Quando era pivete lá em Santos, tinha impressão de que as pessoas sabiam identificar melhor os responsáveis pelos problemas dos serviços públicos em geral.
Se o transporte coletivo era precário, o primeiro a ser cobrado era o prefeito. No máximo a administração estadual, no caso de linhas metropolitanas.
Se o pronto-socorro estava lotado ou havia dificuldade para conseguir agenda na policlínica, também era a Prefeitura a ser questionada.
Se a escola estava em condições precárias, antes se verificava se era da rede municipal ou estadual e, aí sim, ia-se atrás dos respectivos gestores.
Uma empresa que atendia mal, causava algum dano ao consumidor, era ela, a empresa, a ser a criticada.
De uns tempos para cá, não.
Tudo é “culpa do governo”.
Tudo é “só no Brasil”.
Federalizam-se, nacionalizam-se problemas locais.
Ou, mesmo que sejam problemas que extrapolem limites municipais ou divisas estaduais, não se consegue mais enxergar se são estruturais, históricos e culturais – nem quais as esferas, as instâncias de poder diretamente responsáveis.
Impunidade, benesses de alto escalões do serviço público, falcatruas, pequenas malandragens – tudo acaba caindo na “conta” do governo.
Mais especificamente, na conta do Governo Dilma – na conta de Dilma, enfim.
A velha midiona, sempre ela, tem elevada dose de culpa nessa confusão.
No afã de desgastar o governo que não lhe agrada, trata toda notícia negativa como consequência da inoperância, incompetência, corrupção “do governo” – assim mesmo, de forma genérica.
Choveu pra caramba domingo no Rio de Janeiro e o Maracanã alagou. O clássico entre Flamengo e Vasco teve de ser interrompido.
No noticiário, referências aos gastos bilionários “do país” para a reforma e construção dos estádios para a Copa do Mundo.
Não se deixou claro que o Maracanã foi privatizado pelo governo estadual fluminense e que a propalada eficiência da iniciativa privada acabara de ir por água abaixo com aquela chuva.
O Pacaembu, administrado pela Prefeitura de São Paulo, sofre temporais tão e mais fortes e não vê seu gramado prejudicado com tanta facilidade.
O próprio Maracanã mesmo, antes de ser cedido a um consórcio privado, agüentou pancadas mais duras.
A alta do dólar perante ao real, outro exemplo recente.
Como mostra este texto do Diário do Centro do Mundo, precisou a BBC de Londres fazer uma reportagem para a gente entender que a desvalorização em curso não é só da moeda brasileira. O dólar tem subido em relação às 20 principais moedas do mundo.
Aqui, a midiona “isenta” e “plural”, com seus analistas “isentos” e “plurais”, fazia crer que a “crise” “política” e “econômica” do Brasil era a motivadora do aumento da moeda estadunidense. Que era, portanto, “culpa” da Dilma.
Essa mania de debitar na conta do governo Dilma as mazelas do país se acentuou das manifestações de junho de 2013 para cá.
As insatisfações pontuais e locais foram colocadas no mesmo caldeirão dos problemas nacionais e apresentadas num único pacote, a ser deixado no colo “do governo”. Ou seja, no colo da Dilma.
Não que o governo federal, isto é, não que o governo Dilma não tenha suas deficiências – e portanto, sua parcela de culpa. Por essa parcela precisa de ser cobrado, e muito.
É verdade também, no entanto, que o governo federal, da Dilma, tem assumido problemas como há muito tempo não se via a União assumir.
Há décadas o governo central não auxiliava municípios e estados com recursos para obras de mobilidade, saneamento, financiando investimentos em educação e saúde, etc etc.
Se o Rio de Janeiro conta hoje com BRT e Santos vê o seu VLT sair do papel, é resultado de investimentos do governo federal.
Bom, mas isso é assunto para outra conversa.
O recado neste momento é este: a generalização da culpa não contribui em nada para a cidadania.
Ao contrário, é tudo o que querem os culpados: ficar na moita enquanto o foco é desviado.
Por Wagner de Alcântara Aragão, jornalista e professor | Twitter: @waasantista
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