Na cadência bonita do samba de Martinho da Vila e Roberta Sá

Brasil Observer - jun 07 2016
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Em junho, Londres sentirá o gostinho do samba com duas vozes que representam bem o que esse ritmo tem de melhor

 

Por Guilherme Reis

Cantava Dorival Caymmi que quem não gosta de samba bom sujeito não é. Mas até os ruins da cabeça ou doentes do pé hão de convir: o ritmo é a expressão máxima da brasilidade. Como diria Vinícius de Morais, o samba é a tristeza que balança. Quer dizer: a tristeza, inevitável sentimento, pode ser encarada com amor e graça, com cavaco, pandeiro e tamborim.

Martinho da Vila e Roberta Sá, com shows marcados para o final de junho em Londres, representam bem o que o samba tem de melhor: poesia, cadência, inteligência. Nas palavras de Aquiles Reis, vocalista do MPB4 e crítico musical, “Martinho tem em si a força de Zumbi dos Palmares, força que lhe dá assento ao lado de Silas de Oliveira no sagrado panteão do samba”. Sobre Roberta Sá, ele diz que ela “nasceu com o sangue de sambista pulsando em suas veias. Com persistência (sim, persistência, pois o samba requer devoção e amor incondicional), ela terá reservado para si um lugar especial ao lado dos que dedicaram a vida ao gênero”.

Por ordem de chegada: Roberta Sá se apresenta em 26 de junho no Under the Bridge e Martinho da Vila, dia 28 de junho no Barbican Hall. Ambos concederam entrevista exclusiva ao Brasil Observer por e-mail.

“Acho que o samba, a morna e o fado têm um ponto de interseção”, disse Roberta Sá sobre seu mais recente trabalho, o disco Delírio, que traz uma mistura deliciosa de sonoridades do Brasil, Cabo Verde e Portugal. “São gêneros muito diferentes que dialogam entre si. A sonoridade de Delírio tem muito disso. Comecei a olhar para a música de uma forma mais abrangente, na maneira de fazer e onde quero chegar com ela. Por isso o desejo de tocar em outros continentes, de fazer mais essa troca com músicos que acrescentem elementos ao meu universo”, completou.

Naturalmente considerada uma cantora de samba, Roberta Sá argumentou: “se você escutar bem o trabalho dos artistas brasileiros verá que o samba está presente em quase todos os repertórios”. Para ela, “até nos mais eletrônicos, mais modernos, a célula do samba está presente. A raiz é o que faz você voar com segurança. Faço e canto samba porque ainda acho que é, além de tudo, um ritmo democrático. Qualquer classe social entende o samba, é um patrimônio cultural do nosso país, exibe crônicas das mais diversas camadas sociais. Além de ser uma delícia”.

O disco Delírio marca a volta de Roberta Sá ao estúdio depois de três anos e traz no repertório canções inéditas de Adriana Calcanhotto, Moreno Veloso, Rodrigo Maranhão e Cézar Mendes, além de participações de Chico Buarque, António Zambujo, Xande de Pilares e Martinho da Vila.

“O Martinho é um presente na minha vida, de uma suavidade e de um carinho comoventes”, disse Roberta Sá sobre um de seus parceiros em Delírio. Ela contou que a ideia de parceria surgiu durante um encontro dos dois em uma turnê. Na ocasião, Martinho da Vila lhe ofereceu a música “Amanhã é sábado”, posteriormente gravada. Para Roberta Sá, a canção “fala do empoderamento feminino, da mulher que agora é chefe de família, mulher de negócios e chega em casa cansada, pedindo colo”.

“A Roberta é uma grande artista brasileira e está conquistando prestígio internacional”, disse Martinho da Vila sobre Roberta Sá. “Já dividimos palcos muitas vezes e somos fãs mútuos”, completou o sambista.

