Temer recompensa os ruralistas

Brasil Observer - set 11 2017
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Mina de bauxita em Paragominas. (Foto: Hydro/Halvor Molland)

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Em uma vitória para mineradoras brasileiras e transnacionais, presidente Michel Temer decreta a abertura de uma vasta reserva nacional na Amazônia para mineração. Região contém grandes áreas conservadas e comunidades indígenas

 

Por Zoe Sullivan

Quanto custa para manter o cargo de presidente? No Brasil, Michel Temer pagou R$13,2 bilhões por esse privilégio – por meio de decretos e emendas destinadas a obter votos suficientes na Câmara dos Deputados para barrar uma investigação criminal pelo Supremo Tribunal Federal. A votação do dia 2 de agosto manteve Temer no poder, por enquanto.

As promessas e pagamentos do presidente, feitos um atrás do outro nas semanas anteriores ao voto decisivo e revelados nas semanas seguintes, vieram sob a forma de uma enxurrada de emendas parlamentares, do refinanciamento da dívida do agronegócio, de um decreto que abre uma vasta região da Amazônia, maior do que a Dinamarca, para a mineração, e de um decreto que anuncia um novo código nacional de mineração.

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Críticos temem que a Renca possa sofrer um destino semelhante à da terra perto do Parque Nacional Motanhas do Tumucumaque, que agora abriga uma mina de ouro e ferro (foto: Daniel Beltra/Greenpeace)

Em 23 de agosto, Temer emitiu um novo decreto presidencial abolindo uma gigantesca reserva nacional que havia sido criada em 1984, abrindo 4,6 milhões de hectares entre os estados amazônicos do Pará e do Amapá para a mineração. Seu decreto aboliu a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área originalmente criada durante a ditadura civil-militar para fornecer riqueza mineral para a nação, o que nunca foi executado. A região é rica em ouro, ferro, níquel, manganês e outros minerais, mas também inclui nove áreas de conservação e indígenas.

O decreto diz que essas áreas seguirão protegidas, mas os críticos alertam que minas, estradas, linhas de transmissão e outras infraestruturas adjacentes comprometerão as florestas da região seus povos indígenas. O senador Randolfe Rodrigues denunciou o movimento de Temer como o maior ataque à Amazônia nos últimos 50 anos.

O diretor-executivo da WWF-Brasil, Maurício Voivodic, disse que abrir a região para a mineração resultaria em explosão demográfica, desmatamento, destruição de recursos hídricos, perda de biodiversidade e criação de conflitos terrestres, repercussões vistas em outras partes do Brasil abertas à rápida expansão da mineração e da infraestrutura.

O novo código de mineração decretado pelo presidente provavelmente também terá impactos sociais e ambientais abrangentes, não apenas na Amazônia, mas em todo o Brasil, uma nação rica em minerais. Embora o código revisado inclua tarifas de royalties mais elevadas que podem beneficiar o governo e custar mais ao setor privado, o novo plano de revitalização da mineração também prejudica o monitoramento ambiental da indústria existente, dizem os críticos. O plano, emitido por Temer como uma medida provisória, entra em vigor imediatamente, mas, em última instância, exigirá aprovação do Congresso para se tornar lei.

 

VOTOS E BENEFÍCIOS

O Brasil vem considerando mudanças em seu código de mineração há alguns anos, e a indústria apoiou os legisladores para garantir que essas mudanças a beneficie. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) analisou a influência da indústria quando o código de mineração foi revisado em 2014. O estudo descobriu que a maior parte dos membros do comitê do Congresso responsável pela elaboração do novo código recebeu doações de campanhas substanciais de empresas mineradoras. Um dos representantes, Leonardo Quintão, do PMDB, é de Minas Gerais, um estado com grandes interesses no setor, e recebeu 42% de seus fundos de campanha de 2014 do setor de mineração.

O site Intercept Brasil publicou um gráfico interativo que mostra como cada membro da Câmara dos Deputados votou no dia 2 de agosto, juntamente com os fundos que o presidente aprovou. Um pouco mais da metade dos membros da comissão responsável pelo código de mineração, 29 no total, votaram contra a investigação do presidente Temer.

Embora alguns desses votos possam ter sido comprados com o novo código de mineração e grandes emendas concedidas por Temer, alguns deputados que receberam benefícios votaram pela continuidade da investigação criminal. Gabriel Guimarães, o presidente da comissão responsável pelo novo código de mineração, é um exemplo. Ele representa Minas Gerais, e seu pai, Virgílio, recebeu R$8 milhões de investidores brasileiros para extrair ouro perto da região de Serra Pelada, no Pará. Guimarães, porém, é membro do Partido dos Trabalhadores, de oposição a Temer. Embora seus interesses políticos tenham recebido R$2,4 milhões em emendas entre junho e julho, Guimarães votou a favor de uma investigação da Suprema Corte sobre o presidente.

Os dois estados brasileiros mais conhecidos por suas indústrias de mineração são Minas Gerais e Pará, o último localizado na Amazônia. Mas o deputado Mauro Lopes, de Minas Gerais, disse que o novo decreto do código de mineração não influenciou a forma como a delegação de seu estado votou. O voto seguiu em grande parte as linhas partidárias, com 33 dos 53 deputados de Minas Gerais e 11 dos 17 membros da delegação do Pará votando contra a investigação presidencial.

