O enlace chinês

brasilobserver - jun 17 2015
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Keqiang e Dilma assinaram 35 acordos (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

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Em consonância com o plano de elevar investimentos na América Latina, China sinaliza com aportes bilionários à economia brasileira  

 

Navegar é preciso, escreveu o poeta português Fernando Pessoa sobre a condição do homem na terra e a tradição histórica dos portugueses na exploração dos mares. Para um governo com problemas políticos e econômicos no âmbito doméstico, necessário é criar uma agenda internacional capaz de gerar boas notícias. Esta é a aposta da presidente do Brasil, Dilma Rousseff. À frente de uma administração impopular e cercada de desconfianças, ela terá participado, em três meses, de encontros com líderes de três das cinco maiores economias do mundo, além de outra reunião do BRICS. Também estão nos planos encontros menos vistosos, mas igualmente capazes de gerar dividendos para uma economia estagnada que recuou 0,2% nos primeiros três meses do ano, na comparação com o trimestre anterior (outubro, novembro e dezembro de 2014).

Em maio, Dilma recebeu visita oficial do primeiro-ministro da China, Li Keqiang, e do presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, e reuniu-se com a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. Na semana seguinte, visitou o México e o presidente Enrique Peña Nieto. No fim de junho, o destino será Washington, para encontro com Barack Obama. Em julho, irá à Rússia, para a cúpula anual do BRICS, ocasião em que se esperam novidades sobre o banco de desenvolvimento a ser criado pelo bloco. Em agosto, será anfitriã da chanceler alemã, Angela Merkel.

Mais promissoras, no momento, são as possibilidades abertas com os chineses. Li Keqiang foi ao Brasil com propostas de investimento e empréstimos que, só no país, podem chegar a 103 bilhões de dólares. Tal anúncio está dentro do plano da China de elevar os investimentos na América Latina para 250 bilhões de dólares na próxima década.

A participação chinesa é cobiçada por Dilma Rousseff como alternativa às desconfianças dos “mercados” em relação à capacidade administrativa de seu governo e também para viabilizar obras de infraestrutura e investimentos industriais – em um momento em que o Brasil coloca em prática diversos cortes no orçamento.

A China tornou-se a maior economia do planeta conforme dados divulgados em abril pelo FMI. Ao calcular o PIB de 2014 com base na paridade de poder de compra, o Fundo viu a China pela primeira vez à frente dos EUA: 17,6 trilhões de dólares a 17,4 trilhões. Por isso o Brasil, em sétimo com 3,2 trilhões, enxerga em um atrelamento à economia chinesa uma chance de sair do atoleiro – antes centrada na compra de commodities brasileiras e na pequena participação de empresas chinesas na exploração do megacampo de petróleo Libra, no pré-sal, agora os chineses pretendem investir de forma maciça em infraestrutura: ferrovias, portos, aeroportos, rodovias e hidrelétricas.

 

INVESTIMENTOS BEM VINDOS

Os negociadores de Pequim entregaram aos brasileiros uma lista de 58 obras de infraestrutura, mineração e indústria que os interessam. A lista incluía a empresa que poderia participar dos projetos e o orçamento das obras, um total de 53 bilhões de dólares. Ofereceram também outros 50 bilhões de dólares do ICBC, banco industrial e comercial chinês, dinheiro capaz de financiar as tais obras.

Diferentemente da China, porém, o Brasil tem uma Lei de Licitações. E não tem estrutura estatal com tal capacidade de planejamento. Para entender exatamente os projetos em questão e sua aderência às prioridades brasileiras, a solução foi criar um comitê conjunto de prospecção de oportunidades nos dois países, não somente no Brasil.

Já a oferta de 50 bilhões de dólares em crédito do ICBC virou um entendimento com a Caixa Econômica Federal. Nos próximos dois meses, as duas instituições financeiras discutirão como o dinheiro será empregado. O destino parece certo: infraestrutura, especialmente o programa de concessões lançado pelo governo federal na segunda semana de junho, habitação e agricultura.

Para Márcio Sette Fortes, professor de relações internacionais do Ibmec/RJ e ex-diretor da Câmara de Comércio Brasil-China, esse dinheiro é essencial para contribuir com o reaquecimento econômico. “O Custo Brasil tem a chance de diminuir com a presença do capital chinês. Contribui para reduzir custos logísticos e de infraestrutura precária,” afirmou à versão brasileira do site Deutsche Welle.

O cardápio de 35 acordos é variado – incluí, entre outros, a união entre fabricantes chineses de celulares e operadoras atuantes no Brasil para pesquisas e negócios; a renovação de uma parceria para a fabricação de um satélite sino-brasileiro de monitoramento ambiental; e o fim do embargo à carne brasileira imposto em 2012.

Uma das iniciativas que mais chamou a atenção, porém, foi a decisão de conduzir um estudo de viabilidade de uma ferrovia que saia do Brasil, cruze o Peru e chegue ao Pacífico – um projeto de 10 bilhões de dólares. Os estudos serão pagos pelos chineses e ficarão prontos em um ano. O Brasil será responsável pelas análises ambientais.

Duas das maiores empresas brasileiras também fecharam acordos importantes com os chineses. A Petrobras, desgastada pela Operação Lava Jato e com problemas contábeis, conseguiu um empréstimo de 7 bilhões de dólares – um alívio para quem recentemente tinha tido sua nota de crédito rebaixada pela Moody’s, uma das principais agências de risco. Já a Vale, além da promessa de compras futuras pelos chineses, obteve mais de 4 bilhões de dólares do ICBC.

Também desembarcou no Brasil, em companhia da comitiva oficial, uma delegação de cerca de 200 empresários, de áreas diversas como bancos, fabricantes de máquinas e equipamentos e empreiteiras.