 

QUEM É BAMBA NÃO BAMBEIA

Para falar de Martinho da Vila, vale um parêntese, pois ele é sem dúvida um dos grandes nomes da música brasileira. Martinho surgiu para o grande público no Festival da Record de 1967, quando apresentou o partido-alto “Menina Moça”. No ano seguinte, na quarta edição do mesmo festival, lançou o clássico “Casa de Bamba”, seu primeiro sucesso, seguido de “O Pequeno Burguês”. Logo se tornou um artista conceituado e ganhou muitos prêmios pela qualidade do conjunto da obra, além de ter sido um dos maiores vendedores de disco no Brasil. Em 1995, com o CD Tá delícia, Tá gostoso, consagrou-se como o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias vendidas em tempo recorde. Agora, ele prepara um novo álbum para o segundo semestre.

Além de artista consagrado, Martinho da Vila tem outras duas vertentes igualmente relevantes: escritor e ativista cultural. Em 2016, lançou seu 14º livro, o romance Barras, vilas e amores, que surgiu a partir de pensamentos sobre política. Martinho estuda Relações Internacionais e por isso criou o personagem de um embaixador que conta suas andanças pelo mundo, inclusive pelo bairro de Vila Isabel, que dá o apelido Da Vila a Martinho. Em 2015, Martinho participou, outra vez, do Salão do Livro de Paris, lançando Os Lusófonos em francês. Em outros anos, as obras Joana e Joanes e Ópera Negra também foram traduzidas para o idioma.

Como ativista cultural, Matinho da Vila promoveu este ano reapresentações do Clube do Samba, iniciativa criada no final da década de 1970 por João Nogueira, outro sambista de renome, que visava valorizar esse gênero musical em um cenário de domínio da música estrangeira. Ao Brasil Observer, Martinho disse: “fizemos quatro edições comemorativas para manter viva a memória do movimento que foi muito importante. Outras edições são possíveis, mas depende de patrocínio”.

 

‘ROUPA SUJA SE LAVA EM CASA’

Muitos artistas têm se posicionado diante da crise política do Brasil. Por isso, pedi a opinião de ambos a respeito. Algo chato, sim, mas relevante.

Roberta Sá respondeu: “Eu tomo muito cuidado pra falar sobre esse assunto. A sensação é que todo mundo agora sabe tudo sobre política e eu acho isso perigoso. A divisão do país está clara e vejo, em ambos os lados, uma agressividade exacerbada que não me representa. Precisamos rever muitas coisas, a começar pelo nosso sistema eleitoral arcaico. As fortunas das campanhas eleitorais elegem os nossos representantes em todas as escalas do poder. Aí manter essa a engrenagem política funcionando a qualquer preço é muito mais importante do que investir em saúde, educação, cultura, saneamento básico, moradia. Eu, que não entendo muito do assunto, infelizmente não vejo solução em curto prazo”.

Martinho da Vila foi curto e grosso: “Não me sentiria bem falando à imprensa internacional sobre o escandaloso momento político brasileiro. Estou envergonhado e sigo o dito popular: roupa suja se lava em casa”.

 

NO PALCO EM LONDRES

Os shows de artistas brasileiros no exterior são muito diferentes dos que acontecem no Brasil. A plateia, na maioria dos casos formada por várias nacionalidades, é geralmente mais quieta, e o foco é todo direcionado para a música. O que Martinho da Vila e Roberta Sá acham disso?

“Eu acho maravilhoso”, disse Roberta Sá. “É importante e delicioso o calor do público, a alegria, mas também é essencial esse outro lado, de saber ouvir uma canção e entrar em contato com outras emoções”.

Para Martinho da Vila, “os que estão no palco é que determinam o comportamento do público”. “Pretendo fazer um show para ser ouvido, apreciado e interativo. O importante é emocionar”, disse o cantor.

Não é difícil imaginar: Londres vai se engrandecer na cadência bonita do samba de Martinho da Vila e Roberta Sá.


ROBERTA SÁ

Quando: 26 de junho

Onde: Under the Bridge (Fulham Road, London SW6 1HS)

Entrada: £25

Info: www.underthebridge.co.uk

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MARTINHO DA VILA

Quando: 28 de junho

Onde: Barbican Hall (Silk Street, London EC2Y 8DS)

Entrada: £25-45

Info: www.barbican.org.uk