Referência para diferentes gerações, amigos falam sobre momentos importantes da carreira e da Londres que conheceram nos anos de exílio, além da polêmica em torno do show da dupla em Israel
Por Gabriela Lobianco
Na onda de artistas brasileiros que têm aterrissado em solo britânico nos últimos meses, a cidade de Londres recebe no dia 1º de julho a turnê “Dois amigos, um século de música”. Trata-se dos consagrados Caetano Veloso e Gilberto Gil em um concerto intimista de voz e violão que vai relembrar grandes sucessos da carreira de ambos.
Os baianos que se conheceram em 1963 na Rua do Chile, em Salvador, aceitaram convite para uma série de shows pela Europa para celebrar 50 anos de carreira e amizade. Os dois cantores deram uma entrevista exclusiva ao Brasil Observer sobre o tour no velho continente e essa nova revisitação de uma parceria artística que perdura em forma de camaradagem mesmo em projetos paralelos.
Esse presente ao público, antes de tudo, não é um evento inédito. Gil relembra que em 1994 os músicos fizeram uma colaboração desse tipo. “Já tinham muitos convites para nos apresentarmos juntos novamente e vimos que tínhamos essa data para celebrar.” A data, entretanto, não é tão redonda assim. Veloso conta que, apesar da sua primeira canção de sucesso, “De manhã”, ter sido gravada em 1965, pela cantora e irmã Maria Bethânia, sua história como músico vem de muitos anos antes. Segundo ele, seria preciso voltar não só aos shows do Teatro Vila Velha, em Salvador, como às apresentações no auditório do ginásio, em Santo Amaro, sua cidade natal: “Ia remontar à minha puberdade e se perder na bruma do tempo”.
A carreira de ambos deslanchou mesmo nos primórdios da Tropicália, depois de participação nos festivais de música popular da Rede Record, na segunda metade da década de 1960. Esse movimento, do qual ambos foram precursores ao lado de Gal Costa, Torquato Neto, Os Mutantes e Tom Zé, entre outros, surgiu sob a influência das correntes artísticas de vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira, trazendo várias inovações para o cenário da música popular brasileira da época que perduram até hoje.
Para essa nova turnê internacional, os artistas estão compilando um apanhado de canções que simbolizam toda a jornada percorrida desde essa fase até a atualidade. Veloso acredita que “algumas sejam pouco conhecidas, como as primeiras (e definidoras do movimento) do tropicalismo”. “Temos ensaiado um repertório de músicas de relevância para as nossas carreiras e estamos com a ideia de uma canção nova feita especialmente para essa turnê”, complementa Gil.
SHOW EM ISRAEL
Na agenda dessa turnê internacional está uma apresentação dos músicos em Tel Aviv, marcada para dia 28 de julho, o que gerou protestos nas redes sociais. Uma página no Facebook nomeada “A Tropicália não combina com Apartheid” foi criada e uma petição online reunia até o fechamento desta edição mais de 10 mil assinaturas contra o show dos brasileiros em território israelense.
Até o músico inglês Roger Waters, ex-baixista e cantor do grupo Pink Floyd, pediu a Veloso e Gil o cancelamento da apresentação em Tel Aviv. “Caros Gilberto e Caetano”, diz Waters em uma carta enviada aos músicos, “os aprisionados e os mortos estendem as mãos. Por favor, unam-se a nós cancelando seu show em Israel”. Nos últimos anos, Waters se manifestou diversas vezes a favor dos palestinos.
O concerto em Tel Aviv, mesmo assim, está mantido. “Toda vez que vou lá aparece alguém protestando”, lembra Gil. “Não considero um fato político. É uma questão de mercado. Fazer ou não fazer não significa estar ou não estar de acordo com a política daquele país. Fazemos shows nos Estados Unidos e ninguém diz nada!”, completa.
Já Veloso disse que “se trata de uma questão complexa”. “Concordo com a maioria das críticas feitas à política oficial israelense. Mas sempre gostei de Israel e faz muitos anos que não vou lá. A pressão para que desmarcássemos repercutiu em nós. Mas prefiro tomar atitudes muito definidas. Sinto-me quase como se fosse um israelense que discorda dos políticos reacionários que têm dominado a cena no país. Não posso pensar no que há de opressivo sobre o povo palestino sem revolta. Não posso tampouco admitir sugestões de apagar Israel do mapa. Mas nem Gil nem eu somos massa de manobra para grupos políticos”. Veloso encerra o assunto dizendo “preciso responder a ele [Waters], inclusive agradecendo a atenção”.
DO PRIMEIRO LP A LONDRES
Em 1967 saiu o primeiro LP de Caetano Veloso, enquanto Gilberto Gil já era famoso. Caê, para os íntimos, relembra que era fã de Gil antes de conhecê-lo pessoalmente. “Conheci Gil pela TV. Ele já se apresentava na televisão baiana, de modo semiprofissional. Minha mãe chamava: ‘Caetano, venha ver aquele preto que você gosta’”.
