O desafio das startups brasileiras

Brasil Observer - dez 06 2016
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Cenário econômico é menos favorável e há dúvidas quanto à continuidade de apoio governamental, mas empreendimentos inovadores e colaborativos seguem promissores no Brasil

 

Por Wagner de Alcântara Aragão

A notícia de um convênio assinado entre os governos de Portugal e do Brasil, que prevê parcerias e cooperação no desenvolvimento de startups, faz esse tipo de empreendimento manter uma perspectiva promissora de geração de emprego e renda neste momento de crise intensa enfrentada pelos brasileiros. Se na primeira metade da década atual, aproveitando-se da extraordinária conjuntura econômica e fomento estatal, o ecossistema de startups experimentou um boom, agora o desafio é driblar as dificuldades, não se contaminar pelo pessimismo (até certo ponto justificável) predominante no país e encarar as incertezas.

Na avaliação do Start-Up Brasil – programa do governo federal lançado em novembro de 2012 – grandes corporações mundiais, sobretudo na área de tecnologia da informação (como Apple, Microsoft, Google, Facebook), mantêm suas atenções voltadas para iniciativas de startups em todo planeta. “[Essas iniciativas] são capazes de trazer consigo uma mentalidade fresca, com ideias revigorantes e conseguem abraçar as mudanças constantes do mercado”, diz texto oficial do programa.

O Start-Up Brasil é encabeçado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e desde o lançamento, há quatro anos, realiza chamadas públicas “para qualificar e habilitar aceleradoras e para a seleção de empresas nascentes de base tecnológica”. Atualmente na quarta turma, o Start-Up Brasil registra apoio, desde o surgimento do programa, a 183 startups nacionais e internacionais. Dispõe de uma rede de 18 aceleradoras em oito estados brasileiros “e mais de 50 parceiros públicos e privados”, ainda conforme material de divulgação da iniciativa estatal.

 

VÁRIAS ÁREAS

Só na Turma 4, segundo informações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, são 40 empreendimentos apoiados. São iniciativas nas áreas de saúde, tecnologia da informação e telecomunicações, finanças, agronegócio, logística e transporte, entretenimento, mídia e comunicação e educação. “O Start-Up Brasil cria condições para alavancar grandes ideias. Nós continuaremos fazendo do programa uma prioridade, apoiando-o e melhorando-o sempre”, declara, no site do Ministério, o secretário de Política de Informática da pasta, Maximiliano Martinhão.

Também em texto oficial, o gestor do programa, Vítor Andrade, destaca a importância das startups para o processo de recuperação da economia brasileira. “As startups, por meio de produtos e serviços inovadores e de mão de obra extremamente qualificada, têm um grande potencial para contribuir com o desenvolvimento econômico e social do país. As startups da Turma 4 evoluíram bastante ao longo dos 12 meses de aceleração”.

A Turma 4 (biênio 2015-2016) do Start-Up Brasil recebeu, ainda segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, 639 propostas, sendo 84% nacionais e 16% internacionais. “O investimento público foi de R$ 7,7 milhões. Em contrapartida, as aceleradoras investiram R$ 1,5 milhão e foram captados mais R$ 7,5 milhões no mercado”, ressalta a pasta.

 

MUDANÇAS

Oficialmente, ainda não há nenhuma manifestação detalhada por parte do Ministério, mas a expectativa é de que o Start-Up Brasil sofra reformulação. Em abril, ainda durante o governo de Dilma Rousseff, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação promoveu algumas mudanças – a nova fase chegou a ser batizada de Start-Up Brasil 2.0.

Àquela altura, o então secretário da pasta, Manoel Fonseca, anunciou investimentos de R$ 40 milhões, sendo R$ 20 milhões para aceleração de 100 empresas oriundas de base tecnológica, outros R$ 10 milhões em apoio a startups de hardware e mais R$ 10 milhões de incentivo ao nascimento de ideias inovadoras. “Tivemos muita discussão para o novo modelo, que incorpora a figura da mentoria técnica. Vamos aproximar das nossas startups a contribuição de mestres e doutores. A ideia é fazer a integração entre academia e empresa”, frisou o então secretário.

O atual titular da Secretaria, Maximiliano Martinhão, declarou ao portal IT Forum 365, em entrevista na abertura do IT Forum Expo (ocorrido nos dias 8 e 9 de novembro, em São Paulo), que o Start-Up Brasil será “relançado nos próximos dias”. O secretário não forneceu maiores detalhes, nem sobre as alterações planejadas, tampouco sobre quando ocorreria o relançamento. “O mais importante é gerar desenvolvimento econômico. Falar de regulamentação específica é colateral”, disse.

