Gomes, a muralha de Watford

Brasil Observer - jun 23 2016
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Foto: BePro2

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Goleiro brasileiro termina a temporada 2015/2016 em alta na Inglaterra. E conversa com o Brasil Observer

 

Por Guilherme Reis

O melhor goleiro do futebol inglês atualmente é o brasileiro Heurelho Gomes. Não se trata de patriotismo. De acordo com o site especializado em estatísticas futebolísticas WhoScored.com, o jogador do modesto Watford teve o melhor desempenho da posição durante a temporada 2015/2016 da Premier League, a primeira divisão da Inglaterra, provavelmente o campeonato nacional mais prestigiado do mundo.

Nas palavras do editor-chefe do site citado acima, Martin Laurence, em seu blog no The Guardian: “Ainda que a temporada do Watford tenha terminado de forma decepcionante, a equipe conseguiu seu objetivo de permanecer na primeira divisão com meses de antecedência. Nenhum jogador contribuiu de forma mais significativa para isso do que Heurelho Gomes, que fez mais defesas do que qualquer outro goleiro da competição (120), apresentando a quarta melhor taxa de defesas bem sucedidas entre aqueles com pelo menos 20 jogos realizados (71,6%)”.

A atuação mais impressionante de Gomes na temporada, sem dúvida, aconteceu no dia 16 de abril, um sábado. Fora de casa, o Watford enfrentava o West Brom, com quem disputava as mesmas posições na tabela. A equipe visitante vencia por 1 a 0 quando, aos 22 minutos da etapa final, o assoprador do apito sinalizou penalidade máxima para os mandantes. Saido Berahino cobrou e Gomes defendeu. A três minutos do fim do jogo, nova penalidade. Saido Berahino cobrou mais uma vez e Gomes, a muralha de Watford, fez a defesa que garantiu a vitória.

Não foi apenas uma vitória, porém. Gomes se tornou o primeiro goleiro da história da Premier League a defender dois pênaltis em uma mesma partida duas vezes. O jogador brasileiro já havia alcançado o mesmo feito em 2010, jogando pelo Tottenham. Na ocasião, defendeu duas penalidades máximas cobradas por Darren Bent, do Sunderland.

Heurelho da Silva Gomes nasceu em Jão Pinheiro, Minas Gerais, em 15 de fevereiro de 1981. Revelado profissionalmente pelo Cruzeiro em 2002, vestiu as camisas de PSV (Holanda), Tottenham (Inglaterra) e Hoffenheim (Alemanha) antes de assinar com o Watford, em 2014. Fez ainda 11 jogos pela Seleção Brasileira entre os anos de 2003 e 2011, ganhando a Copa das Confederações de 2005 e 2009. Na galeria de títulos conquistados estão ainda um Campeonato Brasileiro (2003), uma Copa do Brasil (2003) e o tetracampeonato holandês (2004-05, 2005-06, 2006-07, 2007-08).

Confira, a seguir, a entrevista exclusiva de Gomes ao Brasil Observer.

 

Como você avalia a temporada que acaba agora? O Watford chegou à semifinal da FA Cup e terminou a Premier League na 13ª colocação. Ficou a sensação de que vocês poderiam ter feito mais?

A temporada foi muito boa, superou as expectativas. Antes de começar muita gente dizia que éramos sérios candidatos ao rebaixamento. É claro que a gente queria mais, talvez classificar para a Europa League, até porque ficamos na zona de classificação durante algumas rodadas, mas superou as expectativas. Poderíamos ter chegado à final da FA Cup.

 

Pessoalmente, você termina a temporada em alta, sendo chamado de “rei dos pênaltis”. Como foi pra você fazer história na Premier League como o único goleiro a salvar dois pênaltis duas vezes em uma mesma partida? Você faz algum treinamento especial?

