A crise e os meios de comunicação

Brasil Observer - abr 22 2016
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A situação objetiva da economia e das dificuldades de manutenção do projeto petista possibilitou um avanço dos setores conservadores, com a mídia à frente

 

Por Dennis de Oliveira

O momento que o Brasil vive atualmente é produto de um esgotamento do modelo de conciliação de classes que foi tocado pelos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores desde 2003. Este modelo tem como pressuposto possibilitar uma inclusão social com base no desenvolvimento econômico do país, garantido com um protagonismo maior do Estado e, a partir desta inclusão, constituir um mercado consumidor de massas interno que alavancaria um crescimento econômico soberano e autônomo em relação à economia global.

Na gestão Lula (2003/2010), este modelo contou com dois fatores favoráveis: o esgotamento do modelo neoliberal imposto pelo presidente Fernando Henrique Cardoso nos anos 1994-2002, que perdeu a sua sustentabilidade com a escassez de capitais internacionais; e um cenário favorável para a abertura de novos mercados internacionais, em particular para as commodities brasileiras.

Assim, aproveitando esta situação favorável, o governo Lula, na sua primeira fase, optou por controlar os humores do capital rentista aplicando uma política econômica contracionista (juros altos, superávits fiscais, entre outros) e, ao mesmo tempo, descortinando novas fronteiras para a expansão de mercados internacionais. O ex-presidente viajou para países do Oriente Médio, África, América Latina, teve um papel proativo na geopolítica internacional e, com isso, foi abrindo novos campos para investimentos de empresas brasileiras e também de transnacionais instaladas no país. Com isto, conseguiu acumular divisas necessárias para sustentar programas de inclusão social, dentre os quais o que ficou mais famoso foi o Bolsa Família, embora se destaquem também os aumentos reais do salário mínimo, a ampliação das universidades públicas, entre outros.

Esta situação contribuiu para a formação de um novo perfil de classe trabalhadora no país. Integrada ao consumo, estes novos trabalhadores dão base ao que o cientista político brasileiro André Singer chama de “lulismo”, distintos dos setores sociais clássicos que formam a base de sustentação do PT (operários de setores mais dinâmicos da economia e com tradição sindical). A integração destes trabalhadores à sociedade pela via do acesso ao consumo ao mesmo tempo em que alargou a base de sustentação do PT também gerou fragilidades e instabilidades na mesma, uma vez que o compromisso dela está diretamente vinculado à manutenção e/ou ampliação do poder de consumo.

Diante disto, o governo Dilma que inicia em 2011 tem como tarefa central ampliar e dar sustentabilidade ao desenvolvimento da economia do país. A nova presidenta tem uma postura abertamente voluntarista e, junto com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, patrocina uma série de conflitos com setores poderosos do capitalismo brasileiro. O novo governo do PT patrocina a ampliação do crédito e a redução da taxa de juros, a abertura de mercados internacionais para empreiteiras brasileiras, o incentivo por meio de linhas de financiamento públicas e redução de impostos a determinados setores da indústria (em especial a da construção civil e automobilística). Com isto, conflita com o capital rentista e especulativo, com setores da indústria que não foram contemplados com estes apoios, com poderosas empresas prestadoras de serviços privatizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso (em especial a da energia elétrica). E opta em financiar a fusão de grandes empresas nacionais com o objetivo de estas disputarem o mercado internacional.

 

MÍDIA E PODER

A grande parte da indústria da comunicação apoiou, entusiasticamente, o projeto neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Tanto por motivações ideológicas como comerciais, pois várias destas empresas de comunicação participaram direta ou indiretamente das privatizações. Casos da Rede Globo, que participou de consórcios empresariais que disputou a compra de telefonias estatais no Rio de Janeiro, e da empresa S/A O Estado de S. Paulo, que edita o tradicional “Estadão”, que foi sócia da empresa BCP, adquirida mais tarde pela operadora Claro. A Editora Abril, em crise financeira, optou nos últimos anos em ser uma empresa produtora de material educativo, adquirindo editoras que monopolizavam a produção de livros didáticos. As mudanças no sistema educacional e, em particular, na política de compra de livros didáticos por parte do governo atingiram a empresa. O governo federal resolveu descentralizar a compra, possibilitou a participação de pequenas editoras e proibiu que as editoras fizessem marketing direto nas salas de professores das escolas. Daí os colunistas da revista Veja, da Editora Abril, passaram a fazer uma campanha contra a “partidarização da educação”, a “ideologização da escola”, entre outros.

Outra zona de pressão econômica decorre dos principais anunciantes da mídia hegemônica que são os bancos. Políticas que desagradam o mercado financeiro costumam ser bombardeadas por colunistas que tem espaço nesta mídia. Quase todos estes colunistas e analistas econômicos têm vínculos diretos ou indiretos com o capital financeiro.

Além dos aspectos econômicos, o alinhamento ideológico da mídia hegemônica brasileira é historicamente contra projetos nacionais de capitalismo. Já há tempos que funciona abertamente no Brasil um think tank conservador chamado Instituto Millenium que conta com a participação de diversos dirigentes da indústria midiática e também colunistas.

A crise econômica mundial atingiu o Brasil e o governo petista encontra dificuldades de manter o seu projeto de crescimento. Com isto, a base instável de apoio que construiu nos últimos anos se desfaz, pois ela só se mantém na medida em que a sua situação de consumo se mantenha. A base tradicional do PT também se fragiliza na medida em que determinadas ações tomadas pelo governo contrariam bandeiras históricas destes setores, como, por exemplo, o apoio ao agronegócio em detrimento da reforma agrária e a agricultura familiar. E, finalmente, a margem para abertura de novas fronteiras para expansão do capital nacional também se reduz com a crise internacional. E caem os preços das commodities que durante um tempo foram uma âncora na sustentação do projeto petista.

Esta situação objetiva da economia e das dificuldades de manutenção do projeto petista possibilitou um avanço dos setores conservadores, com a mídia à frente, que usa de forma seletiva e oportunista o discurso anticorrupção para ganhar apoio e defender a derrubada da presidenta eleita em 2014.

Por que seletivo? Porque as denúncias de corrupção atingem tanto figuras da situação como da oposição, mas é nítido que o espaço dado pela mídia às denúncias de corrupção contra políticos governistas é muito maior. Denúncias de corrupção, inclusive mais graves, contra políticos de oposição sequer chegam a ser noticiadas muitas vezes, como foi o caso do “mensalão tucano”.

Por que oportunista? Porque se esconde, atrás desta crise, a proposta real dos que defendem a queda da presidenta. Não é para “moralizar” o país, mas sim para aplicar um projeto político-econômico que tem como centro defender os interesses do capital especulativo, barrar as políticas de inclusão social e impor medidas recessivas, como se costuma receitar para países subdesenvolvidos em crise econômica (como o caso da Grécia). Por ser impopular, o discurso da oposição e reverberado pela mídia é que os problemas no país decorrem porque os “políticos roubam o dinheiro que o trabalhador paga em impostos”. Entretanto, não se propõe fazer uma reforma tributária que acaba com o caráter regressivo dos impostos no Brasil (que onera mais quem recebe até três salários mínimos), reforma política que proíba o financiamento privado das campanhas (uma das principais fontes da corrupção) e, muito menos, uma reforma do sistema de comunicação que acabe com os monopólios que praticamente impõe uma voz única na sociedade civil.

 

  • Dennis de Oliveira é professor associado da Universidade de São Paulo, coordenador do CELACC (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação) e membro da Rede Latino-americana QUILOMBAÇÃO