Para o Embaixador do Brasil no Reino Unido, Eduardo dos Santos, país precisa diversificar sua pauta exportadora
Por Ana Toledo
A interpretação britânica do Brasil em 2016 veio sem demora. A primeira capa do ano da The Economist foi dedicada ao país; no mesmo mês, o Ministro das Finanças, George Osborne, alertou que o Brasil faz parte de um “coquetel perigoso de novas ameaças” econômicas lideradas pela China e sua desaceleração. Internamente, o país aguarda o fim do Carnaval para ver o Congresso iniciar seus trabalhos, com uma agenda cheia de temas delicados, como, por exemplo, a votação do processo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, aberto em dezembro do ano passado. Além disso, em agosto deste ano o país ainda vai sediar a primeira Olimpíada realizada na América do Sul, recebendo mais de 200 delegações em sua cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro.
É diante desse cenário que Eduardo dos Santos assumiu o posto de Embaixador do Brasil no Reino Unido, no final de 2015. Em sua terceira passagem por terras britânicas, cada uma exercendo um cargo diferente, Santos já foi Secretário Geral do Ministério das Relações Internacionais entre 2013 e 2015 e já exerceu o posto de Embaixador do Brasil no Paraguai (2008-2012), na Suíça (2006-2008) e no Uruguai (2002-2006).
Destacando que, mesmo em período de recessão, o Brasil ainda tem pontos favoráveis que não devem ser esquecidos, o Embaixador concedeu entrevista exclusiva ao Brasil Observer e ressaltou a importância das relações bilaterais com o Reino Unido diante desse cenário de turbulência econômica, além de maior aproximação entre o Mercosul e a União Europeia, entre outros assuntos. Confira seguir:
Como está sendo esta nova etapa em sua vida diplomática?
Estou pela terceira vez no Reino Unido, mas isso não significa que essa nova experiência é uma repetição das anteriores. Hoje o momento e a função que exerço são diferentes e os desafios são novos. O papel do Embaixador do Brasil aqui tem uma relevância especial, pois o Reino Unido é um grande centro formador de opinião, os contatos se diversificam com a comunidade de negócios, acadêmica, governo, Parlamento, organizações não governamentais, agentes culturais. Além disso, é um país com o qual o Brasil tem relações históricas. E se trata de um importante parceiro na União Europeia.
O senhor chega aqui em um momento delicado do Brasil…
As dificuldades são inegáveis. O país tem atravessado uma transição econômica. Tivemos benefícios com o boom das commodities até recentemente. Isso nos permitiu viabilizar um programa social muito intenso no Brasil. Fortalecemos a rede de proteção social, retiramos milhões de pessoas da pobreza, ampliamos a classe média, o acesso à universidade. Essas conquistas foram possíveis graças a essa situação de bonança econômica. Hoje o mar está mais bravio, mas nem por isso perdemos a confiança de atingir os resultados esperados e recuperar o crescimento econômico de maneira sustentável. Esse é objetivo do Brasil, do governo e nós temos muita confiança que um parceiro importante como o Reino Unido vai prestar uma contribuição em termos de crescimento, ampliação do comércio, cooperação tecnológica e científica. Acho que as oportunidades de intensificação desse relacionamento são muito importantes e é o que a Embaixada tem procurado fazer.
O Brasil também vive um momento político tenso, agora em fevereiro a pauta do impeachment deve aparecer novamente…
A mim cabe dizer que os temas internos no Brasil são acompanhados com interesse pela opinião pública do Reino Unido, pelo governo daqui. E, obviamente, é um tema que requer nossa atenção. Não me corresponde fazer comentários sobre esse assunto, pois represento hoje o governo da presidenta Dilma Rousseff. O importante é que o Brasil hoje dá mostras do estabelecimento do seu Estado democrático de direito, das instituições, e isso deve nos motivar, dar confiança de que vamos vencer os desafios.
Quais são os caminhos possíveis para o Brasil sair dessa?
É um cenário de dificuldades e desafios que o Brasil terá que vencer daqui pra frente com os ajustes que se considerem necessários na sua política econômica. Isso tem sido feito pelo governo, e tem sido muito claro. O Brasil tem um enorme potencial, tem fatores muito sólidos que lhe dão condições de participar dos negócios mundiais de maneira muito ativa. Somos a sétima maior economia do mundo, temos uma população de mais de 200 milhões de habitantes, somos uma economia diversificada que exporta produtos primários e, ao mesmo tempo, exporta produtos industriais de alto conteúdo tecnológico. Isso tudo nos dá confiança. Claro que sofremos o impacto das crises internacionais, também sofremos o impacto de questões internas. Isso tem obrigado o governo a fazer ajustes para assegurar o equilíbrio das contas públicas, e assegurar melhores condições de fortalecermos as relações comerciais e de investimentos com os demais parceiros. O que nos dá tranquilidade para atingir os objetivos esperados.
Como estão as relações entre Brasil e Reino Unido?