Mas foi 1968, talvez, o ano mais significativo na carreira da dupla – Veloso, então, compõe o hino “É Proibido Proibir”. Além disso, os dois são presos em meio à efervescência tropicalista, devido ao Ato Institucional nº 5 da ditadura civil-militar que comandava o país e que cerceava cada vez mais as liberdades. Em 1970, os dois deixaram o Brasil rumo ao exílio. Antes de virem para Londres, realizaram um show no Teatro Castro Alves, em Salvador, para levantar fundos para a viagem. “Foi uma lembrança forte [a despedida]”, confidencia Gil. Ao ser perguntado sobre um momento da carreira considere mais enriquecedor, Veloso também rememora esse espetáculo: “Gil cantando ‘Aquele Abraço’ no show que fizemos às vésperas de viajarmos para o exílio… Muitas emoções”.
A dupla completamente desconhecida galgou uma bela carreira internacional desde os tempos de expatriados. Nessa temporada, eles foram manchete do jornal britânico The Guardian como “dois brasileiros anônimos” que estrearam atração principal do segundo dia do evento do Festival da Ilha de Wight, em agosto de 1970.
“Terminei me afeiçoando muito a Londres. Coisa que me parecia difícil no primeiro ano de exílio”, diz Veloso, revelando que aprendeu muito durante essa época. Tanto Gil como Caetano produziram importantes discos nessa fase. Caetano se concentrou no trabalho homônimo com temática melancólica e canções compostas em inglês endereçadas aos que ficaram no Brasil. Depois, lançou Transa, em 1972, uma ode ao retorno ao seu país de origem. Mesmo assim, confessa que não moraria de novo em Londres se viesse para o exterior. “Suponho que Nova York e Madri seriam opções possíveis. Gosto (e sempre gostaria) de ir a Londres de vez em quando e sentar num daqueles bancos sábios do Hyde Park e olhar a grama, pensar na tradição liberal e ver as pessoas passando”, divaga Veloso.
Gil não ficou atrás. Copacabana Mon Amour e Gilberto Gil (Nêga) foram algumas de suas produções no período. A cidade foi celeiro do seu terceiro filho, Pedro, em 1970. “Gosto muito de Londres e desde os anos de exílio, quando aprendi muito do ponto de vista civilizatório e musical. Tenho boa sensação cada vez que vou lá”, conclui.
Ao retornarem à terra tupiniquim, não pararam mais de produzir. Em 1972 fizeram uma parceria incrível em Barra 69: Caetano e Gil Ao Vivo na Bahia. E, como não podia deixar de ser, os dois sabem muito bem que estão entre as maiores referências da Música Popular Brasileira. “Vejo, por todo o Brasil, teatros e ginásios cheios de gente jovem para ver meus shows”, conta Caetano. Gil também segue o mesmo raciocínio: “é interessante ver em meus shows, no Brasil e no mundo, às vezes até três gerações curtindo junto. Isso é motivo de contentamento”. Em Londres certamente não será diferente.
Diogo Nogueira e Hamilton de Holanda abrem apresentação
Antes da apresentação de Caetano Veloso e Gilberto Gil, sobem ao palco Diogo Nogueira e Hamilton de Holanda, dois dos mais proeminentes músicos da nova geração da música popular brasileira, para o concerto do disco Bossa Negra, lançado no ano passado.
Filho de João Nogueira, um dos grandes sambistas da história, Diogo carrega no sangue e na voz, além de sua beleza e carisma, a competência de um dos cantores mais bem vendidos no Brasil hoje. Ele conduz também um programa na TV Brasil, o Samba na Gamboa, que faz um resgate da cultura popular brasileira com participação de músicos da velha guarda e novas vozes da música contemporânea.
Já Hamilton de Holanda é um multi-instrumentista e compositor indicado diversas vezes para o Latin Grammy – e que se apresentou recentemente no Barbican ao lado do pianista italiano Stefano Bollani. Versado nas raízes do choro e influenciado por mestres como Villa-Lobos, Pixinguinha e Tom Jobim, Hamilton encanta com a tamanha facilidade com que conduz seu bandolim de dez cordas, que ele próprio inventou (o instrumento normalmente tem oito cordas).
Inspirado pelo clássico Afrossambas, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, Bossa Negra traz uma mistura de canções compostas por Diogo e Hamilton e versões de Ary Barroso (“Risque”), Pixinguinha e Vinicius de Moraes (“Mundo Melhor”) e Caetano Veloso (“Desde que o Samba é Samba”), numa fusão que revela a música brasileira de raiz.
Caetano Veloso & Gilberto Gil
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Hamilton de Holanda & Diogo Nogueira
Onde: Eventim Apollo Hammersmith
Quando: 1º de julho
Ingresso: A partir de £10
Info: www.serious.org.uk
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