Deputado federal Jean Wyllys, em entrevista ao Brasil Observer, fala sobre impeachment, esquerda e luta LGBT
Por Guilherme Reis
Às 12h35 da quinta-feira dia 21 de julho o deputado federal Jean Wyllys entrou no saguão da Embaixada do Brasil em Londres em ritmo acelerado. Estava ligeiramente atrasado, por isso se desculpou com o repórter que o aguardava. A agenda apertada do político reservava para logo mais um almoço na residência do embaixador Eduardo dos Santos.
Sentados em uma sala do terceiro andar do grandioso edifício número 14-16 da Cockspur Street, o gravador ligado dava o sinal de que a entrevista, que duraria aproximadamente 20 minutos, havia começado.
Eleito e reeleito deputado federal pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) para representar o Estado do Rio de Janeiro, Jean Wyllys está certamente entre os políticos mais populares do Brasil. Prova disso foi dada nas duas ocasiões em que falou para o público durante sua passagem de alguns dias pela capital britânica – primeiro para debater o filme Febre do Rato, de Cláudio Assis, em sessão na própria embaixada, depois para falar sobre direitos humanos em simpósio organizado por estudantes do King’s College London. As palmas e assovios invariavelmente interrompiam a fala de Jean – e da intérprete. E os inúmeros pedidos de foto após o encerramento dos debates desafiavam a noção de que as pessoas perderam a fé na política e nos políticos.
Mas Jean Wyllys, obviamente, não é uma unanimidade. Único político brasileiro assumidamente homossexual, Jean é ferrenho defensor dos direitos humanos, particularmente da causa LGBT, e faz parte do que ele mesmo chama de esquerda 4G, ou seja, de quarta geração. Em um país como o Brasil, é de se imaginar o tipo de oposição que ele recebe.
De volta à sala do terceiro andar da Embaixada do Brasil Londres, a entrevista começa com o julgamento final, pelo Senado, do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, previsto para o final de agosto. “Acho que há uma possibilidade da presidenta Dilma voltar”.
Jean cita a última pesquisa Datafolha, que revelou que 62% dos brasileiros apoiam a realização de novas eleições. “Esse dado pode influenciar bastante os senadores. Além desse anseio popular por novas eleições, tem o fato de que Dilma foi inocentada no caso das pedaladas fiscais pela perícia do Senado, pelo Ministério Público Federal e pelo próprio Tribunal de Contas da União, que a princípio tinha condenado as contas de Dilma, mas agora emitiu parecer de que não houve pedaladas”.
No mês passado, o procurador da República no Ministério Público do Distrito Federal, Ivan Marx, que investigava se o governo Dilma Rousseff havia cometido crime ao não quitar dívidas junto a bancos públicos, a chamada pedalada fiscal, arquivou os processos informando que os atos não são criminosos, mas constituem improbidade administrativa.
“Dilma tem que retornar em nome da democracia. As regras democráticas foram rompidas e precisam ser reconstituídas. Há de haver um pedido de desculpas a ela e Dilma decide convocar novas eleições, faz um plebiscito, uma consulta à população e antecipa as eleições”, afirma Jean Wyllys.
A antecipação das eleições, porém, é bastante improvável. De acordo com a Constituição, eleições presidenciais diretas só podem ser antecipadas se os cargos de presidente e vice ficarem vagos antes de completarem dois anos de mandato – no caso de Dilma Rousseff e Michel Temer, antes do início de 2017. Novas eleições também poderiam ser convocadas se os dois sofressem impeachment ou se o Tribunal Superior Eleitoral decidisse, ainda em 2016, cassar a chapa por irregularidade na campanha de 2014.
Outro caminho seria alterar a Constituição para permitir a antecipação das eleições, mas isso dependeria de apoio de três quintos da Câmara e do Senado, em duas votações em cada Casa – um fato político difícil de imaginar nos dias que correm. A convocação de um plebiscito depende de apoio menor – maioria simples do Congresso –, mas não teria força para antecipar as eleições, apenas para expressar a vontade da população.
ESQUERDA 4G
Seguindo adiante, Jean é questionado por que a esquerda, quando chega ao poder, governa como a direita. “Não acho que os partidos endireitam. Há uma distinção entre você ser governo e ser oposição. Os governos são governos para todos, então de alguma maneira um partido acaba abrindo mão de alguma parte de seu programa. No caso do Brasil, temos um presidencialismo de coalizão em que o presidente precisa de ampla base para governar. Sendo um sistema financiado por corporações comerciais, é óbvio que o PT, ao chegar ao poder, teve que ceder a esse modus operandi do sistema político brasileiro. E com isso incorreu em práticas antirrepublicanas, em esquemas de corrupção que já estavam lá. Não foi o PT que inventou as práticas de corrupção. O sistema político brasileiro sempre esteve envolto em esquemas de corrupção que têm a ver com a promiscuidade entre o público e o privado, porque as campanhas eleitorais eram financiadas pelas grandes corporações comerciais”.
E a esquerda, como fica? “O PT não é a única esquerda. O PT faz parte das esquerdas. Eu acho injusto que se tenda a culpar todas as esquerdas pelos erros e traições do PT, a gente precisa fazer essa distinção”.
“A gente está vivendo um momento de desvantagem das esquerdas do ponto de vista da participação no sistema, mas não quer dizer que as esquerdas estejam mortas. É um momento das esquerdas renovarem seus pressupostos. Essa desvantagem tem a ver com triunfo do neoliberalismo, acompanhado por uma onda conservadora. Tem a ver, quero crer, com a última renovação do capitalismo”, completa Jean.