 

OBSTÁCULOS

No mesmo IT Forum, pesquisadores e empreendedores de startups afirmaram que alguns obstáculos precisam de ser superados pelo Brasil para que esse ecossistema possa deslanchar com mais consistência. “Nossos investidores não aceitam correr riscos no Brasil. Risco que é bom ele quer minimizar o máximo possível. Por um lado, você tem o sonho de investidor norte-americano que investe sem medo. Por outro lado, nós temos poucos empreendedores que conseguem acelerar na mesma velocidade que os norte-americanos”, comparou o professor e especialista em economia colaborativa, Marcelo Nakagawa, ao portal IT Forum 365.

Apesar de certos entraves, o otimismo para o ecossistema de startups prevalece. “As empresas estão com olhar aberto para a criação de novos modelos de negócios. Várias grandes empresas no mundo estão criando iniciativas de inovações abertas. Hoje não tem empresa que está no mercado competitivo que não esteja olhando para os modelos de inovações”, afirmou Nakagawa, segundo o mesmo IT Forum 365.

 

‘SILÍCIO BRASILEIRO’

As adversidades e as potencialidades do ecossistema de startups no Brasil foram apuradas também por uma pesquisa realizada ano passado pelo Start-Up Brasil. Para o levantamento, foram consultados 525 empreendedores brasileiros, sobre a avaliação que fazem em torno da possibilidade de se estabelecer um “Vale do Silício Brasileiro”, isto é, um polo referência gerador e desenvolvedor de empreendimentos inovadores e criativos. Para eles, o acesso a investimentos é difícil, bem como receber suporte de investidores. “Mais da metade das empresas ouvidas, 53%, nunca recebeu qualquer aporte”, observa a pesquisa.

O estudo apontou também que as startups brasileiras pleiteiam não só suporte financeiro e empresarial. “Para elas, o fundo ideal é aquele que também assume riscos (para 14% dos respondentes), acredita no empreendedor (8%) e participa do dia a dia da empresa, porém respeitando a independência do empreendedor (8%)”, enumera o levantamento, que continua: “A grande maioria delas, 90%, considera que tais fundos devem ter profissionais experientes e que conheçam o negócio no qual estão investindo. Ao mesmo tempo, 85% acreditam que é muito importante que esses fundos já tenham um histórico de sucesso”.

Das empresas consultadas, 78% dispõem de faturamento anual inferior a R$ 1 milhão. A maioria dos participantes do estudo é da área de tecnologia (44%) “e já apresentou formalmente sua empresa a algum investidor (61%)”. “O perfil dos respondentes é composto, basicamente, de startups em estágio inicial que já atuam no mercado e buscam investimentos para alavancar o crescimento dos negócios. Isso quer dizer que os insights que obtivemos na pesquisa vêm justamente de um público qualificado que está entrando no ecossistema agora e comparando possibilidades de investimento”, constatou o estudo.

 

Associação tem meta ousada para o segmento

Tornar o Brasil “uma das cinco maiores potências do mundo de inovação e empreendedorismo tecnológico, para que as startups brasileiras possam representar 5% do PIB nacional até 2035”. Esta é a meta da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), entidade criada em 2011 e cujo crescimento, nestes cinco anos, ilustra como esse tipo de empreendimento se expandiu no país na primeira metade da década.

“A ABStartups é uma organização sem fins lucrativos de representação das startups brasileiras. Atualmente temos em nossa base de dados cerca de 4 mil startups e mais de 38 mil empreendedores de todos os estados brasileiros, que participam de projetos e eventos focados em aumentar a competitividade globalmente”, assinala a entidade, em nota.

Para a associação, três pilares são fundamentais para que o segmento de startups no Brasil siga crescendo: informação (banco de dados consistentes), promoção (por meio da articulação de projetos, criação de programas de acesso a mercados, realização de eventos) e representação (defesa de interesses do segmento, discussão de políticas públicas). “Nós conseguimos modificar o mercado de startups. O que começou com uma ideia de quatro startupeiros, se tornou uma grande associação, com gestores regionais e mais de 200 associados”, sublinha a entidade.

 

 

Reino Unido se interessa pelas startups brasileiras

O Reino Unido vem demonstrando interesse em apoiar startups brasileiras. No ano passado, a conselheira econômica da Embaixada Britânica no Brasil, Catherine Barber, declarou que o país estava disposto a investir na internacionalização de até 15 empreendimentos desse tipo, por meio de um programa denominado UK Chapter, que seria integrado ao Programa InovAtiva Brasil, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O InovAtiva Brasil, segundo informações oficiais, já qualificou pelo menos 20 startups brasileiras no Vale do Silício.

Quando do anúncio da conselheira – feito durante a 15ª Conferência Anpei de Inovação Tecnológica, em Cabo de Santo Agostinho (PE) – o orçamento previsto para o apoio era de 150 mil libras, conforme informou à época a Agência Brasil. Catherine Barber ressaltou a “criatividade das empresas e dos empreendedores brasileiros”. “A ideia é servirmos de plataforma para que essas startups se tornem empresas globais. Acreditamos que há também potencial para marcarem presença no mercado da América Latina e no Mercosul”, afirmou no evento.