A arte de Cranio

brasilobserver - jun 17 2015
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Pose pra foto: Cranio e seu desenho na Brick Lane (Foto: Guilherme Reis)

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Da zona norte de São Paulo aos muros de Londres: uma conversa com Fábio Oliveira sobre seu graffiti

 

Por Guilherme Reis

“Faz frio em São Paulo, pra mim tá sempre bom…”.

Não estava tanto frio assim em Londres naquele final de mês de maio, mas a música dos Racionais bem que poderia embalar a caminhada ao lado de Fábio Oliveira, mais conhecido como Cranio, pelas ruas da zona leste londrina, nos arredores da Brick Lane.

“Eu tô na rua de bombeta e moleton…”.

Nascido em 1982, no bairro do Tucuruvi, zona norte de São Paulo, o filho dos Oliveiras recebeu o nome de Fábio, mas foi rebatizado para Cranio. Por quê? Tinha fama de CDF na escola, diz ele orgulhoso.

Nas ruas, porém, era onde ele se sentia mais à vontade para fazer aquilo que mais gostava: desenhar. Ou melhor: desenvolver seu graffiti. De 1998 a 2008, tratou a arte como curtição – tinha que trabalhar para pagar as contas, afinal. Do final da década passada para cá, no entanto, o que era passatempo virou profissão. No mês passado, pela terceira vez, Cranio esteve em Londres a trabalho. E trocou uma ideia com o Brasil Observer sobre aquilo que mais gosta.

 

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Como é que você veio parar aqui?

Desenhando… Sempre gostei muito de desenhar; desde os dois anos de idade. Mas foi em 1998 que eu comecei a desenhar na rua, fazer graffiti. Não era arte. Era uma coisa de moleque pra moleque.

 

Qual foi seu primeiro graffiti?

Foi meu nome, com uma letra diferente, pintado de amarelo e preto. Ficou muito feio, mas eu gostei mesmo assim. Era num muro dentro de um terreno abandonado, então pensei que não ia ter problema.

 

E daí…

E daí eu passei a gostar da coisa, a sair de casa sem saber exatamente onde ia pintar. Então comecei assim, pintando mesmo.

 

E como era essa sensação?

É a mesma coisa de você estar jogando bola e fazer um gol de primeira. Mas é claro que, várias vezes, a bola bate na trave: você está pintando e, de repente, chega o carro da polícia, por exemplo.

 

Você já passou algum aperto com a polícia? 

Já… Já fui detido porque estava fazendo graffiti sem autorização. Tive que pagar um salário mínimo para uma instituição de caridade.

 

Você ficou puto?

Fiquei por não terminar meu graffiti e perder o domingo na delegacia.

 

Como era esse lance da ilegalidade?

Em 1998, se você saísse como uma lata de spray na mão em São Paulo, você era pichador. Mas de tanto a galera pintar, e isso eu falo dos caras da ‘old school’, passou a ter o reconhecimento de arte. Hoje tem o reconhecimento do artista; na época não tinha nada. Hoje o cara vê como um trabalho, não como algo de um criminoso. Mas isso na street art, porque o graffiti mesmo continua na cena ilegal.

 

Como assim?

Existe uma grande diferença entre o ‘writer’ e o cara que faz street art, o muralista. Ser grafiteiro é outra coisa, tem umas regras…

 

Que tipo de regras?

Quem faz mais chora menos; quem respeita é respeitado. As regras são claras. Você respeita, vai lá e faz a sua sem cobrir o de ninguém. Cada um faz o seu independentemente de qualquer coisa. É que nem você sentir sede, estar com a boca seca e tomar aquele copo d’água.

 

Mudando um pouco de assunto: e aqui em Londres, quem você teve oportunidade de conhecer e trocar experiências?

Conheci um monte de gente. O Fanakapan, que faz uns surrealismos e tal… O Stik, que é um cara muito gente boa, inglês educadinho…

 

E quais são as regras deles aqui?

É a mesma… Não pintar em cima de ninguém. E tem os grafiteiros. Eu vou te explicar: graffiti é letra, é escrever em trem, é escrever nas paredes. Às vezes tem um desenho, mas a ideia é colocar nome.

 

Então você não se denomina um grafiteiro?

Também, porque eu também escrevo. O graffiti foi uma escola pra mim porque eu aprendi a dominar o spray. Então eu comecei a ter minhas ideias, comecei a fazer street art, algumas intervenções urbanas que eram desenhar um personagem que interagia com seu ambiente. Então não é mais uma palavra, é uma imagem.

 

Mas aí deixa de ser graffiti?

No meu ponto de vista sim. Graffiti é uma coisa, é um movimento. A street art é outro movimento que vem mesclando com o graffiti.

 

E a pichação?

A pichação é o graffiti sem cor. Mas por quê? Porque é um tipo de caligrafia ilegal que nasceu naquele ambiente de São Paulo, com aquela arquitetura da cidade, então é uma fusão das coisas.

 

E o seu estilo qual é?

Acho que o estilo da arte que eu venho fazendo é bem representado pelo graffiti brasileiro. A gente não faz uma street art semelhante ao do americano ou do europeu. A gente tem esse lance de ser mais do rap, mais feliz. Eu tenho a impressão que a nossa criação em geral é mais feliz. Pode até ser um soco na cara da sociedade o que está desenhado, mas tem um toque de felicidade, realização, prazer…

 

Como nos seus desenhos. Num país que não respeita muito sua população indígena, você elege como personagem um índio azul que está sendo dominado. Mas, ao mesmo tempo, o próprio personagem é também um explorador. É por aí?

É. Os índios estão mais sendo dominados mesmo. Mas o ponto de vista do meu trabalho não é enxergar o índio somente como aquele que faz parte de uma tribo indígena da Amazônia. Ele é um reflexo da sociedade moderna das grandes cidades, que são grandes selvas de pedra. Então é uma selva só que não tem a árvore. Todo ser vivo nesse ambiente é uma espécie de índio no meu ponto de vista. Todos tem que matar um leão por dia, caçar para comer, se virar.

 

E você gosta mais de ver seu desenho no muro ou na galeria?

Dos dois. Gosto de expor meu trabalho em lugares fechados porque eu vim do oposto. Meu ateliê sempre foi a rua, nunca tive um ateliê. Hoje em dia sim, crio internamente e exponho internamente, de dentro para dentro (pode até dar nome pra exposição isso hein…). E tem minha vida que sempre foi de dentro para fora, de dizer “ah, que se dane, vou sair na rua e pintar mesmo, onde quer que seja”.

 

O que você acha que sua arte representa?

É um reflexo do que existe dentro de mim, mas querendo ou não a gente tem uma voz coletiva, então não falo só por mim. Eu acredito que meu trabalho representa uma nação, um reflexo não só do Brasil, mas de toda uma geração, uma coisa que todos nós vivemos. Hoje a gente está em Londres, mas a gente vem lá de São Paulo. Então é legal quando alguém vê meu desenho aqui em Londres e se sente de alguma forma representado, sente que faz parte daquilo também.

BRASIL OBSERVER – EDIÇÃO 28