Pode ficar pior do que está

brasilobserver - jun 23 2015
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Habilidoso. Eduardo Cunha, ao centro, negocia com os deputados a votação da reforma política (Foto: Gustavo Lima / Câmara dos Deputados)

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A Câmara dos Deputados coloca em votação projeto de reforma política. Conduzida por Eduardo Cunha, tendência é a institucionalização dos vícios do atual sistema, principalmente em relação ao financiamento de campanhas

 

Por Wagner de Alcântara Aragão

A Câmara dos Deputados começou a votar na última semana de maio uma das maiores reivindicações da jovem democracia brasileira: a reforma política. Pelo que foi aprovado até o momento, porém, há mais motivos de preocupação do que razões a serem comemoradas.

É grande o risco de o país institucionalizar, em vez de corrigir, vícios do sistema político-eleitoral vigente. No lugar de uma reforma fruto de discussão com a sociedade, a tendência é a aprovação de regras que atendam aos interesses mais reacionários da política nacional.

A discussão em torno das formas de financiamento dos partidos, dos candidatos e das campanhas eleitorais é o exemplo mais relevante. Por meio de habilidosas manobras, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu fazer valer uma de suas maiores vontades, em sintonia fina com os interesses dos grupos que representa: a aprovação do financiamento empresarial.

Para entender como se deu essa manobra e como a reforma em vias de ser aprovada está longe de ser satisfatória, é preciso observar como o tema está sendo apreciado pela Câmara dos Deputados.

 

CUNHA CONDUZ

O texto da reforma política é o da Proposta de Emenda Constitucional 182/2007, resultado da aglutinação de outras 154 propostas que tramitavam no Legislativo. É a PEC 182/2007, portanto, que começou a ser votada pelo plenário da Câmara, em 26 de maio. Em acordo da presidência da Câmara com as lideranças dos partidos e das bancadas, ficou decidido que a votação seria feita por temas.

O tópico financiamento eleitoral foi colocado em votação na sessão do mesmo dia 26 de maio. Os deputados deveriam aprovar ou rejeitar a legalização de doações de empresas e de pessoas físicas às campanhas eleitorais. A medida recebeu 264 votos favoráveis, 44 menos do que os três quintos necessários para se aprovar uma PEC.

A sessão foi encerrada e, conforme estabelecia o acordo de lideranças, estaria em pauta na sessão seguinte (27 de maio) a aprovação do financiamento exclusivamente público das campanhas ou do financiamento público combinado com doações de pessoas físicas. Entretanto, mobilizadas por Eduardo Cunha, lideranças aliadas ao presidente da Câmara consideraram que a votação anterior se referia apenas ao financiamento de candidaturas, e não de partidos políticos. Assim, conseguiram incluir na pauta a votação do financiamento empresarial especificamente a partidos políticos.

Em 24 horas, os defensores do financiamento empresarial conseguiram que 71 deputados mudassem de posição: 68 deles alteraram seu voto de “não” para “sim” e outros três, que tinham optado pela abstenção, resolveram migrar para o “sim”. Dessa forma, com 330 votos favoráveis (22 acima do mínimo necessário), ante 141 votos contrários e uma abstenção, a Câmara aprovou a inclusão, na Constituição, do financiamento de empresas a partidos políticos.

A manobra na votação do financiamento não foi única. A própria inclusão da PEC 182/2007 na sessão do plenário foi resultado de uma virada de mesa de última hora encabeçada por Eduardo Cunha.

Ocorre que antes de ir a plenário o relatório final da PEC deveria ter sido votado pela Comissão Especial da Reforma Política, instituída em fevereiro. A votação, inicialmente marcada para 19 de maio, foi transferida para 25, e depois cancelada pelo presidente da Câmara.

Eduardo Cunha alegou que o relatório “engessaria” a votação e que a decisão de levar o tema direto a plenário teria sido acordada com líderes de partidos, em consonância com o regimento da Casa.

 

CONTESTAÇÕES

Embora essas modificações sejam acordadas entre as lideranças, não são poucas as contestações. O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) considerou, por exemplo, que a não votação do relatório pela Comissão Especial da Reforma Politica significou um “assassinato” da mesma. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) classificou a extinção do grupo como “golpe”. A mesma palavra foi utilizada pelo deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) para definir o “acordo” entre Cunha e líderes partidários que permitiu recolocar o financiamento empresarial em pauta um dia depois de ter sido rejeitado pelo mesmo plenário.

Além disso, a reforma política caminha sem que a população seja consultada. A Câmara ignora, assim, o clamor expresso em boa parte das manifestações de junho de 2013. Iniciativas como o Plebiscito Popular, promovido em setembro último por movimentos sociais, são desconsideradas. Dessa consulta extraoficial participaram oito milhões de brasileiros: 97% deles disseram “sim” à proposta de que fosse eleita uma Assembleia Constituinte para a reforma política.

Uma Assembleia Constituinte teria mais isenção e maior credibilidade para definir novas regras do sistema político-eleitoral. Como acreditar que uma Câmara dos Deputados beneficiada pelo sistema vigente iria propor alterações que acabassem com os vícios que garantem a manutenção do poder da maioria dos atuais parlamentares?

Outra iniciativa, encabeçada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com apoio de diversas outras entidades e movimentos sociais, é a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. O grupo busca 1,5 milhão de assinaturas para que seu Projeto de Lei seja encaminhado ao Congresso – o texto propõe o fim do financiamento empresarial de campanhas políticas e o fortalecimento dos mecanismos da democracia direta, entre outras propostas.

