‘Nos outros podemos nos conhecer melhor’

Brasil Observer - dez 06 2016
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(Read in English)

 

Com livro recém-lançado em Londres, jornalista brasileiro Ernani Lemos bate um papo com o Brasil Observer

 

Por Nathália Braga Bannister

Ernani Lemos é jornalista, tem 35 anos e coordena a sede da TV Globo em Londres. Mora na Europa desde 2008. Mas falar dele e de sua história não é o ponto principal desta entrevista. Ernani quer falar dos outros, literalmente. A arte de observar e escrever sobre o comportamento das pessoas o levou a publicar o livro “Sobre os outros” (Chiado Editora).

Uma coletânea de crônicas sobre pessoas formam a publicação, que conta com a participação especial de sete convidados. “Talvez, descobrindo um pouco sobre você, eu consiga saber sobre mim também”, diz o autor.

Em um bate-papo informal, Ernani conta sobre sua vinda para Londres, seu trabalho como escritor, o lançamento de seu segundo livro e os desafios e as delícias de quem vive observando o mundo em sua volta.

 

Você mora na Europa há mais de nove anos. Como chegou aqui?

Sai de São Paulo em 2008 com a minha namorada, hoje mulher, Juliana. Decidimos cair no mundo para ter uma experiência de viver fora. Fomos para Dublin, na Irlanda, e lá trabalhamos em bares, restaurantes, entregando jornal, enfim, foi uma época muito boa. Sempre mantivemos nosso trabalho jornalístico, enviando matérias para o Brasil. Em 2011, viemos para Londres cobrir o casamento real. Foi quando o “bichinho da cidade grande” picou de novo e decidimos mudar para cá.

 

Como surgiu a ideia de escrever um livro? Foi algo que você sempre teve vontade ou surgiu com a vinda para cá?

Sempre quis escrever um livro, imagino que seja um sonho de quase todo jornalista. Logo que cheguei à Irlanda passei por aquela fase maravilhosa de estranhamento, tudo para você é novo, maluco e engraçado. Criei um blog para contar isso, em forma de crônicas. Achava que pelo menos minha mãe e minha sogra iam ler. Parei com o blog eventualmente e, quando queria escrever algo, postava nas redes sociais. Ano passado, lancei meu primeiro livro, um romance [“Onze Semanas”], que foi muito bem recebido. E foi engraçado porque muita gente me falou que esperava que o livro fosse uma coletânea das crônicas que eu escrevia, as pessoas me cobravam isso e assim surgiu esse livro.

 

Muitos relatos são de momentos do cotidiano. Como foi o processo de escrita dos textos?

É quase instantâneo. A maioria das histórias acontece quando eu estou sozinho, ando de manhã bem cedo na rua, quando você tem tempo de olhar ao seu redor. Começo ver essas situações engraçadas e elas se transformam em texto na minha cabeça. Paro na rua, anoto no celular, volto para casa e faço questão de não falar com a minha mulher até escrever o texto inteiro, para não distrair o pensamento.

 

Algumas crônicas tem um personagem que você conhece, um amigo, por exemplo, e que só é revelado no fim do texto. Como essas pessoas citadas no livro reagiram a isso?

O carinho é muito grande, mas tem também o ciúme de quem não está no livro. Poucas pessoas se dão ao ato de se declarar tão abertamente para as outras, sobre a diferença que elas fizeram na sua vida. Acho que quem mora fora sente isso de uma forma mais despida, essa liberdade de demonstrar sentimento que muitas vezes quem está no Brasil não demonstra. Me chama muito a atenção as pessoas que eu sempre vi, mas não vejo mais. Então porque eu tenho saudade elas me são estranhas, digamos assim, acabo escrevendo sobre elas.

 

Em determinada parte do livro, você tem a participação de blogueiros com alguns textos. Como você lida, como jornalista, com esse universo dos blogs?

Seria ingênuo achar que só a velha mídia estabelecida funciona. A internet tem uma relevância muito grande, é uma maravilha que todo mundo possa se expressar. No meu caso, aconteceu naturalmente essa ligação com blogueiros, mas tem um escritor amigo meu que me elogiou por divulgar meu livro entre essas pessoas. Afinal, dificilmente hoje em dia um jovem vai abrir o caderno de cultura de um jornal atrás de um livro. É nas redes sociais que você acaba achando esse tipo de informação.

 

Como esses convidados foram selecionados?

Conheço muita gente boa, com histórias interessantes. Tentei ter um perfil variado de pessoas que moram em lugares diferentes. Também, claro, foram pessoas que eu admirava a escrita. Quis mostrar essas sensações de estranhamento para o sujeito que pega o livro lá no Brasil, que nunca foi imigrante. Queria que as pessoas vissem alguns outros exemplos de histórias, para não achar que sou o único maluco que sai do Brasil, sofre de saudade e acha os outros esquisitos.

 

Seu primeiro livro, Onze Semanas, é um romance. Conte um pouco sobre ele para quem quiser ler mais além das suas crônicas…

É uma história de mãe e filha, que não se falam há 16 anos. A filha é uma bióloga de 27 anos e a mãe também é muito jovem, mas está com câncer, em estado terminal. E houve um evento, que, aliás, é o grande mistério do livro, que fez as duas se separarem.  A história se passa com mãe e filha trocando informações sobre esse evento. É um livro rápido de ler, foco mais na personalidade das pessoas do que na descrição dos cenários, algo que também tenho em mente para o meu próximo livro.

 

Pode contar sobre o que é e quando pretende lançar?

Posso falar um pouco só. É para o ano que vem e é um romance. Uma história em que, de novo, falo de relações humanas, de família. É também uma história sobre amizade, inclusive de pessoas de idades diferentes e tem também algumas dúvidas filosóficas.