‘Construir uma marca a partir da diversidade brasileira é incrível’: o inglês apaixonado pelo Brasil que leva sua cachaça para o mundo

Brasil Observer - jan 10 2017
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Hamilton Lowe, sócio-fundador da cachaça Yaguara

Por Guilherme Reis

Hamilton Lowe tinha 17 anos quando experimentou seu primeiro gole de cachaça. Ele estudava em uma Boarding School na Suíça e seu colega de quarto, o brasileiro Thyrso Camargo Neto, havia trazido uma garrafa da bebida produzida artesanalmente por seu avô no interior do Paraná.

“Era uma cachaça envelhecida em madeira europeia. O líquido era escuro e tinha um sabor de caramelo. Quando tomei minha reação foi ‘ahhh’. Senti que era um garoto durão”, conta Hamilton ao Brasil Observer. “Então no segundo shot perguntei se podia misturar com alguma outra coisa”.

Hoje com 32 anos recém-completados, Hamilton Lowe é um dos sócios fundadores da cachaça Yaguara, produzida no Brasil e exportada para mais de cinco países, entre eles Estados Unidos e Inglaterra. Mas, antes de levar um dos produtos mais representativos da cultura brasileira para o mundo, o inglês apaixonado pelo Brasil trilhou um longo caminho.

Os sócios, da esquerda para a direita: Thyrso Camargo Neto, Hamilton Lowe, Thiago Camargo e Serafim Meneghel

Os sócios, da esquerda para a direita: Thyrso Camargo Neto, Hamilton Lowe, Thiago Camargo e Serafim Meneghel

 

O INÍCIO

Hamilton se mudou para a Suíça aos 11 anos. Sua mãe morava a algumas horas de distância, em Milão, onde ele havia morado desde os seis anos. Aos 15, conheceu Thyrso na escola. Um ano depois, conheceu o irmão mais novo do brasileiro, Thiago, três anos mais novo que os dois.

Ao fim do período escolar, depois de terem se tornado grandes amigos, Hamilton voltou para a Inglaterra para cursar direito na Universidade Oxford Brookes, onde ele se formou em 2008. Thyrso e Thiago se mudaram para Boston (EUA) para estudarem na Universidade de Bentley.

Em 2006, Thyrso conseguiu um estágio de verão em Londres, na empresa do pai de Hamilton, Sir Frank Lowe, um dos pioneiros da indústria de publicidade na Inglaterra. O brasileiro trouxe vários presentes de agradecimento, entre eles algumas garrafas de cachaça produzida por seu avô, Serafim Meneghel, que passou a vida aperfeiçoando sua própria cachaça no interior do Paraná, a chamada “Cachaça do Barba”.

“Aos finais de semana nos encontrávamos para tomar cachaça no Hyde Park (parque na região central de Londres). Foi então que ele me disse que gostaria de levar a cachaça para o mundo, fazer algo daquilo”, relembra Hamilton. “Mas eu não sabia como viabilizar aquela ideia. Era um bom publicitário por conta da experiência do meu pai, sabia muito sobre marketing, mas lançar um produto novo era totalmente diferente”.

Mais uma vez, a vida dos dois seguiram rumos diferentes, apesar de ainda manterem a amizade. Hamilton seguiu os passos do pai trabalhando com publicidade na Inglaterra, enquanto Thyrso voltou ao Brasil e passou a trabalhar no setor imobiliário no interior do Paraná.

 

A LUZ ASCENDE

Cinco anos depois daqueles encontros no Hyde Park, Hamilton estava trabalhando para a empresa BBH quando teve a oportunidade de conhecer um executivo que trabalhava para uma marca de cerveja.

“Esse cara, que era um especialista no mercado de bebidas, olha pra mim e diz que tinha conhecido essa bebida brasileira, a cachaça, que tinha propriedades de envelhecimento, uma história interessantes por trás … E que por conta da queda no consumo de vodka e tequila, a cachaça se tornaria em alguns anos a grande bebida do momento”, relata Hamilton.

“Uma luz se ascendeu na minha cabeça. Eu tinha 26 anos na época. Liguei para o Thyrso e falei ‘sabe aquela sua ideia de cinco anos atrás, acho que encontrei alguém que pode nos ajudar’. Tudo começou assim”.

Em seguida, Hamilton pediu ao pai que o acompanhasse em uma viagem ao Brasil. “Queria que ele visse o que eu estava falando, que me falasse se eu estava ficando louco ou não. E meu pai ficou maravilhado”.

Hamilton conta que o pai ficou impressionado com a grandeza do país durante a viagem. “Nós somos de uma pequena ilha que de alguma forma se saiu muito bem, talvez pela necessidade de organização. Mas no Brasil tudo é muito grande, os recursos são imensos, as fábricas são do tamanho de cidades. Pensamos ‘ual, este é o futuro do mundo’”.

 

FAZENDO ACONTECER

Seguro de que tinha uma grande ideia em mãos, Hamilton passou para a parte prática. Como transformar aquela herança familiar, uma cachaça produzida há cinco gerações, em um negócio economicamente viável?

