Rio-2016: O que esperar de legado

Brasil Observer - ago 15 2016
21/07/2016- Rio de Janeiro- RJ, Brasil- Inauguração dos aros Olímpicos na praia de Copacabana. Foto: Roberto Castro/ME
Inauguração dos aros Olímpicos na praia de Copacabana (Foto: Roberto Castro/ME)

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Pela primeira vez os Jogos Olímpicos acontecem na América do Sul, em um momento em que o Brasil atravessa uma de suas mais graves crises, política e economicamente. O que ficará?

 

Por Wagner de Alcântara Aragão

Os Jogos Olímpicos Rio 2016 se desenrolam de 5 a 21 de agosto em um ambiente bem diferente daquele de sete anos atrás, quando o Rio de Janeiro foi escolhido como cidade sede pelo Comitê Olímpico Internacional. Se em 2009 o país experimentava um processo de crescimento econômico e desenvolvimento social, despontando como uma das regiões do planeta mais prósperas para investimentos, hoje uma aura de mau humor e pessimismo substitui a utopia de antes.

Pela primeira vez uma Olimpíada ocorre na América do Sul. Mas, afetada pela grave crise política que paralisa o país desde o ano passado e por uma crise econômica que tem aumentado o desemprego e feito diminuir a renda nacional, a população tem poupado empolgação com o evento.

É bem provável, porém, que o início dos Jogos amoleça o coração de parte considerável da nação. É da natureza do brasileiro saber distinguir situações, separar problemas de bons momentos. A tendência é que haja uma recepção calorosa, assim com ocorreu na Copa do Mundo de 2014.

A herança que se espera da Olimpíada do Rio pode ser dividida em pelos menos dois conjuntos. O primeiro está relacionado diretamente ao propósito dos Jogos, ou seja, o esportivo. O Brasil se preparou para fazer bonito nas competições? O país se atinou para a importância do esporte não apenas como produto comercial, mas também como instrumento de educação, saúde, qualidade de vida, inclusão e solidariedade?

O outro diz respeito à relação custo-benefício: o que se gastou será compensado pela geração de empregos, pelo aquecimento de atividades econômicas como turismo, por exemplo? O que se construiu para abrigar os Jogos terá utilidade posterior? As intervenções para obras de mobilidade urbana e imobiliárias, que exigiram desapropriações de famílias, foram feitas a serviço da coletividade ou de interesses privados?

 

NO ESPORTE

Atuando em casa, o Brasil se propõe a fazer sua melhor campanha na história dos Jogos Olímpicos, terminando entre as dez primeiras colocações no quadro geral de medalhas. Não se pode esperar, porém, um desempenho avassalador. O país está longe de ser uma potência esportiva, ainda que obtenha avanços consideráveis a cada ciclo olímpico. Todavia, investimentos recentes indicam um desenvolvimento mais acentuado na área, e mostram maior disposição do poder público em concentrar esforços no esporte de base, principalmente.

Há mais de dez anos, por exemplo, o governo nacional instituiu o programa Bolsa Atleta, auxílio financeiro que beneficia tanto esportistas em formação como competidores de alto rendimento. O programa acabou com um problema recorrente: talentos que precisavam largar atividades esportivas porque tinham que trabalhar para se sustentar, sustentar a família. Antes do Bolsa Atleta, o apoio do poder público era esporádico, esparso. Ao final de cada Olimpíada, sempre havia cobrança da sociedade por maior participação do Estado na formação esportiva da nação.

A mais recente edição dos Jogos Pan-Americanos (em 2015, em Toronto, no Canadá) demonstrou a relevância do programa. Sete de cada dez atletas brasileiros que disputaram o Pan-Americano eram beneficiários do Bolsa Atleta. Destaque ainda para a atuação das Forças Armadas e de estatais e companhias públicas como Furnas, Eletrobrás, Petrobrás, Correios, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil no patrocínio de equipes. Desde 2007, o Brasil mantém a terceira posição no quadro geral dos Jogos Pan-Americanos (Rio 2007, Guadalajara 2011 e Toronto 2015).

Além do apoio financeiro a atletas e equipes, fica como herança a infraestrutura esportiva erguida para abrigar as competições. São centros de treinamento, ginásios, arenas, parques aquáticos e outros espaços que dão o país condições materiais para a formação de atletas, assim como a realização de eventos de alto rendimento. É verdade que essas instalações estão concentradas em sua maioria no Rio de Janeiro, o que cria uma desigualdade no processo de desenvolvimento do setor.

Há, entretanto, legados importantes fora da cidade. Em Santos, litoral de São Paulo, investimentos em espaços para abrigar delegações estrangeiras de judô e natação, por exemplo, vão deixar instalações nessas atividades. Mas é na capital paulista onde está, talvez, a mais emblemática herança dos Jogos Olímpicos do Rio: o Centro Paralímpico.

O Centro Paralímpico de São Paulo tem 95 mil m² de área construída e é apontado como um dos mais modernos do mundo. Segundo o Ministério do Esporte e a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, o centro “segue o conceito de países potência no esporte adaptado, como Ucrânia, China e Coreia do Sul, e é um dos quatro maiores centros de treinamento existentes no mundo”. É o que vai abrigar a maior quantidade de modalidades – 15 no total.

 

MOBILIDADE URBANA

Os Jogos vão deixar algumas marcas na infraestrutura urbana do Rio de Janeiro. Uma das mais significativas deverá ficar com a mobilidade. As competições estão distribuídas em quatro áreas – Zona Barra da Tijuca, Zona Deodoro, Zona Copacabana e Zona Maracanã – distantes, em alguns casos, dezenas de quilômetros entre si. Isso exigiu investimentos em transporte público e em abertura e revitalizações de vias.

