Direitos humanos à frente

brasilobserver - dez 19 2014
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Foto: Igor Leite

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Do número de homicídios à proteção dos povos indígenas, Brasil segue com várias questões não resolvidas

Por Maurício Santoro, Assessor da Anistia Internacional

Quais as expectativas para os direitos humanos no Brasil em 2015? As mobilizações sociais dos últimos anos e a mais recente campanha eleitoral levantaram diversas questões não resolvidas – e que estão no centro da vida cotidiana do país. Algumas delas estão a seguir.

O Brasil é o país com o maior número de homicídios do mundo: mais de 50 mil por ano. Mais da metade das vítimas são jovens entre 15 e 29 anos; destes, 77% são negros. Diante desse quadro alarmante, a Anistia Internacional lançou em novembro a campanha “Jovem Negro Vivo” para chamar a atenção da sociedade brasileira para a gravidade do tema e cobrar respostas das autoridades para seu enfrentamento.

Esse debate, aliás, é inseparável de outro: a reforma das forças de segurança, que atuam com extrema violência. Em cinco anos, mataram pelo menos 11 mil pessoas – mais do que as polícias dos Estados Unidos em três décadas. Policiais foram acusados da maioria das chacinas ocorridas no Brasil, como a do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em junho de 2013, e a de Belém, em novembro de 2014. Parte do problema é vencer a tradição de impunidade, como proposto pelo projeto de lei 4471, que visa acabar com os “autos de resistência”, que classificam vítimas de homicídios cometidos pela polícia como tendo resistido à autoridade, dificultando investigações.

Os seguidos episódios de violência policial nas operações de segurança e também na repressão aos protestos dos últimos anos reforçaram as mobilizações pela extinção das polícias militares estaduais, como consta na proposta de emenda constitucional 51, em debate no Congresso. A militarização reforça a lógica de guerra, principalmente contra grupos sociais mais pobres e vulneráveis. Encerrá-la tem sido uma demanda dos movimentos sociais e também de relatores da ONU, tendo sido recomendada ao governo brasileiro por integrantes do Conselho de Direitos Humanos da organização.

Outro importante passo: em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade, que investigou durante quase três anos os crimes cometidos pela ditadura militar no país (1964 a 1985), publicou seu aguardado relatório final. Nos próximos meses haverá mobilizações para que o governo federal cumpra suas 29 recomendações, como a de levar adiante processos contra agentes do Estado acusados de terem cometido crimes contra a humanidade e reformar currículos das escolas civis e militares para lidar melhor com o tema ditadura.

Em 2015, outras 100 comissões da verdade existentes no Brasil (em Estados, municípios, universidades, sindicatos) apresentarão suas conclusões. Essas informações ajudarão a compreender a abrangência das violações aos direitos humanos cometidas pelo regime militar e motivarão ativistas e movimentos sociais na busca pela justiça contra os que cometeram esses crimes.

Os direitos sexuais e reprodutivos também têm impulsionado diversos debates no Brasil, com conquistas importantes em anos recentes, como o estabelecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Contudo, ainda há muitos casos de violência homofóbica, inclusive assassinatos – o Grupo Gay da Bahia estima 200 por ano.

Já os efeitos desastrosos de tratar o aborto como crime, em vez de questão de saúde pública, são exemplificados por histórias como as de Jandira dos Santos Cruz e Elizângela Barbosa, mulheres que morreram após abortar em clínicas clandestinas no Rio de Janeiro. Seus cadáveres foram escondidos por funcionários dessas instalações. Líderes políticos e religiosos brasileiros com frequência apoiam restrições e violações aos direitos sexuais e reprodutivos, ameaçando retrocesso nessas áreas cujas conquistas são frágeis.

Povos indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais também continuarão em constante perigo no Brasil. Apesar de seus direitos fundamentais estarem escritos na Constituição de 1988, há grande dificuldade em cumpri-los. Conflitos por recursos naturais (terra e minérios, por exemplo) frequentemente terminam com ativistas assassinados, num quadro geral marcado pela impunidade.

Há projetos em discussão no Congresso que colocam em risco o marco jurídico de amparo a esses direitos, como o novo Código de Mineração e a PEC 215 – que transfere do Executivo para o Legislativo, com sua forte bancada ruralista, a responsabilidade por demarcar terras de povos indígenas. Também são sérios os impactos das grandes obras de infraestrutura, como usinas hidrelétricas, em particular pela ausência de uma lei que regule o direto à consulta prévia, livre e informada, como previsto nos tratados diplomáticos, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Diante desses desafios, é essencial tratar dos Direitos Humanos como fator primordial da agenda política de 2015.

Leia mais: Brasil Observer #23