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Política cidadã inovadora

brasilobserver - Nov 11 2014
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Grafiteiros, poetas, músicos e outros tantos artistas se reúnem semanalmente na Praça de Bolso do Ciclista em Curitiba para produzir, trocar e disseminar cultura (Fotos: Guilherme Santos)

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Praça no centro de Curitiba vira símbolo da capacidade de mobilização popular pelo direito à cidade  

Por Guilherme Santos – de Curitiba, Paraná*

Apesar da fama de cidade modelo e inovadora construída ao longo dos anos por Curitiba, a capital do Estado do Paraná e maior cidade da região sul do Brasil convive com os mesmos problemas de qualquer grande metrópole. O adensamento dos centros urbanos, além de sufocar o meio ambiente, acaba desestimulando a socialização. Mas uma recente iniciativa de cicloativistas curitibanos deu um importante passo na direção oposta e demonstrou que o potencial inovador também está presente nas iniciativas populares.

Tudo começou com o movimento da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (Cicloiguaçu), que percebeu o potencial de reutilização de um espaço de 128 metros quadrados localizado na região central da cidade, ao lado da Bicicletaria Cultural. O terreno, de propriedade da Prefeitura de Curitiba, foi pleiteado para a construção de uma praça para os ciclistas, que viria a ser batizada posteriormente de Praça de Bolso do Ciclista. O nome, inspirado no conceito dos “pocket parks”, teve seu significado ampliado desde o seu processo de construção.

Mais que um símbolo exclusivo do cicloativismo, o local agora marca a vitória do público sobre o privado. Essa discussão, aliás, não poderia ter surgido em uma época mais propícia para o Brasil, que acabou de viver as tensões da disputa presidencial mais acirrada de sua curta história democrática. Diferentemente dos agressivos confrontos gerados pela política partidária, que infelizmente tem sucitado vergonhosos discursos de ódio por todo o país, a política cidadã da Cicloiguaçu é orientada pela união entre as pessoas.

Foi justamente a partir dessa união que o projeto ganhou força e energia para deixar de ser apenas uma possibilidade e virar história coletiva. Após o acordo com a prefeitura, que garantiu o espaço e recursos materiais para a construção da praça, foi preciso um trabalho conjunto de diversos voluntários. Um grupo fixo de 20 pessoas, auxiliado por outras dezenas de colaboradores esporádicos, conseguiu construir a primeira obra pública de Curitiba realizada em uma parceria do poder público diretamente com os cidadãos.

Desde 22 de setembro, qualquer pessoa em Curitiba pode conhecer a praça, que fica localizada no coração do centro histórico da capital, na esquina da Rua São Francisco, uma das mais antigas da cidade. Um dos objetivos dos envolvidos, aliás, é extender o “espaço social” da praça para a quadra inteira, com o fechamento da via para os carros. A próxima evolução, contudo, depende de um processo de conscientização sobre a importância de se construir uma cidade mais amigável e receptiva aos seus próprios moradores e visitantes.

Para muitos, a reserva de um espaço público destinado à interação, ao lazer e à cultura pode ser vista simploriamente como um obstáculo que causa transtornos para quem tem dificuldades de enxergar a vida em sociedade. São situações que já foram vividas recentemente por São Paulo, onde as ciclovias têm ganhando cada vez mais espaço. A iniciativa, ainda que bem recebida pela maioria, sofreu forte resistência entre aqueles que se sentiram individualmente prejudicados. Alheios às polêmicas na capital paulista, os frequentadores da praça curitibana colheram mais de 800 assinaturas favoráveis a transformação da quadra em via para pedestres.

A Praça de Bolso parece ter agradado inclusive os comerciantes da região, que perceberam no espaço uma mudança que só tende a beneficiar a cidade como um todo. O apoio e a repercussão do trabalho recebeu inclusive uma contribuição artística que ajudou a completar a vocação cultural da praça. Entre os tons de cinza que contrastam com os grafites das paredes do local, o destaque é para uma obra da artista plástica suíça Mona Caron. Feita durante o III Fórum Mundial da Bicicleta na cidade, em fevereiro deste ano, uma enorme tulipa em tons de amarelo e laranja, de onde “nasce” uma bicicleta, ajudam a dar mais vida a praça e seus frequentadores.

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Capital social

Tão ou mais importante que o valor simbólico que a mais nova praça curitibana representa é o seu valor como gerador de capital social. O sucesso da área como novo espaço de interação e socialização já gera novos frutos. A união e o ativismo que estiveram presentes durante todo o processo de construção da Praça de Bolso agora ajudam a florescer outras iniciativas benéficas para a população.

Entre as iniciativas está a organização de mutirões durante os fins de semana sobre temas diversos, como compostagem, bioconstrução e hortas comunitárias. O cultivo urbano, aliás, virou uma ação fixa dos frequentadores, que começaram a utilizar o terreno ocioso localizado ao lado da praça para a criação de uma “horta coletiva”.

Outro complemento do espaço, ainda em andamento, é a instalação de uma bomba de ar para que os ciclistas possam encher os pneus das bicicletas. A ideia é reforçar a importância do cicloativismo na praça, que já se tornou um ponto de encontro de quem vê nas bikes não apenas um meio de locomoção, mas também um estilo de vida.

Arte e ativismo

Mesmo as pessoas menos ligadas à rotina das pedaladas podem usufruir livremente do espaço. Até o momento, a breve história da praça vem sendo construída por meio de escritas artísticas. São grafiteiros, poetas, músicos e outros tantos artistas reunidos semanalmente para produzirem, trocarem e disseminarem cultura.

O intercâmbio também já começou a envolver a academia. Em uma parceria da Bicicletaria Cultural com alunos do curso de Design de Moda da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR), foram desenvolvidos acessórios personalizados para os diferentes estilos de ciclistas. O projeto ganhou forma e resultou em uma exposição pública de alguns produtos selecionados, como cestos estilizados, bolsas adaptadas às curvas das bikes e mochilas com capa de chuva.

O potencial cultural da praça é ainda mais reforçado com a promoção de eventos que atraem um público considerável, como shows musicais e sessões abertas de cinema. Sem dúvidas, este é um espaço que transpira cultura. É o ambiente ideal para o surgimento de novas iniciativas que levem a humanidade como preceito básico.

Resta a esperança de que espaços como a Praça de Bolso do Ciclista se multipliquem por toda a Curitiba, da mesma maneira que multiplicam-se iniciativas sociais em prol do coletivo. É um movimento que começa a se espalhar pelo Brasil, relembrando que as cidades, afinal, são constituídas essencialmente por e para pessoas.

 

*Esta matéria foi produzida por Guilherme Santos, estudante do quarto ano do curso de Jornalismo da FacBrasil (Faculdades Integradas do Brasil), em parceria com o Projeto CONECTANDO, desenvolvido pelo Brasil Observer junto a universidades brasileiras e europeias. Para participar e ter seu texto publicado neste espaço, escreva para