Catadores de sobrevivência

Brasil Observer - ago 28 2017
BO_12.13_A
Grupo de catadores da Associação Catajampa. Da esquerda para direita, Egrinalda é a segunda; Joel, o terceiro; Maria de Jesus, a sexta; Edgley está ao centro, de camisa azul e boné (Foto: Associação Catajampa)

(Read in English)

 

No atual contexto de instabilidade política e de crise ética e moral, trajetórias inspiradoras servem de ponto de equilíbrio e de sinal concreto de esperança no povo brasileiro

 

Por Tiago Eloy Zaidan | de João Pessoa, Paraíba

Turistas, pessoas bem vestidas, sol e praia. Em meio a essa balburdia glamorosa, Egrinalda dos Santos Silva, 45 anos, e Maria de Jesus Leite, 45 anos, realizam os seus trabalhos de forma discreta, quase anônima. Ziguezagueando pelas ruas dos bairros da orla de João Pessoa (PB), estas duas senhoras encostam de lixeira em lixeira, nas portas das casas e prédios, empreendendo uma caçada arqueológica por resíduos recicláveis em meio a todo tipo de lixo, descartado indistintamente pela maioria dos residentes da abastarda região.

Egrinalda à esquerda e Maria de Jesus à direita: presidente e vice da associação Catajampa (Foto: Laura Reis Andrade)

Egrinalda à esquerda e Maria de Jesus à direita: presidente e vice da associação Catajampa (Foto: Laura Reis Andrade)

A jornada de Egrinalda e Maria começa longe da praia. Por volta das 13h30, elas deixam o galpão da Associação de Catadores Catajampa, no subúrbio da capital paraibana. De lá, elas partem a pé, com um carrinho puxado à mão, em direção aos bairros da orla, onde se concentram os resíduos recicláveis mais valiosos e em maior quantidade. Depois de percorrerem as ruas de Manaíra, Tambaú e Cabo Branco, as duas fazem todo o caminho de volta. Retornam ao galpão, às 4h da manhã, quando partem, então, para a etapa seguinte do processo: a separação dos resíduos coletados.

Maria de Jesus possui dois filhos, um rapaz de 22 e uma menina de 15. Eram três. Perdeu Joabson, então com um ano e seis meses, há oito anos. A casa em que morava estava com a eletricidade cortada por falta de pagamento. Então, usavam-se velas. Em certa ocasião, uma vela tombou. A casa foi tomada pelo fogo e a criança morreu asfixiada.

Egrinalda possui três filhos. Um rapaz de 23 anos, uma menina de 16 e um menino de 8. Nenhuma das duas catadoras contou com a ajuda de companheiros na criação dos rebentos. São mães solteiras. Na verdade, uma ajudou a outra.

Resíduos sólidos: fonte de renda para catadores como Egrinalda e Maria de Jesus (Foto: Laura Reis Andrade)

Resíduos sólidos: fonte de renda para catadores como Egrinalda e Maria de Jesus (Foto: Laura Reis Andrade)

Por volta de 1997, durante uma amarga recessão social no país, as duas começaram juntas a trabalhar na catação de resíduos sólidos no lixão da capital paraibana. Recolhiam não apenas os resíduos sólidos. Disputavam alimentos com os urubus. Aproveitavam, sobretudo, os descartes dos supermercados, que chegavam aos caminhões, com produtos vencidos e estragados. Depois que o lixão de João Pessoa foi desativado, Egrinalda e Maria de Jesus passaram a fazer a catação nas ruas. “Esquecemos a vergonha e metemos a cara. Faz uma faixa de dez anos que começamos a catar porta a porta”, calcula Egrinalda.

Hoje, as duas são vizinhas e moram próximas ao galpão utilizado pela Catajampa, na comunidade de Mandacaru. Os filhos mais velhos de cada uma, Edgley, 23 anos, e Joel de 22, também trabalham como catadores na associação.

O professor e coordenador do curso de Gestão Ambiental do campus João Pessoa do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Arilde Franco Alves, explica que o Brasil tem evoluído no tocante à reciclagem. Muito em função da atuação dos catadores, como Egrinalda e Maria de Jesus. “Houve, de maneira não intencional, mas em decorrência da situação econômica e, sobretudo, da situação social do país, o desenvolvimento de uma verdadeira legião de pessoas informais, envolvidas nessa questão da catação, que envolve a coleta desses materiais”, explica Alves.

O professor enfatiza a importância do trabalho realizado pelos catadores, inclusive no bojo da discussão socioambiental. “Pode-se dizer que eles são verdadeiros ecologistas, de maneira informal, indireta e até inconsciente. Eles são verdadeiros heróis, embora, às vezes, sejam pouco reconhecidos”, afirma.

A falta de reconhecimento é sentida pelos catadores. Maria de Jesus, por exemplo, diz ter orgulho do que faz e reconhece a importância do trabalho para o meio ambiente. No entanto, admite: espera que a filha de 15 anos, a qual está cursando o ensino médio, siga outro caminho. “Sinceramente, eu não quero isso para os meus filhos”, desabafa.

 

  • Tiago Eloy Zaidan é professor do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) e Coordenador de Articulação Pesquisa, Extensão e Sociedade do campus João Pessoa do IFPB