Última semana de 2016, e de uma praia de Bragança, no Pará, o cantor Antônio de Oliveira concede, por whatsapp, entrevista ao Macuco Blog. Na pauta, a estreia na carreira musical, já no final daquele ano que estava prestes a terminar, e os planos para o ano novo, este 2017 que se inicia.
Antônio de Oliveira é um entre os incontáveis talentos que a música brasileira é capaz de revelar o tempo todo.
Em novembro último, ele colocou na internet seu primeiro álbum. Menos de um mês depois, em 7 de dezembro, fez show de lançamento num dos principais espaços culturais de Belém, o Teatro Margarida Schivasapa.
Em janeiro agora, participa de programa da TV Cultura do Pará.
Antes do Carnaval, grava videoclipes para duas das cinco músicas do álbum recém-lançado. “Dia 15 de fevereiro chega Fernanda Brito, de São Paulo, que já fez clipes de galera de fora do Brasil, e ouviu meu som e gostou”, informa o cantor.
Além disso, o show do Margarida Schivasapa será publicado no youtube.
Sim, é isso mesmo: virada de ano movimentada, logo de cara, na carreira de Antônio de Oliveira, 23 anos.
Receita para o sucesso?
O vínculo com a música desde cedo certamente é um ingrediente importante.
Como ele próprio conta, Antônio de Oliveira é “de uma família de cantores e músicos”.
Dois tios são fundadores do Arraial do Pavulagem, tradicional grupo de raiz do Pará (conheça aqui). Uma prima faz parte do grupo também.
Foi, desde criança, embalado pelo som do Arraial, conforme o próprio cantor se orgulha.
A essa origem musical, Antônio de Oliveira somou seus próprios temperos. Por exemplo: à verve musical, acrescentou a verve militante.
Militante das causas LGBT, do movimento negro, do feminismo, dos perseguidos pelo sincretismo religioso – enfim, daqueles historicamente deixados à margem pela sociedade.
O resultado é este: uma música com sonoridade, sotaque e ritmo paraenses, brasileiros – todavia que trata de temas da humanidade.
“Tem muitas influências regionais, mas é uma música brasileira feita no Pará”, conceitua o cantor, que acrescenta:
“É uma música de protesto, mas que vai brincando. É um protesto sadio. Não que existam ‘protestos doentes’. Mas é um protesto através de uma alegria, que é o que tento passar. É um protesto mais feliz. Uma maneira de chamar a atenção pela alegria. Dizendo que existimos e somos felizes. É um protesto dessa maneira.”
O público tem entendido bem.
“A recepção tem sido muito legal. Tá sendo uma onda muito nova, uma novidade a cada minuto pra mim”, revela o cantor.
Acompanhe outros trechos da entrevista:
A MÚSICA COMO MANIFESTO
“Me assumi gay aos 21 anos de idade. Sempre gostei de música, mas falava ”bora esperar’, que tenho coisas mais importantes pra resolver -que era, no caso, essa libertação. E nesse período fui conhecendo mais do movimento LGBT, de outros movimentos, e aí fui entendendo que a sociedade não te deixa ser gay. Fui entendendo que ninguém te ajuda em nada. Toda minha descoberta fui eu pesquisando na internet, eu conversando com amigos. E a gente não tem representatividade [na música]. Eu sempre pensando, ‘égua, gente, o movimento aqui [Pará] tá muito fraco [de representatividade na música]’. E fiquei, ‘não, bicho, não dá, tenho que me representar’. E então as músicas foram vindo através de experiências minhas.”
DO QUE FALAM AS MÚSICAS
“Elas falam daquilo que eu queria falar: o ecletismo [religioso], muito reprimido aqui e no Brasil inteiro, então quis falar de terreiro, que é tratado com muito preconceito; sobre feminismo, movimento negro, e principalmente movimento LGBT; quero que eles sintam a representatividade que eu posso dar.
PRODUÇÃO DO PRIMEIRO ÁLBUM
“Já tinha as músicas tecnicamente prontas – só faltava a produção delas. O EP [álbum] foi feito em dois meses, [contemplado por] um edital do Seiva [programa de fomento, da Fundação Cultural do Pará/Governo do Estado]. Até o dia 4 de dezembro, tava em todas as redes sociais. No dia 7, teve o show de lançamento, na premiação de todos os projetos contemplados.”
O MERCADO DA MÚSICA
“Ainda não me considero inserido no mercado da música, porque ainda nem prevejo como vou conseguir me sustentar com música. É muito complicado. A cultura daqui [Pará] é vangloriada lá fora. A gente tem que ir pra fora, só então quando volta pra Belém é que a galera sabe quem é a gente. Então é difícil conseguir público. Por isso fiquei feliz com as 270 pessoas que foram ao show [no Teatro Margarida Schivasapa]. A música brasileira é muito boa, sempre. É de um talento enorme.”
REPRESENTATIVIDADE DO MOVIMENTO LGBT NA MÚSICA
“[Sobre] a representatividade na música do movimento LGBT… Está começando a aparecer, os gays [na música] estão aparecendo. É o começo. Estamos começando a botar a cara a tapa, a mostrar que é normal ter um cantor gay, que cante afeminado, que se vista afeminado, que não tem problema fugir de algum padrão da sociedade – desde sexual, até comportamento. Graças a Deus a gente tá tendo cantoras ‘trans’ – ainda não vi cantores -; cantoras drags queens, que protestam também; travestis… Essa galera tá vindo, dizendo pra sociedade que existe, porque essa galera era invisível. Ainda é muito pouco, mas esse pouco já chamou a atenção bastante. Isso é muito bacana.”
——–
CONFIRA TAMBÉM:
- Ouça aqui o álbum de Antônio de Oliveira (“O bloco aqui pra você, ó”)
- Sobre o show de lançamento no Teatro Margarida Schivasapa
Por @waasantista | Colaboração @lindrielli
| Postado de Curitiba
| Fotos: perfil do cantor no facebook
——–