O novo perfil do brasileiro no UK

brasilobserver - dez 25 2015
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Brazil Day 2015 na Trafalgar Square (Foto: Simon Richardson/Embassy of Brazil in London)

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Estudo evidencia predominância de brasileiros que têm fincado raízes em território britânico, constituindo família e conseguindo ascender socialmente

 

O que antes era apenas uma percepção, agora é fato: o perfil do brasileiro que vive no Reino Unido mudou. É o que aponta o mais amplo estudo já realizado sobre imigrantes brasileiros em solo britânico, ‘Diversidades de Oportunidades: Brasileir@s no Reino Unido, 2013-2014’.

Conduzido por cinco pesquisadores do Grupo de Estudos sobre Brasileiros no Reino Unido (GEB), o relatório traz entre as principais conclusões a constatação de que a maioria dos brasileiros no país tem nível superior completo (29%) e decidiu emigrar em busca de “experiência de vida” (34%), e não apenas para “ganhar dinheiro e voltar para o Brasil” (17%).

Não existe, porém, um único perfil de brasileiros no Reino Unido, afirmou ao Brasil Observer a doutora Yara Evans, pesquisadora visitante da Queen Mary (University of London) e uma das autoras da pesquisa.

“A comunidade brasileira é diversificada, mas num passado recente, entre quinze e dez anos atrás, talvez predominassem brasileiros que vinham para cá em busca de oportunidades econômicas. Ou seja, brasileiros que vinham para trabalhar e se capitalizar, economizando para investir de algum modo no Brasil e para lá retornar após alguns anos. O que o último relatório do GEB evidencia é uma predominância de brasileiros que têm fincado raízes no Reino Unido, vivendo aqui por vários anos, constituindo família e conseguindo ascender socialmente”, explicou a doutora Evans.

Entre as possíveis explicações apontadas para tal mudança estão a ascensão de uma nova classe média no Brasil, a chamada classe C, e o maior controle de imigração por parte do governo britânico nos últimos anos. Além disso, a expansão do ensino superior brasileiro – quase três quartos dos entrevistados (73%) afirmaram ter pelo menos começado a cursar nível superior no Brasil antes de emigrar para o Reino Unido.

 

A COMUNIDADE

Os dados da pesquisa foram coletados entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014 por meio de um questionário. Ao todo foram preenchidos 700 questionários válidos, que estavam disponíveis na internet e em estabelecimentos que oferecem serviços a brasileiros, como representações diplomáticas, por exemplo. Puderam participar do estudo apenas os adultos que nasceram no Brasil e que estivessem residindo no Reino Unido havia pelo menos seis meses da data de início da pesquisa.

Apesar de ser a maior amostragem já obtida, os resultados não podem ser considerados representativos da comunidade brasileira como um todo, uma vez que não se conhece o tamanho real dessa comunidade no Reino Unido, estimada entre 80 mil e 300 mil pessoas, incluindo aquelas que possuem dupla cidadania ou estão em situação irregular – a imensa maioria vive na Inglaterra (98.4%), especialmente em Londres.

De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores, quase 120 mil brasileiros residiam no Reino Unido no ano de 2012, o que coloca o país como terceiro destino atualmente mais procurado por brasileiros na Europa, atrás apenas de Portugal (140 mil) e Espanha (128 mil).

Segundo o último Censo britânico, porém, moravam no Reino Unido em 2011 pouco mais de 52 mil brasileiros – uma alta significativa em comparação com 2001, quando eram apenas 8 mil os brasileiro no país.

De qualquer maneira, dado o número expressivo de participantes do levantamento, pode-se afirmar que os resultados são indicativos das características e experiências de muitos brasileiros no Reino Unido.

Quase a metade da amostragem de brasileiros pesquisados tinha entre 30 e 39 anos na época da pesquisa; cerca de dois terços (67%) eram casados ou estavam convivendo com alguém; menos da metade (45%) declarou ter filhos; e a maioria nasceu ou teve como último local de residência o estado de São Paulo (entre 31% e 35%), seguido de Minas Gerais (entre 11.7% e 12.3%) e do Rio de Janeiro (entre 10.6% e 11%).

 

SITUAÇÃO IMIGRATÓRIA

Neste quesito em particular, o relatório do GEB pontua que “as leis de imigração no Reino Unido têm mudado constantemente ao longo da última década com o intuito de enrijecer o controle imigratório de estrangeiros oriundos de países que não pertencem à Comunidade Europeia. Tais mudanças tem dado origem a uma vasta gama de tipos de vistos que, por sua vez, produzem complexas situações imigratórias. Contudo, apenas uma pequena proporção de tais vistos se aplica ao caso da maioria dos brasileiros que são admitidos ao Reino Unido”.

No momento da pesquisa, os brasileiros que reportaram possuir passaporte europeu por descendência eram maioria (34%). A esse grupo seguiam os brasileiros que reportaram possuir um passaporte europeu por união (22%). Proporções semelhantes de brasileiros reportaram possuir o visto de tempo indefinido (11%) e o visto de trabalho/residência (11% em cada caso). Em proporções menores, observam-se os grupos de brasileiros que à época do estudo possuíam o visto de estudante (8%), os que declararam terem obtido cidadania britânica por tempo de permanência (5%) e os que possuíam um visto de turista (1%). Uma pequena minoria declarou estar vivendo no país sem visto (5%), e ainda outro grupo reduzido reportou outro tipo de situação imigratória (4%).