A análise do site Intercept Brasil mostra que os deputados considerados parte da bancada ruralista votaram em grande parte contra a investigação de Temer. Temer almoçou com membros do grupo, incluindo 52 deputados, no dia anterior à votação. No almoço, ele anunciou duas medidas financeiramente benéficas para o setor agrícola.

 

PREJUÍZO AMBIENTAL

As novas taxas de royalties impostas pelo novo código deverão aumentar em 80% de receita de mineração para o governo brasileiro no nível federal, estadual e municipal. No ano passado, o governo arrecadou cerca de R$1,6 bilhão. O aumento previsto se dá em parte porque o governo agora vai tributar o lucro bruto das empresas em vez da receita líquida.

O decreto de Temer tira toda a responsabilidade ambiental do governo e a transfere para as próprias empresas de mineração. Os críticos apontam para desastres como o colapso da barragem do Fundão em Minas Gerais para destacar os perigos de o próprio setor fazer esse monitoramento.

Outra mudança: a criação de uma nova agência reguladora, a Agência Nacional de Mineração, que substituirá o Departamento Nacional de Produção Mineral. A nova agência, no entanto, não tem força e pessoal para realizar o trabalho efetivamente, dizem os críticos. O deputado Lopes alegou que a delegação de Minas Gerais desempenharia um papel importante na seleção da liderança da nova agência de mineração.

“Apenas mudar o nome não vai resolver os problemas que temos na mineração”, disse o Dr. Mario de Lima Filho sobre a nova agência reguladora. O Dr. Lima Filho ensina geologia na Universidade Federal de Pernambuco e é ex-chefe da agência de mineração do estado.

Lima Filho afirma que os novos regulamentos “definitivamente privilegiam certa classe”, e beneficiarão as maiores empresas. “Você precisa ter capital para empreender, e você deve ter capacidade para ser detalhado. Então, parece que isso foi feito para agradar as grandes empresas. Nossas pequenas empresas serão deixadas de fora porque não têm meios para participar de um processo de licitação, por exemplo.”

O novo código de mineração representa um sério golpe para as proteções oferecidas às comunidades indígenas e tradicionais, bem como às reservas naturais, de acordo com o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Em uma declaração, o comitê escreveu que o governo parece não querer fazer investimentos em inspeções, uma vez que criou a nova agência de mineração sem passar pelo processo de contratação de serviço civil necessário para levar pessoal qualificado. Atualmente, por exemplo, todo o estado de Minas Gerais tem apenas quatro funcionários para inspecionar mais de 700 barragens, diz o comunicado. “A criação de uma agência sem um aumento significativo na força de trabalho não garante maior controle estatal sobre o setor”.

A relevância dos inspetores de barragens é mais bem entendida à luz dos eventos de 2015. Naquele ano, Minas Gerais experimentou o maior desastre ambiental do Brasil. A barragem de minérios de ferro de Fundão desmoronou e despejou cerca de 50 milhões de toneladas de resíduos tóxicos no Rio Doce. A catástrofe matou 19 e despejou metais pesados ​​no abastecimento de água potável de cerca de 1,6 milhão de pessoas.

Outros compartilham as mesmas preocupações. O professor Lima Filho disse que o verdadeiro custo da nova lei só se tornará claro uma vez que entre em vigor. “Nós vamos ver alguns problemas relacionados à identificação dos limites para as áreas indígenas, para as áreas ambientalmente preservadas”, disse Lima Filho. “Você compra uma área que tem uma boa reserva de algum mineral essencial, mas depois você não pode explorar porque o plano de mineração não foi aprovado na licença ambiental”. Isso, ele especulou, poderia levar a grandes empresas de mineração a aplicar “pressão para quebrar algumas proteções para áreas ribeirinhas, áreas indígenas, áreas florestais etc.”.

Dias antes do lançamento do novo código de mineração, o governo Temer aprovou uma recomendação que limita as reivindicações de terras indígenas ocupadas a partir de 1988, uma manobra legal apoiada por empresas agropecuárias e mineradoras conhecidas como “marco temporal”, causando um enfraquecimento significativo dos direitos territoriais indígenas que poderia fortalecer novos pedidos de mineração. Mas, em meados de agosto, o Supremo Tribunal Federal se posicionou indiretamente contra a arbitrária data de corte. No entanto, novas ações governamentais sobre o marco temporal são esperadas.

Por enquanto, continua a ser ilegal que as empresas privadas explorem terras indígenas, embora um projeto de 1996 para desfazer essa lei (PL 160/1996) esteja voltado para a agenda do Congresso.

Eduardo Costa, membro da assembleia legislativa do estado do Pará, disse que o aumento da renda para os estados e municípios com o novo código de mineração é bem-vindo. Costa também elogiou o fato de o novo código diminuir a burocracia que as empresas de mineração teriam que enfrentar para obter permissões.

No entanto, ele também concordou com uma das críticas expressadas. Costa pediu ao governo que elaborasse regulamentos para a Lei Kandir, o que permitiria aos estados taxar significativamente bens não finalizados, especialmente minério e eletricidade para exportação – um imposto que provavelmente afetaria grandes empresas de mineração transnacionais. Costa não comentou os impactos sociais ou ambientais que podem resultar do novo código de mineração, mas apontou para os esforços do Pará para taxar as empresas de mineração, esforços que foram desafiados no tribunal.

 

  • Este artigo foi publicado primeiro pelo site Mongabay (mongabay.com), em inglês, e foi traduzido pelo Brasil Observer