Nem tudo, porém, saiu como o prometido. Tida como essencial para os Jogos e citada pelas autoridades como principal legado, a ampliação da Linha 4 do metrô não foi concluída a tempo. A entrega completa da extensão da linha foi adiada para 2018. Parcialmente, ela deve estar funcionando durante os dias de competições, mas só o público com bilhete específico para os Jogos tem acesso ao sistema. O mesmo vai ocorrer com o BRT (sigla para Bus Rapid Transit, corredor exclusivo de ônibus) Transolímpica, entre a Zona Deodoro e a Zona Barra da Tijuca. Já o BRT Transbrasil (Deodoro ao Centro da Cidade) não ficou pronto.

Questiona-se também a ênfase aos investimentos em BRT em detrimento de modais com maior capacidade e menos poluentes, como o próprio metrô e os Veículos Leves sobre Trilhos (VLT). Embora mais baratos e mais rápidos de serem construídos, os BRTs têm prazo de saturação de capacidade menor, ainda mais para grandes distâncias. O BRT Transcarioca, por exemplo, inaugurado para a Copa do Mundo de 2014 e que liga o Aeroporto Internacional Tom Jobim à Zona Oeste, dois anos depois já está marcado pela superlotação dos ônibus e excesso de veículos (para dar conta da demanda) congestionando o corredor.

A ampliação do metrô, modal de maior capacidade e velocidade, foi mínima. Um ramal de VLT até foi implantado, mas percorre um curto trajeto entre a zona portuária revitalizada e a rodoviária do Rio de Janeiro – tem servido mais como um modal para passeio turístico do que para o transporte urbano coletivo. Também não foram feitos investimentos mais significativos no sistema de trens – apenas intervenções pontuais para dar conta do aumento da demanda nas duas semanas de Olimpíada.

 

DESCONFIANÇA

O VLT, aliás, tornou-se mascote de uma modificação importante trazida pelos Jogos: a revitalização da região portuária, às margens da Baía de Guanabara. Da Praça Mauá até a Rodoviária Novo Rio, no lugar de galpões abandonados o que se vê hoje é o surgimento de empreendimentos culturais (como o Museu do Amanhã) e empresariais.

A via elevada Avenida Perimetral foi derrubada e arejou a região. Nos últimos meses, a área virou polo turístico; nos dias dos Jogos Olímpicos, shows e outras atividades são realizados ali – o que deverá ser incorporado à rotina da cidade, depois que a Olimpíada se encerrar.

Os métodos que viabilizaram a revitalização, porém, receberam críticas. De acordo com movimentos sociais, o poder público, em favor da especulação imobiliária, promoveu uma espécie de “higienização”, inviabilizando a permanência na região de moradores de baixa renda, que se viram forçados a migrar para a periferia da cidade.

A especulação imobiliária norteou também obras na região oeste, na Zona da Barra da Tijuca. Lá está a Vila Olímpica, que foi erguida por construtoras privadas ao custo de intervenções urbanas públicas (desapropriações para abertura de vias, por exemplo) que ocasionaram remoções de famílias que ocupavam áreas irregulares. Movimentos de luta por moradia e direitos sociais condenaram a retirada de moradores em nome de uma necessidade de legalização. Não à toa, nesses segmentos os Jogos Olímpicos foram apelidados de “Jogos da Exclusão”.

Pairam no ar, na opinião pública, dúvidas quanto aos reais custos para se viabilizar a Olimpíada no Rio de Janeiro. Corrupção, superfaturamento de obras e aditivos contratuais suspeitos são práticas antigas no Brasil, mas recentemente ganharam maior visibilidade e repercussão. Assim, a desconfiança coletiva em torno de qualquer obra ou investimento – com fundamentação concreta ou não – tem contribuído para tirar o brilho e a empolgação dos brasileiros para com os Jogos Olímpicos.

O não cumprimento de promessas e prazos reforça tal desconfiança. Além das obras de mobilidade urbana inacabadas, ações destacadas pelas autoridades como legado na área de meio ambiente não foram implementadas. Investimentos em saneamento básico para a despoluição da Baía de Guanabara, por exemplo, não se concretizaram.

 

SEGURANÇA PÚBLICA

Em segurança pública, por sinal, o legado esperado é duramente criticado por entidades sociais. Para os que fazem essa crítica, em nome de garantir a ordem, as forças de segurança adotam a truculência e a violação de direitos. “O Brasil repete graves erros na política de segurança pública e no uso da força policial, que se tornaram ainda mais explícitos em grandes eventos como a Copa do Mundo em 2014”, assinala, em texto divulgado em 2 de junho, a Anistia Internacional.

“Em 2009, quando o Rio foi escolhido para sediar as Olimpíadas 2016, as autoridades prometeram melhorar a segurança para toda a população. No entanto, ao longo desse período, 2.500 pessoas foram mortas pela polícia somente na cidade e a justiça foi obtida em uma parcela mínima dos casos”, afirma no texto o diretor executivo da entidade, Atila Roque.

Segundo informações oficiais, 65 mil policiais e 20 mil soldados das Forças Armadas compõem a força de segurança durante a realização dos Jogos Olímpicos. “O plano prevê o envio de parte deste contingente a incursões e operações em favelas, o que no passado resultou em uma extensa lista de violações de direitos humanos, cujas investigações ainda estão em andamento”, acrescenta a Anistia Internacional.

Segundo fontes oficiais, os Jogos Olímpicos Rio 2016 custaram R$ 39 bilhões. Isso equivale ao que Brasil paga, por mês, de juros da dívida.

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