Lentes no coração do Brasil

Brasil Observer - mar 11 2016
Two Matis warriors demonstrate the use of blowpipes, their traditional hunting weapon, during the International Indigenous Games, in the city of Palmas, Tocantins State, Brazil. Photo © Sue Cunningham, pictures@scphotographic.com 27th October 2015
Primeiro Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (Foto: Sue Cunningham)

(Read in English)

 

Exposição fotográfica de Sue Cunningham revela nova perspectiva sobre comunidades indígenas do Brasil e do mundo

 

Por Gabriela Lobianco

A Embaixada do Brasil em Londres abre ao público uma nova exposição da fotógrafa inglesa Sue Cunningham, de 4 a 24 de março, na Sala Brasil, em sua sede no Reino Unido. Com mais de 30 anos dedicados a fotografar a cultura indígena, principalmente no Brasil e no Peru, Sue retorna ao tema que a consagrou, dando sequência à série In the Heart of Brazil.

Em 2007, ela e o marido, Patrick Cunningham, navegaram 2,5 mil quilômetros pelo Rio Xingu para registrar a harmonia de um povo que respeita a natureza e vive em paz. Neste novo projeto, Sue eternizou com seus cliques a primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, evento que aconteceu nos meses de outubro e novembro de 2015 em Palmas, no Tocantins, e reuniu mais de dois mil atletas de 30 países.

Dona do maior arquivo fotográfico sobre o Brasil fora do país, Sue Cunningham conversou com o Brasil Observer sobre sua nova exposição, passando pela ameaça que a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte representa para os povos indígenas da região e pelo trabalho do diretor de cinema Takumã Kuikuro, cujo documentário London as a Village foi recentemente apresentado ao público em Londres.

 

O que se pode esperar de sua nova exposição?

Uma explosão de cores. O público vai se surpreender com a diversidade de culturas indígenas de todas as partes do mundo, mas especialmente a variedade de etnias do Brasil. Vai poder ver a vibração dos povos tribais, suas tradições e heranças culturais. Espero que os visitantes brasileiros sintam que a força de sua herança indígena é algo do que se orgulhar.

 

Pode nos contar sobre o processo desse novo trabalho?

Passamos dez dias em Palmas, Tocantins, onde aconteceu o primeiro Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Ficamos maravilhados em ver a alegria com que os mais de cinco mil espectadores não-indígenas apoiaram os povos de vários lugares, especialmente do Brasil. Muitas das pessoas que eu fotografei me pediram para mostrar aquele momento para o mundo, então é isso que estou fazendo aqui em Londres.

Quando saímos de lá, dirigimos pelo estado do Tocantins em direção ao Pará e Mato Grosso, por uma estrada que passa pela Reserva Indígena Megranoti, um gigantesco território ocupado pelo povo Kayapó. Chegamos então ao Rio Xingu, um lugar que não visitávamos desde nossa expedição de seis meses em 2007. Foi uma experiência muito emocionante, como rever um grande amigo depois de muitos anos. De lá fomos visitar uma escola secundária indígena dentro da reserva, pois nos pediram para ajudar na reconstrução de uma acomodação estudantil – que é a atual prioridade da Tribes Alive, organização que administramos.

Depois disso voltamos para o Reino Unido. Desde então estamos planejando e montando a exposição. É muito bom vê-la virar realidade.

 

Dada a sua experiência com os povos indígenas do Xingu, como você acha que será quando terminar a construção da usina de Belo Monte? Quais são as principais ameaças? Há alguma saída?

Parece que não há saída; o reservatório está sendo cheio neste exato momento e a primeira turbina logo estará funcionando. O Brasil é capaz de aproveitar fontes alternativas de energia – há tanto sol e vento; o Brasil deveria estar liderando o desenvolvimento dessas tecnologias!