 

NEM TUDO QUE RELUZ…

Especialistas apontam que a generosidade financeira da China tem duas explicações. A primeira é que, graças às exportações na última década, a China tornou-se a maior reserva de dólares do planeta – cerca de 4 trilhões, valor equivalente ao PIB do Mercosul. Outro motivo é a desaceleração da economia global desde 2008: não há tantas oportunidades de investimento nos países desenvolvidos.

Assim, para suprir as persistentes deficiências em infraestrutura, o governo brasileiro e outros latino-americanos identificaram na China uma alternativa aos Estados Unidos e às condições impostas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Antes do Brasil, Argentina e Venezuela também correram atrás do capital chinês – a primeira levou 20 bilhões de dólares e a segunda, 18 bilhões.

Para Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia, “Pequim dimensiona pragmaticamente seus interesses na região, que é fonte de matérias-primas e destino seguro para suas exportações de bens manufaturados”. “As contrapartidas exigidas vem na forma de abertura para acesso prioritário chinês a energia, mineração, transporte, agropecuária e outros setores-chave”, disse à DW Brasil.

O perigo, portanto, é óbvio. O aprofundamento de uma relação desigual: os chineses compram nossas matérias-primas e exportam seus artigos manufaturados. A China, interessada em reduzir os custos de suas importações, pode acabar reforçando a especialização da América Latina em commodities, o que talvez não seja um bom caminho para a região chegar ao crescimento sustentado. Além disso, existe o fator da degradação ambiental causada por grandes projetos como o da ferrovia que pretende ligar o Brasil ao oceano Pacífico.

O sucesso dessa nova relação vai depender da visão estratégica dos países latino-americanos, para que não se verifique uma adesão passiva à China. No caso brasileiro, também está em jogo seu papel como centro irradiador de poder na região. Sem a defesa firme de seus interesses – como, por exemplo, o processamento de matérias-primas em território nacional – o Brasil corre o risco de simplesmente trocar a origem da dependência. Nesse caso, depois de portugueses, ingleses e norte-americanos, agora seria a vez dos chineses.

 

Na balança

 

  • 77,9 bilhões de dólares foi o valor do comércio bilateral entre Brasil e China em 2014. O número reflete uma queda de 6% em relação ao ano anterior, mas representa o segundo maior resultado de toda a série histórica, iniciada em 2004.
  • 3,2 bilhões de dólares foi o saldo positivo do Brasil. As exportações somaram 40,6 bilhões de dólares, representando um declínio de 12% em comparação com o ano de 2013. Já as importações advindas do país asiático totalizaram 37,3 bilhões de dólares, refletindo um pequeno aumento de 0,1%.
  • 79,8% de todo valor exportado para a China pelo Brasil corresponderam a três produtos: soja, minério de ferro e petróleo bruto. A redução no valor das exportações brasileiras para a China, em 2014, teve como causa principal a tendência de queda dos preços das commodities exportadas pelo país.
  • 48,4% de todo o valor importado pelo Brasil da China corresponderam aos setores de máquinas e aparelhos elétricos e mecânicos. As compras de máquinas e aparelhos elétricos encerraram o ano com um módico acréscimo de 0,3%, ao mesmo tempo em que se verificou uma queda de 12,1%, em dólares, no setor de máquinas e aparelhos mecânicos.

 

Fonte: Conselho Empresarial Brasil-China

 

Brasil e México: juntos, afinal?

Brasil e México são as duas maiores potências latino-americanas. Ambos contabilizam metade da população, do PIB e das exportações da região. Mesmo assim, não são grandes parceiros. Ainda que o comércio bilateral entre ambos tenha dobrado nos últimos dez anos, para 9,2 bilhões de dólares, nenhum dos dois está entre os sete principais parceiros comerciais do outro. Mas isso pode mudar.

Os governos brasileiro e mexicano vão iniciar em julho as negociações para ampliar o acordo de complementação econômica que trata das relações comerciais entre os dois países. O anúncio foi feito pela presidente Dilma Rousseff no dia 26 de maio, na Cidade do México, onde cumpriu agenda de visita de Estado. De acordo com a presidente, apesar do aumento das trocas comerciais entre empresas de ambos os lados, os números estão “aquém do potencial do tamanho da economia e do tamanho dos nossos povos”.

“O acordo abrange hoje um pouco mais de 800 produtos. O que é aparentemente muito, mas, para nós, é pouco, tendo em vista os mais de 6 mil produtos que podemos levar a um acordo e beneficiar reciprocamente nossas economias. No menor prazo possível, nós vamos promover o incremento e o equilíbrio do comércio bilateral, com a inclusão de setores nessa lista, que hoje estão fora dela”.

Em declaração à imprensa, após reunião privada com o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, Dilma Rousseff celebrou o acordo de facilitação de investimentos, também firmado entre os dois países. Ela ressaltou a importância do México e do Brasil buscarem maior aproximação, já que são as maiores economias da América Latina, os países com as maiores populações e de grande extensão territorial.

Para Peña Nieto, a visita de Dilma é um divisor de águas com a assinatura desses dois principais acordos. As assinaturas de documentos entre os países envolvem também cooperações em turismo, meio ambiente, pesca, agricultura e serviços aéreos.

Entre os motivos da relação fria entre Brasil e México está o fato de que o último aderiu ao Tratado Norte-Americano de Livre Comércio com Estados Unidos e Canadá, que tomou efeito em 1994 e levou o país a ficar mais focado no norte. Por outro lado, o Brasil estava mais interessado em construir tratados econômicos dentro do Mercosul.

BRASIL OBSERVER – EDIÇÃO 28