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Periferias ganham voz na Flupp

brasilobserver - Nov 17 2014
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Crianças durante contação de histórias na Flupp (Foto: Eduardo Magalhães)

Ponto alto da festa literária foi o I Rio Poetry Slam, uma espécie de Copa do Mundo da poesia com a participação de representantes de 16 países reunidos no Morro da Mangueira

Rosa Bittencourt*

Jovens se aproximam e se organizam em uma fila. Cutucam-se, deixam sair o riso fácil dos lábios na contação de piadas ou na última mensagem recebida pelo celular. Olham-se e riem novamente. Mas a distração é quebrada quando esticam os olhos para a frente à procura da poeta britânica Hannah Jane Walker. E ela está lá, sentada, sorridente, com flores no vestido, concentrada enquanto escuta o que tem para dizer a cada jovem que está ali, na Festa Literária Internacional das Periferias (Flupp), que este ano ocorreu até domingo dia 16 de novembro na Mangueira. A tradutora é rápida. Pausa para Hannah que tem 10 minutos para fazer Poemas para Viagem (Poetry to Go), uma espécie de oficina que trouxe de Londres para o público da festa.

O estudante Igor Souza, de 18 anos, foi até a Flupp numa excursão da escola municipal, onde faz o ensino médio. Morador do bairro de Quintino, Zona Norte do Rio, Igor estava emocionado com a poesia feita por Hannah para sua musa, a cantora Riahnna. “Ela faz uma poesia baseada na gente, é como se realmente nos entendesse. Adorei”, resumiu.

Uma parceria da Flupp com o British Council viabilizou a presença dos poetas no Poemas para Viagem. Entre os autores britânicos estão: Keith Jarret, Chris Redmon e Hannah, de longe a mais assediada pelo público.

O Poemas para Viagem, novidade deste ano na Flupp, funcionou como se fosse um balcão de poesias. O público relatava para os poetas sobre uma pessoa especial ou um fato de sua vida. E eles, do outro lado, buscavam inspiração e discorriam a escrever. O tempo era de 10 a 15 minutos. Poema pronto, a pessoa era localizada e a poesia lida pelo poeta. Na maioria das situações, o público se emocionava com as palavras criadas.

Para Hannah, a experiência une ingredientes básicos: a proximidade do público aliada com a pressão de se fazer uma poesia em pouco tempo. “O resultado é que temos um estímulo muito grande para criar instantaneamente. E as pessoas reagem de forma muito particular. Geralmente ficam emocionadas, chegam a chorar, ou ficam tímidas, sem graça”. No processo de criar, a britânica afirma que o poeta tem que se colocar numa posição de muita humildade. “Você tem que se doar para a pessoa que está na sua frente e que faz um relato de algo muito particular em sua vida. É muito interessante e gratificante. É como se nós, poetas, estivéssemos dando um presente para ela. O poeta fica em segundo plano e o público em primeiro”.

Poeta britânica Hannah Jane Walker

Poeta britânica Hannah Jane Walker (Foto: Rosa Bittencourt)

Hannah mora em Londres e essa é a primeira vez que vem ao Rio. “Estou muito feliz. Acordei de manhã e abri a janela e o mar estava lá fora. Impossível não fazer uma poesia com esse cenário. Estou adorando o carioca. São muito comunicativos, felizes e tem a mente aberta”.

A novidade do Slam

A programação da Flupp, que começou no dia 12 e terminou no domingo, teve mesas de debate, oficinas e a grande novidade foi I Rio Poetry Slam, que contou com representantes de 16 países. O Slam é uma competição de poesias e os participantes tem no máximo 3 minutos para defenderam suas obras. Ainda no campo da poesia falada, a Flupp teve os shows Tongue Fu, criado e protagonizado por Chris Redmond e I Wish I Was Lonely, criado e protagonizado por Hannah.

Poeta em apresentação do Slam (Foto: Eduardo Magalhães)

Poeta em apresentação do Slam (Foto: Eduardo Magalhães)

A Flupp nasceu de uma conversa entre os escritores Écio Salles e Julio Ludemir, em 2010, e depois incluiu a pesquisadora Heloísa Buarque de Hollanda e o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Ludemir comemorou o crescimento da festa. “Neste ano a festa ocorre aqui na Mangueira, mas estudantes de favelas vizinhas também participam. É gente dialogando com a literatura”.

Com o apoio das secretarias municipal e estadual de Educação, excursões com alunos da rede pública foram levados até a festa literária. “São crianças e adolescentes em contato direto com grandes escritores”.

O homenageado deste ano foi Abdias Nascimento, que completaria 100 anos em 2014 e foi uma das maiores lideranças do movimento negro brasileiro. A primeira edição da Flupp ocorreu em 2012 no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, e a segunda no ano passado, em Vigário Geral. A expectativa era receber 20 mil pessoas durante os 5 dias de festa.

O evento, apresentado por BNDES, Petrobrás, Secretaria de Estado de Cultura e Secretaria Municipal de Cultura, tem patrocínio do Itaú e apoio do SESI/Firjan, Instituto C&A, British Council, Instituto Cervantes, Goethe Instituc, Faetec, Secretaria Municipal de Educação, UERJ, IFF, e dos consulados italiano, suíço, português, francês e americano.

 

*Rosa Bittencourt é jornalista e correspondente do Brasil Observer no Rio de Janeiro