Visitamos as comunidades tribais que estão na linha de frente à usina de Belo Monte. Elas já estão sob imensa pressão; seus territórios foram invadidos, seu rio já está poluído e logo se tornará intransponível, e suas tradições e culturas estão sendo destruídas. O ecossistema que têm suportado esses povos por milênios foram revirados de cabeça para baixo, fazendo com eles dependam do dinheiro proveniente do consórcio responsável pela usina, que eventualmente deixará de existir, deixando-os sem meios de se alimentar e se sustentar com dignidade.

A maior ameaça, porém, vem da chagada de 100 mil migrantes atraídos pela promessa de trabalho no projeto de construção da usina. Quando a usina estiver finalizada, essas pessoas ficarão sem emprego, sem alternativa a não ser encontrar um pedaço de terra onde plantar alimento para suas famílias. As ‘melhorias’ no transporte oferecem fácil acesso aos territórios indígenas, então as invasões serão logo um grande problema.

O consórcio da usina e o governo pensam que é justo dar alguns milhares de reais em ‘compensação’, mas como compensar uma comunidade que sempre se alimentou e viveu da floresta, sobrevivendo – de maneira próspera – sem a necessidade de dinheiro? Se você destrói a floresta e o rio, você destrói seus meios de subsistência, tira deles sua independência e varre suas tradições e culturas. Não há como compensar isso.

 

O que você achou do documentário de Takumã Kuikuro, London as a Village, recentemente apresentado na Embaixada do Brasil?

Visitamos a aldeia de Takumã durante nossa expedição pelo Rio Xingu e temos acompanhado sua carreira desde então. Ele é uma grande pessoa, com um olhar único. Sua visão de Londres tem um nível de sensibilidade que muitos podem achar surpreendente, principalmente levando em consideração que ele só passou a falar português depois dos 18 anos, e que ele nunca havia saído de sua reserva indígena até os 12. Ele é um diretor de cinema talentoso, muito batalhador, com uma concepção muito clara sobre o que ele pretende alcançar. De muitas formas ele é bastante global, mas só se sente realmente à vontade em sua aldeia no Xingu, fazendo filmes sobre seu povo, reforçando a importância de sua cultura. Takumã representa a inteligência e a espiritualidade de seu povo.

Enquanto ele estava filmando em Londres, Takumã ficou impressionado com as similaridades dos problemas que encontrou entre as pequenas comunidades daqui – como as pessoas que vivem em barcos no Rio Tâmisa – com o que seu povo enfrenta no Brasil, as ameaças afetando comunidades indígenas e a luta para manter seus lares e futuros.

 

O que se pode aprender com a cultura indígena do Brasil?

Primeiramente esta pergunta precisa ser feita no plural. Com cerca de 120 línguas indígenas ainda existentes no país, cada uma com sua própria etnicidade e cultura, há mais dinamismo cultural no Brasil do que aqui. O respeito pelos valores de outras populações seria um bom começo.

O que mais podemos aprender? O tempo que eu passei no Xingu me fez entender que nosso materialismo industrial é incompatível com o futuro bem-estar da humanidade, pelo menos da forma como acontece hoje. Em uma aldeia indígena você não consegue dizer qual casa pertence ao chefe da família, pois não se tem vantagem material. As populações indígenas simplesmente não desperdiçam nada, e a pequena quantidade de borracha que eles produzem para seu modo de vida tradicional é completamente degradável – embora isso tenha mudado à medida que eles começam a usar bens manufaturados. Eles têm uma ligação espiritual com o meio ambiente, por isso eles não toleram tirar nada além do que eles precisam da floresta. Seria bom se fizéssemos o mesmo. Poderíamos deixar mais recursos naturais para as gerações futuras.

Em poucas palavras, poderíamos reaprender com eles tudo aquilo que esquecemos. Eles dizem “vivemos todos em uma terra, respiramos um ar e bebemos uma água; tentamos devolver o conhecimento de que estamos vivos, de que o planeta está vivo, porque vocês esqueceram”.

IN THE HEART OF BRAZIL

Quando: 4 a 24 de março (segunda a sexta, das 11am às 6pm)

Onde: Sala Brasil (14-16 Cockspur Street, London SW1Y 5BL)

Entrada: Gratuita