É fácil se perder nos detalhes da Operação Lava Jato, que ameaça derrubar a maneira corrupta pela qual a política brasileira é financiada e ainda quebrar a hegemonia política do Partido dos Trabalhadores
Por Anthony Pereira | King’s College London
A Operação Lava Jato da Polícia Federal, que investiga o uso indevido de fundos da Petrobras, tem pouco mais de um ano de idade, mas já teve tantas reviravoltas quanto uma novela brasileira. O juiz Sérgio Moro e os promotores estão investigando um complicado esquema em que empresas de construção supostamente subornaram executivos da Petrobras em troca de contratos, que teriam sido inflados para o pagamento de propinas a políticos e partidos políticos.
No dia 3 de agosto, a Operação Lava Jato entrou em sua 17ª fase com a prisão de José Dirceu, que serviu o ex-presidente Lula como Ministro da Casa Civil de 2003 a 2005 e estava em prisão domiciliar por conta de seu envolvimento no chamado “mensalão”, do qual foi o principal arquiteto. Segundo as autoridades, Dirceu foi também um dos principais arquitetos do esquema de corrupção na Petrobras.
Antes disso, 12 executivos das empresas de construção Odebrecht e Andrade Gutierrez já haviam sido presos pela operação. Tais detenções envolveram os alegados pagadores de suborno, não apenas os destinatários, e levaram à prisão alguns peixes grandes – entre eles Marcelo Odebrecht, presidente da quinta maior empresa do Brasil e de um conglomerado com uma presença internacional.
Bilhões de dólares foram envolvidos. O primeiro executivo da Petrobras a depor em troca de redução na sentença, Paulo Roberto Costa, tinha 23 milhões de dólares armazenados em contas bancárias na Suíça; ele diz que esse dinheiro era um suborno de Odebrecht.
Em uma reviravolta recente, Moro ordenou a detenção de Bernardo Freiburghaus, um brasileiro-suíço que se acredita ter organizado os pagamentos da Odebrecht para a Petrobras por meio de contas bancárias no exterior, e que fugiu para Genebra. Por isso, Moro e seus procuradores apelaram ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos para investigar o uso pela Odebrecht de contas estrangeiras.
É fácil se perder nas quantias e detalhes desconcertantes da Operação Lava Jato e suas enormes implicações para o Brasil. Ela ameaça derrubar a maneira corrupta pela qual a política brasileira é financiada e quebrar a hegemonia política do Partido dos Trabalhadores – e toda a estrutura da economia política do Brasil.
EFEITO ARREPIANTE
A Operação Lava Jato terá um efeito arrepiante sobre o financiamento de campanhas eleitorais no país – e as consequências podem ser perversas. Nas eleições de 2014, dez grandes empresas (incluindo a Odebrecht) doaram somas enormes para os membros do Congresso Nacional. É pouco provável que essas mesmas empresas farão doações a candidatos nas eleições municipais de 2016.
Embora tais doações sejam legais, estimulam grandes conflitos de interesse, uma vez que a maioria das grandes empresas que doaram para campanhas políticas no passado recebeu contratos com o governo e/ou crédito subsidiado dos bancos estatais. Com toda a pressão da Operação Lava Jato, doações futuras poderiam colidir com a rigorosa nova lei anticorrupção do Brasil, aprovada em 2013 e implementada por meio de decreto presidencial em março de 2015.
Sem financiamento exclusivamente público para campanhas, e na ausência de outras reformas, os políticos brasileiros podem cada vez mais recor a fontes ilícitas de dinheiro. O financiamento ilegal de campanha, que já endêmico, poderia ficar pior. Os detentores de capital em necessidade de lavagem de dinheiro serão tentados a preencher a brecha deixada pela retirada das doações corporativas para financiar políticos e partidos que defendem os seus interesses. Assim, no curto prazo, a Lava Jato pode realmente fazer com que as eleições brasileiras sejam menos transparentes e mais corruptas.
A investigação de corrupção também pode ter um impacto significativo sobre a administração do Partido dos Trabalhadores em nível federal, agora em seu quarto mandato presidencial consecutivo.
Embora o governo da presidente Dilma Rousseff tenha sido severamente enfraquecido pela desaceleração econômica e pelo escândalo de corrupção, ela está lutando resolutamente. Protestos a favor do impeachment de Dilma, até agora, não deram em nada. No entanto, a oposição espera que a eleição presidencial de 2018 acabe definitivamente com a administração do PT em nível nacional.
Apesar das evidências de que o padrão de corrupção na Petrobras antecede a administração do PT, muitos na oposição ainda acreditam que a corrupção petista é de algum modo mais aguda do que a de outros partidos, porque é político-partidária, não pessoal. Em vez de ser motivada apenas pela ganância, conclui este argumento, a corrupção petista é uma estratégia para perpetuar o poder do PT.
Com certeza, há sinais de que o poder do PT está diminuindo. O escândalo ainda ameaça engolir o ex-presidente Lula, que cumpriu dois mandatos entre 2003 e 2010 e pode concorrer novamente em 2018. Alguns observadores pensam que, com a prisão de Marcelo Odebrecht, Moro tem a esperança de induzi-lo a testemunhar contra Lula, o que seria um pesadelo para a administração de Dilma.
‘CAPITALISMO DO COMPADRIO’
Alguns envolvidos na Operação Lava Jato pensam que a investigação visa nada menos do que a reforma dos altos comandos da economia política do Brasil. No atual sistema brasileiro, as instituições do Estado e os interesses corporativos privados estão intimamente entrelaçados. Políticos e agências governamentais usam seus poderes para promover “campeões nacionais”, concedendo-lhes grandes contratos com o governo, emprestando-lhes crédito subsidiado e ajudando-os a ganhar concursos para grandes projetos no exterior.
Odebrecht é um desses campeões e é um nome familiar para os brasileiros, tendo completado projetos de grande visibilidade, tais como a construção do aeroporto internacional e da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, a restauração da casa de ópera em Manaus, e do novo estádio do Corinthians, em São Paulo, para a Copa do Mundo.
A paciência com os excessos deste sistema está se esgotando. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, por exemplo, afirmou em uma entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo que a “maioria honesta e silenciosa é constantemente passada para trás por estruturas de poder que impedem a competição real entre os agentes econômicos e que, em uma análise mais profunda, são responsáveis pelas crises cíclicas de nosso capitalismo de compadrio”.
Apesar do provável impacto no financiamento de campanha e nas perspectivas eleitorais do Partido dos Trabalhadores, é difícil imaginar a visão sublime de Santos Lima se tornando realidade. Muitas grandes empresas ao redor do mundo são altamente dependentes de favores do governo, em um sistema capitalista global que é mais desigual e, talvez, mais competitivo e predatório do que nunca.
Lutar por leis mais fortes e por uma melhor aplicação é muito bonito, mas é difícil não ver as palavras do promotor como um moralismo de classe média sobre um escândalo em que – como no passado – alguns interesses privados e partidários vão prevalecer sobre outros.
*Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation; traduzido e editado pelo Brasil Observer
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