É muito importante o goleiro estar preparado para qualquer situação do jogo. Eu nunca entro numa partida querendo fazer história. Sempre entro pensando em ajudar minha equipe. Foi um momento importante. Eu tenho uma tranquilidade muito grande quando vou enfrentar um pênalti e essa tranquilidade faz com que eu faça as defesas, porque é um momento de muita concentração, depende muito de como você está na partida.

 

Gostaria que você falasse como foi sua adaptação à Inglaterra. Como é conciliar a vida de jogador com a esposa e os filhos?

Foi tranquilo. Eu vivi na Holanda quatro anos, onde tem uma qualidade de vida muito grande, mas a Inglaterra e Londres têm muito mais coisa pra se fazer. Minha família é totalmente adaptada, meus filhos. Aqui a gente tem uma facilidade muito grande, porque a gente treina uma vez por dia, na parte da manhã, então à tarde eu fico sempre com eles.

 

Por estar aqui há bastante tempo, você tem contato com outros brasileiros que jogam na Inglaterra, como William e Oscar?

A gente se encontra sempre que pode. O pessoal do Chelsea, o Sandro, do Queens Park Rangers, com outros brasileiros também. É muito bom. A gente se entende muito e acho que essa aproximação faz com que a gente preencha um pouco a falta dos nossos amigos que estão no Brasil.

 

E fora de campo, quais são os projetos do Gomes?

Eu não faço muito projeto, até porque eu trabalho muito para que as coisas aconteçam no momento. Mas é claro que eu preciso começar a me preparar desde agora. Com certeza este ano eu quero começar um curso de treinador. Não sei se eu vou ser treinador, mas quero estar preparado.

 

Um grande amigo cruzeirense me pediu para perguntar: aquele time do Cruzeiro de 2003 foi o melhor em que você já jogou? E quem foi sua grande referência como goleiro? Por quê?

Posso dizer que sim, como um todo. Tive um PSV muito bom também. Quando cheguei, em 2004/2005, fomos à semifinal da Champions League. Era um time maravilhoso. Mas o time do Cruzeiro de 2003 foi completo até pelas conquistas, ganhamos tudo que disputamos: a tríplice coroa em 2003 mais o Campeonato Mineiro do ano seguinte. A gente ia para o estádio sabendo que ia ganhar. Nas poucas vezes que perdemos foi por causa da autoconfiança. Muitas vezes brincávamos qual seria o resultado. Então posso falar que foi o melhor time que eu joguei.

Quando eu comecei a jogar no gol, como cruzeirense, eu acompanhei muito o Dida. E também o Taffarel, por ser o goleiro da Seleção na época.

 

Com tantos anos no futebol europeu, que avaliação você faz hoje do futebol brasileiro? E a Seleção, como você avalia os 7 a 1 e as chances do futebol brasileiro na Olimpíada do Rio de Janeiro?

Tecnicamente não se discute a qualidade do futebol brasileiro, mas em termos de organização estamos muito atrás. Não sei o que acontece, mas a gente não prioriza principalmente o torcedor brasileiro. O torcedor fica esquecido. Aqui a primeira coisa que eles pensam é o torcedor. E também as cotas de TV ajudam os times a se garantir durante a temporada em termos financeiros. Infelizmente no Brasil não temos isso ainda, as cotas são divididas de acordo com o time e aqui não, são mais iguais.

Seleção é um caso à parte, já vinha correndo esse risco por ser um período de transição. A meu ver uma transição mal feita. Normalmente em outras seleções você não tira todos os jogadores de uma vez só, você vai tirando um ou outro e vai colocando os mais jovens. Infelizmente aconteceu o 7 a 1, até para abrir nossos olhos, mas vejo que ainda não foram abertos pelo que temos tido nos últimos acontecimentos.

Olimpíada é outro caso. Nunca conseguiu, não sei se vai conseguir, até pela qualidade das outras equipes, mas tomara que ganhe a tão esperada medalha de outro dentro do país. Tem chance, mas não é favorito.

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