Uma livraria brasileira na Inglaterra

Brasil Observer - set 18 2017
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Foto: Reprodução

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Capitolina Books, iniciativa da escritora Nara Vidal, será lançada oficialmente em evento no dia 30 de setembro

 

Por Priscilla Castro

“O que você lê quando não precisa ler determina o que você será quando não puder evitar”. A frase do escritor e poeta britânico Oscar Wilde cai como uma luva para a iniciativa Capitolina Books, idealizada pela escritora Nara Vidal. Com o objetivo principal de divulgar a literatura contemporânea brasileira, a livraria digital pretende ser uma vitrine de autores e editoras independentes no mercado europeu.

A ideia é nova, mas a necessidade é antiga. A falta de um espaço exclusivo na Europa que trouxesse literatura de qualidade do Brasil, lançando nomes ainda desconhecidos no mercado exterior e que provavelmente não seriam encontrados em livrarias como Cultura ou Saraiva, provocou na escritora a vontade de construir essa ponte.

Na intenção de democratizar a literatura contemporânea no exterior, a Capitolina Books surgiu para disponibilizar os títulos ao mesmo tempo em que são lançados no Brasil.

A princípio, os planos são modestos: alcançar universidades e a comunidade brasileira na Europa. Mas não apenas isso. A Capitolina Books vai disponibilizar, em inglês, trechos das obras e entrevistas com os autores do catálogo para chamar a atenção do mercado editorial local.

“Não tenho ambição de que consigamos vender milhares de títulos porque sei que é um nicho bem específico e a maior parte dos livros será em português. Tentamos alcançar universidades e a comunidade brasileira, que é muito vasta, mas muito heterogênea, com gente de diferentes interesses”, explica Nara.

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Formada em letras pela UFRJ, Nara começou a escrever ainda durante a faculdade, priorizando livros infantis e bilíngues, por causa do processo de aprendizado bilíngue da filha. A partir daí, começou a publicar livros também juvenis e, há dois anos, ingressou na literatura para adultos. Hoje, Nara tem dois livros de contos publicados e se prepara para lançar o primeiro romance da carreira.

A livraria será oficialmente lançada no dia 30 de setembro em uma festa inaugural. O evento acontecerá na Baldwin Gallery, em Blackheath, Londres, e contará com música ao vivo, comes e bebes e leituras dos autores. Os ingressos estão disponíveis para a venda pelo valor de 25 libras. Para mais informações, clique aqui.

 

PASSO A PASSO

O catálogo foi montado pela própria escritora em parceria com autores e editoras. Apesar de ser um início modesto, a loja online vai oferecer romances, contos e poesias de autores que recebem o voto de confiança das pequenas editoras.

Essa cooperação, a propósito, é a alma do negócio. Nara acredita que o surgimento das pequenas editoras precisa ser valorizado por trazer obras de alta qualidade, de autores que não teriam oportunidade de serem publicados por outros meios. “Essa ebulição de novos talentos se deve especificamente a essas editoras independentes, que fazem um trabalho com pouquíssima tiragem, às vezes 700 livros, mas são essas obras que fazem a nossa arte literária pulsar”, argumenta.

A disponibilização dos títulos já foi selecionada e, por enquanto, não há espaço para novos autores devido à condição limitada do estoque. “Precisamos primeiro testar as águas, ir devagar, afinal é uma coisa bem caseira. Conforme formos progredindo, vamos renovando o estoque, abrindo espaço para novos autores, mas sempre com uma pré-seleção para mantermos a ideia de literatura brasileira contemporânea de muita qualidade”, explica Nara.

Quanto o assunto é a lei do mercado, Nara acredita que há mais oferta do que procura. “Então, temos autores e precisamos de leitores, precisamos de divulgação, contamos com a mídia, com as universidades, com o Consulado, porque não adianta ter a livraria se ninguém sabe dela”, conclui a escritora.

 

LITERATURA BRASILEIRA MUNDO AFORA

A iniciativa de promover um encontro entre a literatura brasileira e o mercado europeu, tanto editorial como de leitores, chega num momento emergencial para a cultura brasileira, já que, no Brasil, o investimento na área cultural ainda é ínfimo, especialmente quando comparado a países europeus.

A notícia tem sido recebida com entusiasmo no país. O gerente de relações internacionais da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Luiz Álvaro, acredita que o lançamento de uma livraria digital no exterior representa um canal de divulgação do autor brasileiro com forte espaço para os autores contemporâneos. “A Capitolina terá a oportunidade de ser um ponto de referência para todos aqueles que desejam adquirir ou conhecer um pouco mais dos livros brasileiros”, complementou.

 

Segundo a CBL, nos últimos anos o Brasil experimentou um protagonismo no mercado editorial mundial que não era visto há tempos, com homenagens em Bogotá (2012), Frankfurt (2013), Bolonha e Gotemburgo (2014), Paris (2015) e Medellín (2017). Para Luiz, promover o livro brasileiro no exterior tem que ser um programa do Estado Brasileiro.  “Essa promoção tem que ser feita de maneira estratégica e focando o longo prazo porque só assim nosso país se tornará fornecedor de cultura para o mundo”, concluiu.

Iniciativas sem fins lucrativos como a CBL fomentam o estímulo à leitura por meio de ações que visam democratizar o acesso ao livro, não só no Brasil, como também no exterior. Uma parceria firmada, em 2008, com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) deu início ao projeto Brazilian Publishers, que tem como principal objetivo fortalecer as exportações do conteúdo editorial brasileiro.

O mercado britânico, por outro lado, ainda precisa abrir mais espaço para a literatura estrangeira. Segundo uma pesquisa feita pela editora Jasmine Donahaye, em 2012, apenas 3% de todo o volume de literatura no Reino Unido é traduzida. “Não seria surpreendente ver uma queda desse número nos anos subsequentes, dada a crise financeira de 2008 e os consequentes cortes no financiamento público para editores e o aumento da cautela do mundo editorial”, escreveu a autora na conclusão das suas pesquisas.

 

PROMOÇÃO INTERNA

A falta de investimento em conhecimento e cultura dificulta a profissionalização de agentes culturais em todas as esferas. “A cultura é exatamente aquilo que nos define e que nos diferencia; sua divulgação no exterior deve ser uma bandeira de estado, com planejamento estratégico e presença constante a fim de colher os melhores frutos no médio e no longo prazo”, acredita Luiz Álvaro.

Mas não adianta investir fora e não fortalecer o mercado interno. Luiz acredita que um passo importante desse processo é também capacitar os empresários para a internacionalização e garantir que os autores e a produção editorial brasileira sejam bem expostos nos mercados alvo.

“Nossa formação cultural foi e ainda é impactada por toda a nossa história colonial, pelas ondas migratórias, pela variedade religiosa, pela extensão geográfica, pelo nosso clima tropical e por nossas fronteiras com quase todos os países da América do Sul. O Brasil é hoje um dos países com maior diversidade cultural no mundo e a nossa literatura reflete exatamente isso. Costumo dizer que o Brasil leu o mundo para que o mundo possa agora ler o Brasil”, conclui ele.