Por Gabriela Lobianco
Recentemente entrei em um pequeno debate sobre a etimologia da palavra expatriado(a) e o seu uso como denominação de pessoas que emigraram de seu país de origem. Além disso, aventou-se o uso de “mãe expatriada” como um adjetivo para quem teve seus filhos no exterior.
Faz dez anos que moro na Europa. Coloquei a mochila nas costas e vim fazer um intercâmbio de seis meses em Dublin, na Irlanda, e fiquei. Foram três cidades – Dublin, Coimbra e Cork – em dois países – Irlanda e Portugal – em dez anos que resultaram em milhões de histórias.
Por ter tido a minha primeira bebeia irlandezinha recentemente, a maternidade tem ocupado muito minha mente. E o termo “mãe expatriada” me causa certa repulsa, principalmente pela pomposidade que deflagra em detrimento às outras mães não expatriadas.
Primeiramente é preciso considerar que há pequenas nuances entre os significados de migrantes, refugiados e requerentes de asilo. Há quem identifique que “expatriado(a)” é o termo usado para designar alguém “enviado para outro país por uma empresa com alta remuneração e condições de trabalho excepcionais”. Refugiado, de acordo com a convenção de Genebra, “teve que deixar o seu país natal por causa da sua etnia, religião, nacionalidade, convicção política ou por pertencer a determinado grupo social marginalizado”.
Cada termo delimita a razão para que a pessoa seja enviada para outro lugar, seja por questões criminais, políticas, de fuga diplomática ou por condições de segurança.
Em tempos sombrios nos quais fronteiras são colocadas em cheque com muitos refugiados imigrando, é necessário entender todas essas pequenas diferenças.
Refúgio, segundo regras mundiais com regulação do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), é concedido ao imigrante perseguido. No dicionário a definição de asilo divide-se em diplomático e territorial, normalmente pedido às Embaixadas como forma de proteção e segurança do requerente – como o caso de Edward Snowden. Extradição, de acordo com a Wikipédia, é “o processo oficial pelo qual o Estado solicita e obtém de outro a entrega de uma pessoa condenada ou suspeita da prática de uma infração criminal”. Já o exílio é uma expatriação forçada, como sofreram alguns artistas brasileiros na época da Ditadura Civil-Militar (1964-1985).
Nada muda o fato de que refugiado, asilado, exilado, extraditado ou expatriado normalmente é referente a alguém enviado ou que vai para outro país por questões alheias à sua vontade, além de serem impedidos de voltarem. Um migrante, imigrante, emigrante deixa o seu lugar de origem por vontade própria, independentemente do motivo desta mudança. E quem disse que um intercâmbio cultural não deixa de ser uma busca por algo melhor?
Seguindo esta linha de raciocínio, gostaria de pontuar que o conteúdo ideológico de se autodenominar “expatriada(o)” é elitista, excludente e nada mais além de higienização. Como se brancos, classe média alta, heterossexuais, de um grupo religioso cristão e uma geração não muito envelhecida tivessem o direito de serem mais importantes num país que não é o seu de origem em relação aos que imigram “por melhores condições de vida” – como se imigração fosse por qualquer outro motivo além de ter um padrão e uma qualidade melhor seja cultural, por educação, proteção ou trabalho. É no mínimo um ato político a autodefinição de imigrante em contrapartida a definir-se expatriada(o).
O que me leva a sinalar que ser mãe não é uma condição dependente do lugar em que moramos nem tão pouco do Estado Civil que tenhamos. Inclusive educar, criar e orientar uma criança não está intimamente ligado à parentela – seja essa de pai, mãe ou demais.
Acredito piamente que a necessidade de adjetivar a maternidade com um valor, neste caso expatriado versus imigrante, tem a ver com as mazelas sociais impingidas às mulheres que optam (ou são obrigadas) pela maternidade na sociedade moderna. Sendo que neste caso o foco está na realidade da maternidade contemporânea em país estrangeiro.
