Fim de uma era?

brasilobserver - dez 25 2015
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Por Christian Laloe

O ano de 2015 ficará marcado na história do Brasil pela profunda incerteza política e econômica. Pouco mais de um ano após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, o país experimenta uma paralisação política associada ao agravamento da crise econômica que parece não ter fim. O PIB deste ano deve encolher por volta de 3%, ou seja, dois anos seguidos de crescimento negativo, o que não acontece no Brasil desde 1930. 

Apesar da incerteza no Brasil e no mundo, estou convicto de que grande parte da população, em seu inconsciente, está certa de que mudanças estruturais estão acontecendo e irão continuar a acontecer por algum tempo. Gosto de caracterizar o que estamos vivendo como “interregnum”, período de vácuo na história em que sabemos que o “velho” morreu e não voltará, mas no qual o “novo” ainda não emergiu de forma clara, nos deixando com pouca visibilidade de como será daqui para frente.

Alguns períodos de “interregnum” foram marcantes, como a morte do imperador Qin, na China, e a ascensão de Li Bang, entre 206-202 AC, dando início à Dinastia Han, que durou quase 500 anos. Estudando a história hoje, esses períodos parecem normais e previsíveis, mas com certeza foram bem menos óbvios e pacíficos para quem os viveu.

A grande questão que muitos se fazem hoje é se o que irá emergir será uma continuidade do que já vivemos desde o pós-guerra, ou seja, a mesma sociedade baseada em crédito e consumo e que de certa maneira mantém a mesma organização do trabalho, ou se estamos de fato no fim de uma era (que começou na Revolução Industrial). Os estímulos monetários desde a crise de 2008 via bancos centrais dos Estados Unidos, Europa, Japão, Inglaterra e China, associados a um crescimento exponencial da tecnologia, fizeram com que a organização da sociedade e dos meios de produção fosse revista. Este processo está em andamento acelerado e acredito que conheceremos um novo modelo muito em breve.

E o que me chama muito a atenção é que esse vácuo que o mundo vive é múltiplo, pois existe na política, na geopolítica e na economia mundial.

Retomando uma ideia de Marx (que se baseou em estudos de David Ricardo e Adam Smith): a infraestrutura econômica determina a superestrutura, ou seja, a forma como o sistema de produção é organizado determina quem estará no poder. Durante todo o século 20, tivemos estruturas piramidais com grandes empresas, chefes e hierarquias bem definidas. A globalização muda isso, fazendo com que essas estruturas sejam mais flexíveis, totalmente horizontais.

Parece ser um fenômeno muito interessante causado principalmente pela revolução tecnológica e da comunicação que começou na década de 1990. A sociedade vem evoluindo muito mais rapidamente do que a política, que continua antiquada e engessada. Tal processo leva à falta de representatividade dos governantes. Nunca as pessoas se sentiram tão mal representadas – fato mais visível nas democracias provavelmente por causa de uma agenda eleitoral pré-definida que faz com o que o político seja mais um profissional do que um representante do interesse coletivo.

Olhando com mais cuidado, vemos que alguns líderes têm seguido um roteiro populista bastante claro, seja na Rússia, com um discurso de resgate do Grande Império, ou na China de Xi Jinping, que é considerado o líder mais popular desde Mao. Mais recentemente, na Turquia, tivemos a reeleição do presidente Erdogan, que conseguiu reverter na última hora um cenário adverso, de acordo com as pesquisas eleitorais. Estamos assistindo a uma instalação de governos populistas em países emergentes e eventualmente de governos mais extremistas em países desenvolvidos?

Do ponto de vista geopolítico, o vácuo e a incerteza não são menos preocupantes. É notório o que acontece no Oriente Médio: uma guerra implacável entre xiitas e sunitas que vai do Iêmen à Turquia e que irá redefinir as fronteiras da região nos próximos 20 anos – consequência direta de uma ruptura forçada e fracassada do Império Otomano imposta por uma briga de influências de países europeus na região. Essas mudanças fazem com que a relação da maioria dos países daquela região com os países ocidentais passe por uma bastante provável revisão.

No Brasil, temos uma democracia jovem com algumas doenças de país velho. Temos muito a fazer nas áreas da saúde, educação e segurança pública. Temos uma estrutura de governo inchada com gastos públicos maiores do que o país pode suportar, além de uma população em processo de envelhecimento. Na frente econômica, estamos também pagando por erros que cometemos em um passado recente e torcendo para que a lucidez faça com que reencontremos o equilíbrio nas contas públicas, retomando assim confiança, poder de investimento e capacidade de crescimento. Não sei quando e como chegaremos lá, mas tenho uma forte convicção de que chegaremos. Mas, afinal, como ter tal convicção?

Para os mais observadores, 2015 foi um ano no mínimo extraordinário em vários aspectos. O principal deles é que, até agora, ao longo da consolidação do nosso processo democrático, temos conseguido criar e preservar instituições sólidas que ficarão ainda mais sólidas e estabelecidas conforme a democracia for amadurecendo. Este é um processo demorado e às vezes doloroso, mas é o único certo e perene.

Em particular, o trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal é de dar inveja aos nossos vizinhos sul-americanos. Não há sinal maior do que este a indicar que o país está avançando, sim, na direção correta.

É muito fácil, em conversas com amigos, ser pessimista, achar que amanhã será pior do que hoje. Quem se esqueceu da grande fome na China entre 1958 e 1961, que matou 15 milhões de pessoas? Hoje a China é a segunda economia mundial. Será que aqueles que eram crianças na época achavam que iriam viver na grande nação que a China se transformou? A mesma analogia pode ser feita com Japão e Alemanha.

Portanto, precisamos ter coragem de ousar, transformar ou repensar o que já está feito. A hora de fazer é agora. O Brasil já conheceu situações semelhantes ou piores em sua história e conseguiu se restabelecer. Tais mudanças só dependem da vontade da sociedade em querer evoluir.

 

  • Christian Laloe é profissional do mercado financeiro. Trabalhou por 20 anos na área internacional de várias instituições de renome. Engenheiro de formação, acompanha o trabalho de alguns Think Tanks na Europa e no Brasil.

BRASIL OBSERVER #34