 

O QUE VEM

Além do financiamento empresarial a partidos políticos, na primeira semana de votação da reforma política a Câmara dos Deputados aprovou o fim da reeleição para os cargos de prefeito, governador e presidente. A proibição não se aplica aos eleitos em 2014 e aos que estiverem aptos a se reeleger nas eleições municipais do ano que vem. A reeleição de senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores está mantida. Vale lembrar que o mecanismo da reeleição não constava na Constituição de 1988 e foi instituída só nove anos depois, por meio da Emenda Constitucional 16/1997, aprovada pela base de apoio do governo Fernando Henrique Cardoso.

Por outro lado, a Câmara rejeitou o fim das coligações para as eleições proporcionais, isto é, para a Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores. A manutenção das coligações para as eleições proporcionais garante a sobrevivência de partidos pequenos que, sozinhos, dificilmente alcançam número de votos suficientes para atingir o quociente eleitoral e eleger parlamentares.

Em contrapartida, as legendas nanicas saíram perdendo com a limitação do acesso ao fundo partidário e da utilização do horário eleitoral gratuito de rádio e televisão abertas. Só terão direito aos recursos do fundo partidário e a horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão os partidos que tiverem representação no Congresso.

Os pontos da PEC 182/2007 aprovados pela Câmara dos Deputados ainda precisam passar pelo Senado, onde também devem ser votadas em dois turnos. Caso haja alterações pelos senadores, retornam à Câmara dos Deputados, e assim sucessivamente até que as duas casas aprovem idêntico texto. Não há previsão de quando efetivamente a reforma política será totalmente aprovada.

 

Financiamento empresarial deixa políticos reféns do poder econômico

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar em abril de 2014 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra as doações de empresas a candidatos e partidos políticos. Dos 11 ministros do STF, seis já tinham votado a favor da ADI quando o ministro Gilmar Mendes pediu vistas. Passado mais de um ano, o processo continua nas mãos de Mendes, que ainda não se posicionou.

Independentemente do voto dele, os outros seis favoráveis asseguram que a inconstitucionalidade pedida pela OAB está confirmada pelo STF. Mas por que proibir empresas de doar recursos financeiros a campanhas eleitorais? A razão é simples: o financiamento privado torna o detentor de cargo público eletivo refém do poder econômico. Um parlamentar ou chefe de executivo, quando tiver de tomar uma decisão em que o interesse de uma empresa doadora esteja em conflito com o interesse da sociedade, dificilmente terá condições de contrariar aquela que bancou sua campanha.

“A infiltração do poder econômico nas eleições gera graves distorções”, ressalta a OAB na ADI. “Esta dinâmica do processo eleitoral [baseada no financiamento empresarial] torna a política extremamente dependente do poder econômico, o que se afigura nefasto para o funcionamento da democracia. Daí porque um dos temas centrais no desenho institucional das democracias contemporâneas é o financiamento das campanhas eleitorais. Dita infiltração cria perniciosas vinculações entre os doadores de campanha e os políticos, que acabam sendo fonte de favorecimentos e de corrupção após a eleição”, argumenta a entidade.

A OAB não é contrária, porém, a doações de pessoas físicas. Primeiro porque não soa razoável que campanhas eleitorais sejam bancadas por dinheiro do orçamento público, ainda mais em um país que ainda se ressente de melhor qualidade dos serviços como saúde, educação e segurança. Além disso, a doação de pessoa física (desde que limitada) estimula o envolvimento dos cidadãos no processo eleitoral.

A legislação hoje autoriza a doação de pessoas físicas e de empresas às legendas e às campanhas eleitorais, e prevê ainda subsídios públicos por meio do Fundo Partidário. Com a reforma política que está sendo votada pela Câmara dos Deputados, a doação de empresas estaria expressa na Constituição da República.

Assim, mesmo com o STF considerando inconstitucionais os dispositivos da legislação eleitoral hoje vigente, na prática essa decisão vai perder o efeito quando a emenda constitucional da reforma política for promulgada. Há a possibilidade, entretanto, de o financiamento empresarial aprovado pela Câmara dos Deputados ser derrubado pelo STF. Pelo menos 64 deputados assinaram uma ação questionando a votação duplicada da mesma regra. Para o ministro Marco Aurélio Mello, há irregularidade nessa manobra.

 

O preço da democracia

 

  • R$ 5 bilhões foram os gastos totais da campanha eleitoral de 2014, somando todos os cargos em disputa. Tratou-se da campanha mais cara da história da democracia brasileira.
  • 60% do valor acima, ou R$ 2,9 bilhões, foram gastos por candidatos de apenas três partidos – PT, PSDB e PMDB – principalmente em serviços de publicidade e produção de materiais impressos e com programas do horário eleitoral.
  • 10 empresas foram responsáveis por abastecer as candidaturas com R$ 1 bilhão, ou seja, um quinto do total de gastos feitos nas eleições. A campeã foi a JBS, dona do frigorífico Friboi, com um investimento de R$ 391 milhões. Na sequência, tiveram destaque o grupo Odebrecht, com R$ 111 milhões, e o Bradesco, que doou R$ 100 milhões aos partidos.
  • 360 deputados federais de um total de 513 foram eleitos em 2014 com dinheiro de pelo menos uma das dez maiores empresas doadoras: 70% da Câmara dos Deputados.
  • R$ 1,4 milhão gastou, em média, um deputado federal para se eleger em 2014.
  • R$ 4,9 milhões foi o gasto, em média, de um senador para se eleger em 2014.  

 

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

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Reforma política, sim, mas qual?

BRASIL OBSERVER – EDIÇÃO 28