O avô de Thyrso, cuja família se dedica à produção de cana de açúcar, tinha uma pequena destilaria, mas não seria suficiente para o que o neto e o amigo inglês estavam planejando. A primeira missão, portanto, era descobrir como replicar a “Cachaça do Barba” em maior escala. Para isso, os dois contaram com a ajuda de Erwin Weimann, um químico especializado em destilados, autor do livro “Cachaça, a bebida brasileira”.

Outro ponto fundamental era a embalagem. “Queríamos uma embalagem que desse à cachaça uma chance real de se destacar no mercado de destilados, no Brasil e globalmente”, explica Hamilton. Foi então que Brian Clarke, especialista em trabalhos com vidro, entrou no projeto e criou a garrafa que repete os padrões do calçadão de Copacabana.

Embalagem criada pelo artista Brian Clarke

Embalagem criada pelo artista Brian Clarke

Corria então o ano de 2012 e Hamilton se dividia entre o emprego em Londres e o sonho de criar uma marca de cachaça. “No final daquele ano deixei meu emprego e me mudei para o Brasil”, conta Hamilton, que morou dois anos em São Paulo, desenvolvendo a marca durante a semana e surfando nas praias do Guarujá nos dias de folga.

Depois de uma extensa pesquisa – Thyrso visitou mais de 60 destilarias pelo país –, os sócios encontram o local ideal para produzir a cachaça: a cidade de Ivoti, no Rio Grande do Sul. Thiago, o irmão mais novo, logo se juntou ao projeto, e em 2013 a Yaguara foi lançada no Brasil.

 

VISÃO GLOBAL

“Nossa visão desde o início era de que a cachaça, como a tequila, é um dos melhores spirits do mundo, e que a Yaguara pode se tornar um exemplo de qualidade brasileira”, diz Hamilton. “Não há grandes marcas que representam o Brasil no mundo. Temos Havaianas, Guaraná… Alguns nomes como Vik Muniz, Alex Atala, mas pouco em termos de marca”.

Hamilton diz ainda que o fato de ser o único “gringo” da empresa é importante. “Para nós é importante ser uma cachaça brasileira que primeiro conquista bons resultados no Brasil, de brasileiros para brasileiros, e depois no mundo. Somos muito brasileiros como marca. O mercado internacional quer algo autêntico, enquanto no Brasil os consumidores querem algo que vá bem internacionalmente”.

O Brasil representa hoje 60% das vendas da cachaça Yaguara. No ano que vem, segundo Hamilton, esse número talvez fique meio a meio.

“Estamos educando as pessoas sobre a cachaça, que é a mãe do rum e não o contrário. O mojito original foi feito com cachaça! Há centenas de cachaças feitas em vários tipos de madeiras diferentes. É fácil vender. Vamos estar na frente desse movimento de internacionalização”, diz.

“De muitas maneiras a cachaça diz tudo sobre o Brasil, suas raízes, sua multiculturalidade. A cachaça também mostra que o Brasil tem tudo que precisa debaixo do nariz. Se você colocar a cachaça ao lado da vodka, do gim, do rum, é um liquido mais sofisticado. Nos próximos dez anos a cachaça vai se tornar um símbolo do Brasil. De algumas formas já é, mas por conta da caipirinha. Como a qualidade está melhorando, está indo para outros drinks, então as pessoas vão ver”, completa Hamilton.

 

O BRASIL NO OLHAR INGLÊS

Hamilton não esconde que a Yaguara nasceu mais do desejo de seus sócios de levar a cachaça para o mundo. Para ele, pesou mais a oportunidade de criar uma marca do zero, o lado criativo, o que não quer dizer que sua relação com o Brasil não tenha sido fundamental.

“Eu amava o país, adorava a bebida, e fiquei muito animado com a oportunidade de construir uma marca a partir de uma plataforma tão rica. Construir uma marca a partir da diversidade brasileira é incrível. Sendo um cara criativo, para mim tudo isso é uma grande satisfação”, diz.

Antes de entrar no projeto da Yaguara, Hamilton já havia visitado o Brasil cinco vezes. “Eu amo o Brasil, cada lugar é muito diferente. E foi natural porque parte de mim cresceu na Itália, então entendi a língua portuguesa muito bem rapidamente, me senti muito em casa por causa disso”.

Fazenda da família de Thyrso Camargo Neto

Fazenda da família de Thyrso Camargo Neto

Para Hamilton, a combinação perfeita é cachaça com torresmo: “parece o paraíso”. E, no fundo, todo inglês gostaria de ser brasileiro. “O inglês que senta num pub em Londres, com a chuva caindo lá fora e sua cerveja quente, gostaria de estar na praia com uma cerveja gelada, vendo a garota de Ipanema passar. O inglês ama o Brasil mais do que muitos outros países. É um país muito exótico, mais até do que a África, pois fica num continente mais distante onde nenhum país fala inglês”.

“O Brasil está começando a acordar. Começou há dez anos e vai haver altos e baixos na economia, é normal, mas o futuro é promissor. O Brasil é um país que tem tudo. Se nós pudermos ser algo que representa o Brasil de maneira positiva, eu serei o homem mais feliz do mundo”.