Em termos do tempo de permanência, a maioria já residia no Reino Unido por vários anos. Quase dois terços (64%) residiam no país há mais de cinco anos na época do estudo. Destes a maior parcela é a de brasileiros que residiam no Reino Unido entre 5 e 10 anos (35%), seguida do grupo dos que residiam entre 10 e 20 anos (24%). Dos que residiam por menos tempo no Reino Unido, destacam-se as que residiam entre 1 e 5 anos, constituindo o segundo maior contingente da amostragem (27%). As menores parcelas foram as das que haviam chegado ao Reino Unido nos últimos doze meses (7%), e as que aí residiam há mais de 20 anos (5%).

 

VIDA ECONÔMICA

O estudo indagou sobre as atividades exercidas pelos brasileiros no Brasil antes de emigrarem e constatou que quase dois terços dos pesquisados (68%) havia trabalhado antes de deixarem o país de origem, seguidos de pouco mais de um quarto (26%) que declarou ser estudante na época.

Sobre as atividades exercidas no Reino Unido durante o período da pesquisa, pouco mais da metade dedicava-se integralmente a uma atividade remunerada. Quase um quarto (22%) trabalhava e estudava. Uma minoria (14%) declarou não exercer atividade remunerada alguma, e outro grupo (12%) declarou dedicar-se integralmente aos estudos.

Um quarto dos entrevistados exercia atividades relacionadas ao setor de negócios/administração, seguido por serviços ao consumidor (12,2%) e limpeza (11.9%). Grupos menores reportaram exercer atividades nos setores de educação (8.5%), saúde (7.4%) e construção (2.3%). Uma minoria (3.7%) não declarou a atividade que exercia, mas uma proporção importante (12.1%) reportou exercer atividades em outro setor.

Dos pesquisados que declararam estar trabalhando e estudando no Reino Unido, 41.6% eram estudantes de graduação, enquanto 30.7% eram estudantes de pós-graduação e 27.5% eram estudantes de curso de inglês. Dos pesquisados que declararam não estar trabalhando durante o período do estudo, a grande maioria (77%) era dependente do cônjuge. Outros grupos declararam depender de renda advinda do Brasil (1.1%) ou de bolsa de estudo (3%), ou ainda depender de outra fonte (1.9%).

 

VIDA SOCIAL

O estudo revelou também que a vida social dos pesquisados gira normalmente em torno de atividades direcionadas a não-brasileiros ou praticadas em ambientes não-brasileiros, sendo que as principais exceções são participação em atividades religiosas e reuniões em casa.

Quase metade não manifestou preferência por relacionar com brasileiros ou não-brasileiros, mas um terço preferia relacionar-se somente com não-brasileiros, e um quinto preferia relacionar-se apenas com brasileiros.

A grande maioria mantém contato frequente (diário/semanal) com família e amigos no Brasil, sendo o Skype o meio mais utilizado, seguido pela comunicação por telefone. Apenas uma minoria, embora importante (cerca de um quarto dos pesquisados), enviava dinheiro para o Brasil.

Em termos de planos para o futuro, o estudo revelou um fragmentado quadro. Cerca de um terço afirmou não ter intenção de morar mais no Brasil, enquanto outro terço pretendia voltar a residir no Brasil, e pouco mais de um terço mostrou-se indeciso quanto a voltar a viver no Brasil.

O custo de vida (50%) e a solidão (28%) foram apontados como as principais dificuldades do cotidiano. Língua (26%), moradia (25%) e integração à sociedade britânica (23%) também foram mencionadas.

 

Manter mesmo nível social é um dos principais desafios do imigrante

Mesmo com nível educacional mais alto, nem sempre o imigrante brasileiro consegue manter no Reino Unido o nível social que tinha no Brasil. Salvo em situações em que chega ao país com emprego garantindo em sua área de atuação, o brasileiro aqui quase sempre experimenta uma situação de “descenção social”, como classificam os especialistas.

“A descenção ocorre, sobretudo, por causa da falta de conhecimento ou domínio da língua inglesa, e não é experiência exclusiva de brasileiros, ocorre em vários outros grupos de imigrantes”, afirmou Yara Evans.

“Assim, mesmo que tenham obtido um alto grau de qualificação no Brasil (por exemplo, nível universitário e pós-graduação), se esses brasileiros que aqui chegam não tiverem suficiente domínio do idioma, perceberão imediatamente que é muito difícil competirem num mercado aberto de trabalho onde competem também pessoas de todos os países do mundo, inclusive aqueles onde o inglês é a primeira língua (por exemplo, Estados Unidos, Canadá, Austrália etc.)”, completou uma das autoras do estudo.

Evans lembra ainda que outros fatores podem pesar, como tempo de trabalho na área e nível de capacitação. “Enquanto não cumprem tais requisitos, resta aos brasileiros a solução mais imediata que é trabalhar nos chamados ‘sub-empregos’, que aqui envolvem sobretudo atividades como garçons/garçonetes, lava-pratos, motoboys, peões de obras (homens sobretudo), faxineiras e babás (sobretudo mulheres)”.

“Contudo”, ressalva Evans, “dado o tamanho da comunidade no Reino Unido, há muitas oportunidades de emprego em serviços voltados exclusivamente para brasileiros e outros grupos de imigrantes que se comunicam em português, como por exemplo, estética pessoal, serviço de preparo e entrega de comida a domicilio, comércio de produtos brasileiros, serviços jurídicos, serviços de transporte, que podem propiciar a manutenção aqui do mesmo status social que ocupavam no Brasil”.

BRASIL OBSERVER #34