Deputados estaduais da base de sustentação do governador Beto Richa (PSDB) e o próprio governador e sua equipe foram responsáveis por uma das cenas mais asquerosas que já presenciei.
Ocorreu nesta quinta-feira, dia 12, por volta de 14h30.
Um episódio triste, e ao mesmo tempo bizarro. Difícil encontrar algo parecido na história da política nacional.
A Assembleia Legislativa estava cercada pelos mais de 10 mil manifestantes que, desde segunda-feira, dia 9, ocupam a Praça Nossa Senhora da Salete, no Centro Cívico, em Curitiba.
Pra quem não conhece a cidade, é um tipo de “Praça dos Três Poderes”. Ali estão o Palácio Iguaçu (Executivo), o Tribunal de Justiça e a sede do Legislativo, já mencionada.
Os manifestantes – em sua maioria professores e funcionários das escolas, reforçados por estudantes e trabalhadores de outras categorias – protestavam contra o chamado “pacote de maldades”, projeto de lei de autoria do governador que corta direitos do funcionalismo, principalmente os da educação.
O pacote começou a ser votado na terça-feira. A sessão foi suspensa depois que os manifestantes, vendo o rolor compressor do governo forçar a aprovação, ocuparam o plenário. Acamparam ali.
Na quarta, os deputados governistas, entrando pelos fundos, conseguiram realizar uma sessão no refeitório da Assembleia. Marcaram para a tarde desta quinta-feira aquela que seria a sessão de votação definitiva do pacote.
O cerco feito pelos milhares de manifestantes tinha, portanto, o propósito de não deixar que os parlamentares entrassem, subissem ao refeitório e, às pressas, aprovassem o pacote, rejeitado pela população.
Indiferentes à reação popular, talvez porque tenham compromissos com o poder econômico a cumprir, governador e deputados de sustentação (mais de 30 de um total de 54) preparam a operação que culminaria com a triste e bizarra cena.
Policiais militantes, boa parte do batalhão de choque, que acompanhavam tudo à distância, aproximaram-se, em pelotão, das grades de uma das laterais do prédio da Assembleia.
Um movimento muito bem calculado.
De repente, montaram um cordão de isolamento, e tão logo esse cordão se constituiu (em segundos), camburões do batalhão de choque chegaram, em carreata, composta também por alguns carros oficiais.
Esse comboio entrou no cordão. De um micro-ônibus camburão desceram os deputados aliados ao governador tucano.
Alinhados, em trajes, cruzaram as grades, que tinham sido serradas, contorcendo-se para escaparem dos pedaços de ferro, encolhendo-se para se desviarem dos galhos de árvores do jardim.
Os manifestantes tentavam se aproximar do cordão de isolamento, mas eram afastados por gás de pimenta lançado pelo batalhão de choque. Tossindo, uns ao chão, de olhos ardendo, não deixavam de gritar “vergonha”, “fora Beto Richa”, “vagabundos”, entre outros brados.
Deputados da direita, o governador e equipe que articularam a entrada sorrateira subestimaram a capacidade de indignação e organização dos manifestantes.
Foi impossível conter o ímpeto da multidão, revoltada com a trairagem elevada à enésima potência.
Conseguiram derrubar grades, furar bloqueios, e entrar de vez na Assembleia Legislativa.
Houve uma resistência inicial do policiamento. Todavia, a tsunami humana era tão grande, que os pelotões não ousaram uma reação mais incisiva. Até porque a maioria dos policiais estava solidária ao movimento – afinal, a própria categoria vem sofrendo com a atual gestão estadual.
Os milhares de manifestantes se espalharam pela Assembleia Legislativa. Afirmavam: só sairiam dali se o pacote de medidas fosse retirado pelo governador.
Era a iminência de uma revolução popular, uma espécie de queda da Bastilha, como comparara o jornalista Celso Nascimento.
A sessão no refeitório, que recém havia começado, foi suspensa. Comunicou-se adiamento para o dia 23, depois do Carnaval. Os deputados da direita acharam que isso bastava.
Não. Àquela altura do campeonato, ou se retirava de vez o pacote, ou era, de fato, a queda da Bastilha.
Isolados, acuados no refeitório, escutando a multidão se aproximar, os deputados anunciaram: o governador retiraria o pacote da Casa.
A palavra não era suficiente. Só por escrito.
Deputados da oposição intermediaram o processo e, enfim, veio, no papel, o comunicado de que os projetos de lei do pacotão tinham sido recolhidos pelo Executivo.
Numa vibração como a de uma final de Copa do Mundo, os manifestantes aos poucos foram cumprindo sua parte, deixando a Assembleia Legislativa.
Importante: exceto um e outro dano inevitável em situação assim (como portas e portões arrebentados, grades ao chão), não houve maiores danos materiais. E, exceto por uma e outra lesão decorrente do embate, não houve ferimentos e feridos graves.
O governador Beto Richa, depois de dias sumido, em nota, chamou de “baderneiros” os manifestantes que ocuparam o Legislativo.
Por Wagner de Alcântara Aragão, jornalista e professor | Twitter: @waasantista
|Foto: Fotos Públicas (Orlando Kissner)
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