Histórias de um embaixador

Brasil Observer - jun 23 2016
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Alan Charlton (esq.) no lançamento de seu livro na Embaixada do Brasil em Londres, ao lado do embaixador Eduardo dos Santos

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Alan Charlton, que serviu no Brasil de 2008 a 2013, compartilha suas memórias em livro recém-lançado. O que ele diz sobre o país?

 

Por Ana Toledo

Pontualmente às 4pm de uma terça-feira de abril, avistei Alan Charlton, ex-embaixador britânico para o Brasil, entrando na Sainsbury Wing da National Gallery, em Londres. Vestindo terno e de mochila nas costas, pareceu-me inconfundível – não o conhecia pessoalmente, por isso segui o que tinha visto em fotos e vídeos na internet. A certeza veio quando reparei em sua gravata, desenhada por Romero Britto. Charlton é fã de seus desenhos e faz questão de pontuar: aquela é apenas uma das peças de sua coleção de gravatas assinadas pelo prestigiado artista brasileiro.

Gostos à parte, aquele foi um pequeno indicativo da admiração de Charlton pelo Brasil, seu último posto antes de se aposentar, após 35 anos de carreira diplomática. Com quatro anos e meio morando em Brasília e viagens por todo o país, Charlton soa como um brasileiro que marca as experiências de vida com base em partidas de futebol. “Sai do Brasil logo após a vitória do país sobre a Espanha na final da Copa das Confederações, um ano antes da Copa do Mundo”. Sabe-se lá o que teria acontecido contra a Alemanha se ele tivesse permanecido no posto.

Com o chá inglês do Earl Grey posto à mesa, demos início à entrevista, que teve como pontapé inicial o recém-lançado livro Shaking My Briefcase. A publicação traz um panorama geral da carreira de Charlton, reunindo histórias sobre sua passagem por Oriente Médio – onde aprendeu a língua árabe e esteve em diferentes zonas de conflitos –, Alemanha – onde presenciou importantes momentos históricos, como a queda do muro de Berlim –, Londres, Washington e, finalmente, Brasil.

“Eu tinha guardado algumas ideias ao longo dos anos como diplomata. Anotei só para não esquecer. Quando saí do Brasil, em julho de 2013, pensei que era o momento de reuni-las, antes que eu esquecesse tudo”.

Dali surgiu a motivação de escrever um livro que pudesse atrair todas as pessoas, independentemente de serem ou não especialistas no assunto. “São histórias contadas separadamente, escritas para pessoas que têm interesse em diplomacia e relações exteriores. Ou para quem apenas gosta de boas histórias. O livro não foi feito apenas para especialistas”.

A conversa sobre o livro se ateve ao último capítulo, referente ao período de atuação de Charlton no Brasil, entre 2008 e 2013. Como embaixador, Charlton foi responsável pela recepção de ilustres personalidades britânicas no Brasil, como o ex-primeiro-ministro Gordon Brown e o atual, David Cameron, além de membros da família real, os príncipes Charles e Harry. “Tive a sorte de atuar durante um período em que houve um grande esforço do governo britânico em estreitar relações com o Brasil”.

A primeira história contada no livro é sobre a visita do Príncipe Charles ao Brasil em 2009. “Por alguma razão o avião não estava autorizado a pousar e por isso atrasamos. Fomos cumprir agenda no Congresso e lá estavam centenas de pessoas, então nos atrasamos ainda mais. Eu estava muito preocupado, pois tínhamos uma recepção na Embaixada Britânica e só teríamos dez minutos para ficar lá se não quiséssemos atrasar a próxima reunião, que seria com o então presidente Lula. Já na embaixada, recebemos uma ligação pedindo para atrasar a reunião com Lula, pois alguma coisa tinha acontecido com a eletricidade do Palácio do Planalto. Fiquei tranquilo e tudo aconteceu perfeitamente como deveria ser. Tivemos tempo suficiente na embaixada e fomos para a agenda com o presidente. Nossa programação foi salva pela falta de luz no palácio”.

Naquela mesma viagem, o Príncipe Charles visitou Manaus, o que rendeu outras histórias para o livro. A certa altura, o apresentador de um evento no Teatro Amazonas disse que o príncipe não estava nada mal para um homem de 60 anos. Charlton preferiu não traduzir a frase para o príncipe.

Aproveitei para questionar qual tinha sido o momento mais difícil de sua passagem pelo Brasil, e Charlton destacou duas situações. Uma relacionada às Ilhas Malvinas: “por um lado eu tinha que influenciar o governo brasileiro em questões que eram pequenas, mas eu entendia a relação com a Argentina e sabia que era um tema delicado; por outro, eu tinha que influenciar o governo britânico para não exagerar na reação. Não eram grandes questões, mas foi difícil na época”. E outra sobre o caso de extradição de Michael Eugene Misick, ex-primeiro-ministro das Ilhas Turks e Caicos, arquipélago britânico localizado no Caribe: “conseguimos a extradição e, para mim, foi um grande progresso”.

Como entramos no tópico Argentina, levantei a questão do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, cujas negociações já duram mais de 20 anos. “Os outros países queiram o acordo, a União Europeia estava interessada, mas a Argentina não queria. O Brasil optou por não ter um acordo isolado, pois fazia – e faz – parte do Mercosul. Com o novo presidente argentino [Mauricio Macri] pode ser que fique mais fácil. No entanto, agora está mais complicado pelo lado da União Europeia, pois existem outras pressões, como por exemplo a crise dos refugiados”.

Outro ponto da conversa foram os Jogos Olímpicos. Charlton estava no Brasil em 2012, por isso teve contato direto com a troca de experiências que se estabeleceu entre Londres e Rio de Janeiro. “A cooperação entre os países foi enorme. Os brasileiros estiveram em Londres e adquiriram experiência de como diversas áreas funcionaram e não funcionaram”. Charlton prosseguiu de forma otimista: “pela primeira vez os Jogos Olímpicos serão realizados na América do Sul. Vai ser excelente e o mundo vai assistir. É claro que a mídia vai falar sobre o problema da economia e a crise política, mas não acho que isso vai afetar os Jogos Olímpicos. Existem alguns desafios ainda, em especial com transportes. Talvez nem tudo esteja 100% pronto, mas a maior parte sim. O Brasil está mostrando que pode organizar esses grandes eventos muito bem”.

Charlton comentou ainda o atual momento do Brasil. “Escrevi meu livro no ano passado, quando estava ficando claro que o Brasil se movia em direção a um problema mais profundo, tanto econômico quanto político. Mas sou otimista em relação ao futuro. Pode ser um passo longo ou não, pode ser alguns meses ou alguns anos, pode ser um grande e difícil problema. Mas em longo prazo, o Brasil será forte. Sou muito confiante”.

Atualmente Alan Charlton trabalha com consultoria estratégica para empresas de diferentes áreas. E como consultor continua acreditando no potencial do Brasil para investimentos. “Certamente é preciso pensar no risco, na situação difícil que o país se encontra, mas também é preciso pensar que em poucos anos as coisas podem avançar novamente. Eu tento encorajar as pessoas a continuar olhando para o Brasil. E tenho certeza que as empresas e investidores que estão interessados em um relacionamento de longo prazo continuam olhando neste sentido para o Brasil. A questão é sempre saber quando é a hora certa de investir”.

Após uma hora de conversa e com as xícaras vazias, nos despedimos e em direção à brisa ainda gélida de uma Londres primaveril. Algum resquício de saudade do Brasil deve ter se apresentado após tantas memórias – se não em Alan Charlton, certamente em mim.

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