Mas como explicar, então, o domínio conservador mesmo após a crise econômica de 2008? “Para citar aqui o filósofo Jacques Derrida, a plutocracia, os neoliberais, as elites econômicas, ou seja, o sistema financeiro detém os aparelhos ideológicos, os instrumentos que constroem o imaginário das pessoas. As pessoas estão contaminadas pela ideologia neoliberal, da meritocracia, da ideia de mercado livre, de estado mínimo, de que você constrói sua própria riqueza. Isso é uma falácia porque primeiro as pessoas não partem do mesmo lugar. Falar em livre mercado e em liberalismo é muito bonito se todas as pessoas partissem do mesmo lugar. A gente não pode apagar o passado colonial que nos afeta, a escravidão, todas as desvantagens que produziram, sem falar de outras desvantagens que vêm das deficiências físicas, das vulnerabilidades do gênero. As mulheres têm uma desvantagem em relação aos homens porque foram excluídas do sistema de representação e do voto durante muito tempo. Os homossexuais têm desvantagens. Tudo isso distorce o sistema liberal. É lamentável que a classe média adote esse discurso [neoliberal]. Ela adota o discurso do estado mínimo quando na verdade não vai ser vantagem nem pra ela mesma”.
O que fazer? “Primeiro a gente tem que reparar os nossos erros, os erros dos partidos de esquerda que chegaram ao poder. Esses partidos têm que fazer uma autocrítica inclusive em relação à conciliação que fizeram com as elites econômicas. Tem uma esquerda anacrônica, com o coração e a mente em 1917, que não revê os erros do socialismo real e suas distorções, que sacrificaram algo inato do ser humano que é a liberdade”.
“Uma esquerda 4G não tem que aceitar o capitalismo, mas tem que considerar as liberdades individuais. A gente tem que fazer uma gestão socialista do capitalismo, já que a revolução não é possível, como os países nórdicos. Pensar no estado de bem estar social. Há que se por freio ao mercado, e isso só pode vir de um estado que não é mínimo”.
LGBT NO BRASIL
De janeiro a julho deste ano, 173 pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais foram vítimas de crime de ódio no Brasil, o equivalente a uma morte a cada 29 horas. Em 2015, foram 319 mortes. Nos últimos quatro anos, 1.600. Os dados foram coletados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), uma das poucas organizações que divulgam informações sobre crimes motivados por LGBTfobia no país. Os números, porém, podem ser ainda maiores, pois não existe uma lei federal que obrigue as delegacias a registrarem crimes motivados por LGBTfobia.
No Brasil, o casamento igualitário ou homoafetivo existe desde 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça emitiu uma resolução determinando que todos os cartórios do país realizassem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Mas a decisão não tem a mesma força do que uma lei e pode ser contestada por juízes, dificultando o processo.
Ainda assim, é cada vez mais comum ver beijos gay em novelas, assim como casais do mesmo sexo sendo representados em comerciais de TV.
“Ser LGBT no Brasil continua não sendo fácil. E todos os avanços que temos em termos de visibilidade e de organização dependem de nós mesmos, nós fizemos esses avanços. Se a publicidade hoje abre espaço para nós, nos reconhece como nicho de mercado, se a televisão nos reconhece como audiência e por isso nos representa, não é porque o mercado e a televisão são bonzinhos. Eles fizeram concessões diante da nossa pressão, cederam diante da pressão do movimento LGBT, que se organizou politicamente. Agora, no Brasil, diante dessa visibilidade cada vez maior da comunidade LGBT, a reação é também da mesma proporção. Há muita violência contra LGBTs, o número de assassinatos por homofobia e transfobia vem aumentando – ou ganhando visibilidade graças às novas tecnologias da comunicação e da informação”, diz Jean.
E como é ser um deputado homossexual? “Para mim não é uma das tarefas mais fáceis ser um parlamentar abertamente gay em um Congresso com ampla maioria formada por homens heterossexuais, brancos, ricos. Os poucos homossexuais que têm estão dentro do armário, portanto não me interessam nem interessam a ninguém. Quando eu entrei no primeiro mandato era mais difícil, porque além de tudo tinham as piadas. Eu meti o pé na porta e eles tiveram que pelo menos conter isso. Eles me toleram porque pertenço à raça da pedra dura, tenho estofo intelectual, tenho argumentos, não é fácil discutir comigo, não sou uma caricatura. Sou uma espinha na garganta”.
Antes de o gravador ser desligado, já em movimento a caminho do carro que aguardava Jean Wyllys em frente à embaixada, o deputado responde a pergunta do leitor Emerson Zanette, que quer saber como ele lida com as ameaças que recebe nas redes sociais. “Não ando com segurança, não deixei de fazer nada do que eu faço, apesar das ameaças, porque eu acho que a função das ameaças é simplesmente disseminar o medo e me fazer retroceder. Então eu respondo como os franceses diante das ameaças terroristas: ocupamos as ruas para mostrar que não estamos com medo”.
E qual seria a ambição política de Jean Wyllys? Será que ele já pensou em ser candidato à presidência? “Eu não posso dizer que eu não vou ser. A gente não pode prever o futuro e talvez haja circunstâncias específicas que lancem meu nome para presidente. Mas não é algo que eu ambicione, eu não me imagino presidente. Eu nem me imagino muito tempo como deputado federal. Eu estou deputado, não sou”.
A porta do carro se abre e não há tempo para mais nada. Jean Wyllys segue para a roda gigante da política brasileira. E ônibus número 12 se aproxima do ponto, apressando o passo de quem segura o gravador.