As relações sofreram recentemente o impacto dessas crises que estamos comentando, dificuldades externas e internas, a ponto, por exemplo, de nosso comércio sofrer uma redução sensível no último ano, creio que em torno de 20%, talvez um pouco mais. Tanto no lado das importações, quanto das exportações. Mas o Reino Unido é tradicionalmente um parceiro comercial importante para o Brasil. No ano de 2014, o Reino Unido foi o quarto maior parceiro do Brasil na União Europeia. O comércio com outros países do bloco também sofreu redução e isso é de caráter geral, acontece com os demais parceiros. O esforço que temos que fazer é também de caráter geral. Fortalecer as relações com a União Europeia como um todo, procurar concluir as negociações sobre o acordo Mercosul-União Europeia, que é uma prioridade hoje para o governo brasileiro, incentivar a diversificação e o aprimoramento da nossa pauta exportadora para o Reino Unido, incorporar mais valor agregado as exportações, ampliar as atividades de inovação em nosso comércio, nas nossas relações econômicas.
Há anos o Mercosul e a União Europeia buscam viabilizar um acordo comercial relevante. Existem avanços nessas negociações? A mudança de presidente na Argentina é um fator favorável?
É um fator favorável e do lado do Mercosul essas negociações tem ganhado impulso. Tanto a Embaixada aqui, como várias outras Embaixadas na União Europeia, tem feito gestões sucessivas junto aos governos europeus para que apoiem a conclusão dessas negociações. Ou melhor, apoiem o início das negociações, pois elas sequer começaram. Isso tem sido prometido desde 1995 e realmente é frustrante constatar que até hoje não foi possível alcançar resultado. O Mercosul concluiu seu trabalho de negociação interna no bloco e preparou uma oferta substancial a ser submetida ao lado europeu, que envolve uma parte considerável do comércio bilateral. Chegamos a um nível de ambição de 87% do comércio. Os europeus já tem sinalizado um interesse de que essa oferta seja melhorada, o que é natural de uma negociação. Nós temos reiterado que a oferta do Mercosul deve ser considerada um ponto de partida. Isso é um sinal de que estamos dispostos a negociar, mas não podemos antecipar a conclusão dessa cota, inclusive sem conhecer o conteúdo e qual é a forma da oferta do lado europeu, que não tivemos acesso ainda. Toda negociação é um processo em que uma parte abdica determinados objetivos, mas consegue outros. E a outra parte o mesmo, assim chega-se a um ponto comum. Esse é nosso empenho.
O senhor pode comentar a indicação do embaixador de Israel no Brasil? Qual é o papel do Brasil no Oriente Médio?
Sobre o problema do Embaixador indicado por Israel para o Brasil, não é um assunto da minha jurisdição. Aqui trato das relações do Brasil com o Reino Unido. O Itamaraty, enquanto órgão do governo brasileiro, não tem se manifestado porque é um processo interno. Com relação ao papel do Brasil no Oriente médio, é uma área de atuação prioritária da diplomacia brasileira. O Brasil sempre se posicionou a favor da paz e da solução pacífica dos conflitos, inclusive no Oriente médio. E no caso específico do problema Palestina e Israel, o Brasil sempre defendeu a solução dos dois estados. Obviamente, a nossa capacidade de influencia no assunto é limitada. Não somos atores de primeira grandeza dentro do cenário regional, mas obviamente o Brasil acredita ter uma contribuição a dar, inclusive pelo fato de abrigarmos em nosso território as duas comunidades, e que convivem pacifica e harmoniosamente no país.
O senhor tem alguma novidade sobre o Ciência sem Fronteiras?
Estamos no ponto de iniciar a segunda fase do programa e fui informado que haverá algumas adaptações. Sobretudo há expectativa de que haja uma ênfase em pós-graduação. Na primeira fase a ênfase foi na graduação. A Embaixada tem um setor de cooperação acadêmica que se dedica ao acompanhamento e ao apoio aos estudantes e pesquisadores brasileiros. E, além disso, temos divulgado o trabalho desses estudantes com o intuito de aproximar pesquisadores e empresas.
Tivemos má sorte por ter uma crise em ano da olimpíada?
As crises sempre acontecem, não é a primeira vez que acontece uma crise nem no Brasil, nem no mundo. Acho muito importante o Brasil sediar os Jogos Olímpicos, vai ser a primeira vez que se realizam na América do sul, e isso é um fato histórico e o Brasil sente-se honrado com essa oportunidade. A Olimpíada realizada no Brasil significa uma oportunidade de promoção do país, de divulgação, do fortalecimento das nossas relações internacionais. O fato de estarmos enfrentando uma crise econômica não tira a confiança de que os Jogos serão bem sucedidos. O mundo hoje, em diferentes partes, atravessa crises, veja o que está acontecendo na Europa com o problema da imigração, as ameaças do terrorismo, os conflitos que ainda permanecem em diferentes partes do mundo. Portanto, hoje o Brasil e a América do Sul, que constituem uma região de paz, unidade, democracia, de convivência fraterna, de luta pelo desenvolvimento, pelo combate a pobreza, tem condições muito especiais de afirmação internacional e, sobretudo, afirmação das credenciais do Brasil como ator dedicado à paz e à cooperação internacional.
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Publicado orginalmente na edição 35 do Brasil Observer