Ser mãe realmente é um dos meus papéis mais difíceis em vida. Faz quase três anos que vivo em função de outro ser humano quase que única e exclusivamente. A minha filha nasceu em janeiro de 2015, mas conto também o período da minha gestação, que não foi das mais fáceis.
Por grandes questões, principalmente pessoais, não é algo que eu optaria se soubesse de antemão. Todavia, sou ao mesmo tempo imensamente feliz por ser mãe. E não posso, quero ou devo classificar o meu papel materno como difícil exclusivamente pelo fato de morar fora do Brasil.
Isso é uma ilusão. A responsabilidade de criar e educar a minha filha é minha (e na minha realidade, do meu marido também) e “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, já disse ao homem aranha o seu tio Ben.
Simone de Beauvoir resumiu as lutas feministas contemporâneas com a célebre frase “não se nasce mulher, mas torna-se mulher”. Ou seja, debater e evoluir a partir dos emaranhados sociais que resumem mulheres a serem filhas, esposas e mães com o destino biológico social de procriar. Ao entender a maternidade como uma construção social compreende-se a dominação do sexo masculino sobre o feminino.
No entanto, surgiram problemáticas reais dessas constatações. A que a mulher perfeita é o pacote completo do faz tudo. Em tempos que maternidade num contexto de pós-guerra ocidental ainda persistia na defesa da “família, moral e bons costumes”, também impulsionava essas mesmas mulheres para liberdade sexual e emancipação através do trabalho, acarretando para as gerações futuras a jornada dupla e por vezes tripla, a cobrança social e pessoal para a criação com milhões de regras e ausência de mulheres no espaço público entre inúmeros outros fatores de inadequação.
Assim não digo que não há dificuldades particulares de criar um filho(a) no estrangeiro em relação aos que o fazem em seu país natal. Tenho uma lista enorme dos problemas que enfrento por ser mãe fora do meu país de origem. Como há quem enfrente dificuldades porque seu filho(a) tem uma doença crônica, ou da maternidade em cárcere, ou das mães com deficiência visual etc.
No entanto, “cada escolha uma renúncia”. E as raízes dessa problemática estão mais conectadas com o papel da mulher na civilização ocidental contemporânea machista e patriarcal do que propriamente morar ou não morar no exterior.
O termo utilizado nesse contexto deve levar em conta os padrões de migração, sem colocarmo-nos num pedestal nessa dinâmica – sou mãe expatriada e melhor etc. Por fim, seguindo a hipótese de que imigração foi opcional (sem levar condições climáticas ou falta de emprego) – a opção de voltar ao seu país de origem e lidar com outras problemáticas é sempre aberta –, diferentemente de um(a) expatriado(a) ou refugiado(a).
É preponderante desmitificar a maternidade romântica, na qual mulheres são impingidas a serem mães perfeitas. As dificuldades existem, variam de acordo com o contexto que vivenciamos essa relação mãe e filho(a) e companheiro(a) – se o terceiro agente existir, já que em muitos casos não existe.
É um processo longo que inicia na gestação e se constrói pelo resto da vida. Sem contar quem adota ou tem outra linhagem de construção cultural – como no caso das mães indígenas. Minha bebeia ainda tem dois anos e no máximo estamos na jornada particular dos ‘terrible twos’. Com muitos altos e baixos. Principalmente entre o fato de eu me encontrar como indivíduo além de mãe, esposa, trabalhadora batedora de cartão em firma. Devaneios para outra oportunidade.
Temos incrustado nessa sociedade acima de tudo preconceituosa que alguns grupos de seres humanos merecem termos melhores para denominá-los e, assim, separá-los dos demais mortais que são pessoas de classe mais baixa, etnias de cor etc. Uma posição racista e xenofóbica que deve ser policiada, desmistificada e combatida. E neste corpo social machista e patriarcal – sem contar outros preconceitos e discriminações – a questão da maternidade deve ser enxergada além e a luta sempre deve continuar. Por isto, me autodenomino imigrante e tenho orgulho desta postura.