punição de “tubarões”, já que historicamente no Brasil as sanções se concentram nos “bagrinhos” ou, quando muito, em um bode expiatório? Ao mexer com gigantescos, poderosos e arraigados interesses econômicos a Lava Jato não corre o risco de ter o mesmo desfecho que Operação Satiagraha, que há seis anos chegou a levar banqueiros para prisão, mas que acabou sendo desqualificada e resultando em impunidade?
Roberto Saturnino Braga diz acreditar que, dessa vez, a situação é diferente. “Não creio que haverá desqualificação da Lava Jato. Meu receio é muito mais com a desmoralização da Petrobrás. Há uma soma de interesses gigantescos contra a Petrobrás”, ressaltou.
As circunstâncias em que o país vive – com uma sociedade mais atenta e exigente – podem inibir tentativas de esmorecer a Lava Jato? Se a resposta é sim, mais do que capitalizar o êxito da operação, a presidenta Dilma Rousseff deveria aproveitar a disposição coletiva e empreender ações que revelem outros desvios.
É o que defende o advogado Rodrio Gava. “Tem muito, muito mais por aí e para além das já tradicionais empreiteiras. É hora de mexer no vespeiro do transporte público, dos serviços regulados e de outras tantas concessões que, nas mãos de síndicos ilegítimos da república, são tão nefastas e contrárias ao interesse público. É hora de a presidenta Dilma aparecer em rede nacional, semanalmente, para mostrar o que faz e o que fará para mudar o país nesta matéria”.
Petrobras
A Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) promoveu em novembro, em frente à sede da empresa, no Rio de Janeiro, um ato em defesa da companhia pública brasileira de petróleo. Entidades como a Aepet, sindicatos e movimentos sociais têm demonstrado preocupação com o uso político da Operação Lava Jato com o intuito de desmoralizar e desqualificar a empresa, e assim criar um ambiente favorável para que multinacionais explorem uma das maiores riquezas da nação hoje – as reservas de petróleo da camada pré-sal.
É o temor também do presidente do Centro Internacional Celso Furtado. “A Petrobras é nosso maior patrimônio. Principalmente depois da descoberta do pré-sal, ela virou alvo de interesses econômicos gigantes. É um movimento de desvalorização da empresa, de criação de dificuldades”, disse Roberto Saturnino Braga.
A preocupação encontra eco nas palavras da presidenta Dilma Rousseff. À imprensa, Dilma tem advertido que é preciso tomar cuidado para que a sociedade brasileira não “condene” a Petrobras por atos de corrupção cometidos por alguns funcionários e dirigentes.
Na segunda semana de dezembro, a empresa de advocacia estadunidense Wolf Popper entrou com uma ação coletiva contra a Petrobras em uma corte de Nova York, em nome de investidores que compraram recibos que representam ações da estatal brasileira e são listados na Bolsa de Valores de Nova York. A ação alega que a Petrobras forneceu “material falso e comunicados enganosos” e não revelou uma “cultura de corrupção” na empresa. Até o fechamento desta edição, a empresa brasileira não havia se pronunciado a respeito, dizendo apenas que “não foi intimada da ação judicial”.
Se a Operação Lava Jato terá o poder de mudar os rumos da política nacional, não se sabe. Mas, com as feridas abertas, é com grande expectativa que boa parte da sociedade aguarda seu desfecho.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
O que é a Operação Lava Jato?
É uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal a respeito de uma organização criminosa formada por políticos, funcionários públicos, executivos de empreiteiras e doleiros. As empreiteiras distribuíam entre si contratos com órgãos públicos, em especial a Petrobras, mediante o pagamento de propina e desvio de dinheiro público, que era repassado a partidos políticos.
Como funcionava o esquema?
De acordo com o MPF, as empreiteiras reuniam-se e decidiam previamente quem executaria cada uma das obras oferecidas pelo poder público. Ao valor da oferta apresentada nas licitações era acrescentado um determinado porcentual, desviado para funcionários públicos e partidos políticos. Essa verba era repassada pelas empreiteiras à quadrilha por meio de empresas de “consultoria” ligadas aos integrantes do esquema, “lavando” o dinheiro.
Quem comandava a quadrilha?
O doleiro Alberto Youssef era o operador financeiro do esquema, enquanto o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa era o operador político. Em depoimentos à Justiça, Costa afirmou que o esquema funcionava também em outras diretorias da Petrobras, como Serviços, Gás e Energia, Produção e Internacional.
Quais empreiteiras faziam parte da quadrilha?
A Lava Jato já investigou executivos de nove empreiteiras: Camargo Corrêa, OAS, UTC/Constram, Odebrecht, Mendes Júnior, Engevix, Queiroz Galvão, Iesa Óleo & Gás e Galvão Engenharia.
Quanto dinheiro o esquema desviou?
O esquema de lavagem de dinheiro investigado originalmente movimentou até 10 bilhões de reais. Não há, por enquanto, informações a respeito de quanto dinheiro público foi desviado. Em despacho divulgado em novembro, o juiz federal Sergio Moro, responsável pelo caso, afirmou que os danos sofridos apenas pela Petrobras “atingem milhões ou até mesmo bilhões de reais”. Em março, quando Youssef foi preso, a PF encontrou com ele uma lista de 750 obras que envolviam grandes construtoras e obras públicas.
Por que a maior parte das notícias envolve só a Petrobras?
Porque toda investigação precisa de um foco e a apuração da PF e do MPF teve início com Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa. Na medida em que mais informações forem obtidas por esses órgãos, a investigação deverá ser ampliada. Ainda que o foco esteja na Petrobras, outras empresas públicas já apareceram nas investigações, como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), uma das principais concessionárias de energia elétrica do Brasil, que teria firmado contrato com uma empresa de fachada.
Quem foi beneficiado pelo esquema?
Depoimentos de Costa e Youssef indicam que o dinheiro repassado a partidos políticos serviu para irrigar os cofres de integrantes do PT, PMDB e PP. Segundo declarações de Costa à Justiça Federal, no caso do PT quem recebia e distribuía o valor era o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto. No caso do PMDB, o operador seria Fernando Soares, conhecido como “Fernando Baiano”. Paulo Roberto Costa também afirmou que intermediou o pagamento de 20 milhões de reais para o caixa 2 da campanha do então candidato à reeleição ao governo de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), em 2010. Outro nome citado é o da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), cuja campanha ao Senado, segundo Costa, recebeu 1 milhão de reais do esquema de desvios da estatal. Outro envolvido no esquema seria o ex-presidente do PSDB, Sergio Guerra, morto em março de 2014.
Desde quando existe o esquema?
O Ministério Público Federal afirma que o esquema de cartel das empreiteiras em obras da Petrobras existe há pelo menos 15 anos. “Muito embora não seja possível dimensionar o valor total do dano, pode-se afirmar que o esquema criminoso atuava há pelo menos 15 anos na Petrobras”, escreveram os procuradores na petição em que pedem autorização para a deflagração da sétima fase da operação.
Qual é o futuro da Lava Jato?
Os processos e investigações referentes à Lava Jato seguirão em duas mesas distintas. Enquanto o juiz federal Sergio Moro continua com suas diligências em Curitiba, a fim de provar o esquema criminoso envolvendo as empreiteiras, doleiros e empresas públicas, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, debruça-se sobre as provas para, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), conduzir a investigação dos detentores de foro privilegiado, os políticos.
*Com informações do site da revista Carta Capital
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