‘Fazer arte no Brasil é um trabalho de resistência’

brasilobserver - abr 14 2015
BO_21

(Read in English)

Com show marcado para o dia 24 de abril em Londres, Emicida concede entrevista exclusiva ao Brasil Observer sobre sua música, seu modo de enxergar o rap nacional e não foge da raia quando o tema é o momento político vivido pelo país

 

Por Gabriela Lobianco

Londres não tem do que reclamar quando o assunto é música brasileira. Afinal, a cidade virou parada obrigatória na turnê dos principais artistas do Brasil, tanto os contemporâneos quanto os da velha guarda. Neste mês, quem se apresenta na capital é Leandro Roque de Oliveira, mais conhecido como Emicida, figura de ‘responsa’ do rap nacional.

Calejado nas batalhas de rimas de São Paulo, Emicida vendeu muitos mixtapes de mão em mão até alcançar os holofotes. E fez isso graças ao som melodicamente diverso e progressivo que produz. Seu mais recente álbum, ‘O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui’, mistura rap com samba, soul e funk, por exemplo, dando às letras político-sociais uma abrangência ainda maior perante o público.

Nesta entrevista, Emicida fala da expectativa para sua segunda visita a Londres, das dificuldades de se fazer arte no Brasil, da cara do rap nacional e, sem se esquivar, mostra o tom político de sua obra.

Aperta o play e boa leitura!

 

Em abril você se apresenta em Londres pela segunda vez. Como aconteceu o convite e quais suas expectativas?

A gente já estava com algumas datas pela Europa e conseguiu colocar Londres na agenda. É um lugar que a gente visita pouco se for comparar com Berlim e Lisboa. Londres tem uma cena interessante, gosto muito de grime, de dubstep. Minha expectativa é levar algumas dessas pessoas para ver a fusão que a gente faz entre música brasileira e coisas que vieram do hemisfério Norte. Além de poder dar uma mergulhada nessa cena aí que me interessa bastante.

 

Você sente que seu trabalho é bastante conhecido na Europa? E na Inglaterra? Que tipo de público espera no show?

Acho que ainda tem muito trabalho para fazer, se a intenção é se tornar mais conhecido no continente europeu. A gente tem que trabalhar muito com a atmosfera da música e com o impacto da performance; foi assim na Dinamarca, na Suíça, na Alemanha, onde o idioma é completamente diferente. A gente recebe um público bem variado. Vai uma rapaziada que gosta de rap, um pessoal que gosta do Brasil. O Brasil tem essa benção das pessoas gostarem muito da música brasileira e ficarem interessadas em fugir do estereótipo.

 

O preço do ingresso para o show em Londres é a partir de 15 libras. No ano passado, você fez um show em São Paulo em que o valor máximo da entrada ficou em 50 reais. O que acha dos preços de eventos culturais em geral no Brasil?

Primeiro que sem viver em Londres não posso dar um parecer se 15 libras é um dinheiro alto ou um dinheiro baixo. Mas o que acontece no Brasil é o seguinte: a cultura é elitizada. Quando as pessoas têm a oportunidade de subir o preço, elas fazem isso, infelizmente. Fazer arte no Brasil é um trabalho de resistência. E não estou falando somente do grupo ao qual pertenço. Estou falando da cultura em geral, até dos artistas do mainstream. Às vezes você tem um mega espetáculo e, para fazer com que aquilo se mova, é preciso cobrar um pouco mais caro o ingresso. A gente se esforça para fazer essa conta fechar de uma maneira que todos saiam satisfeitos. Essa luta de um espetáculo bacana por um preço acessível a gente encampa. Mas é muito difícil. Algumas coisas já estão estabelecidas há muito tempo e as pessoas de certa maneira tem o hábito burro de pensar que se uma coisa é cara automaticamente é boa. Isso não é verdade.

 

Faz dois anos desde o lançamento de ‘O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui’. Sai projeto novo em 2015?

Tenho gravado de uma maneira bem exaustiva. Estou morando no estúdio praticamente. A gente quer colocar um novo projeto na rua agora em 2015, que passa por países da África e finaliza com gravações aqui no Brasil. Tudo isso dará origem ao novo projeto que o nome ainda não está definido. É um casamento e uma volta às origens para mim e para todas as pessoas que trabalham comigo.

 

‘O Glorioso Retorno…’ foi seu primeiro trabalho em estúdio. O que amadureceu nele desde ‘Triunfo’, seu primeiro hit?

Muita coisa mudou. A gente está falando de um hiato de quase dez anos. Minha cabeça mudou com as experiências que eu tive, que quando morava numa favela não tinha. Aquilo era como uma prisão. A minha visão ficava centrada na realidade em que eu vivia. ‘Triunfo’ é de alguém que tem seus vinte e poucos. O ‘Glorioso’ já é a perspectiva de alguém que está perto dos trinta. Tem teclas que eu acho que é importante continuar batendo, tem outras que eu acho que é legal puxar para outro tom. Nem chamaria ‘Triunfo’ de hit. Um hit é uma música que tocou muito no rádio. ‘Triunfo’, se foi um hit, foi subterrâneo, uma injeção de auto-estima para quem ama o rap, para quem sentiu na música que a parada não estava para baixo.

 

As participações especiais desse álbum são de nomes como Rael, Pitty, MC Guime, Juçara Marçal, Fabiana Cozza, Quinteto em Branco e Preto, Wilson das Neves… São artistas de estilos bem diferentes. Acredita que suas influências são ecléticas?

O brasileiro é eclético. Não é o Emicida que é eclético. A segregação em nosso país é tão agressiva que as pessoas falam das outras como se os universos não se cruzassem no dia-a-dia. Eu cresci com pagodeiros, roqueiros, skatistas, viados… Estava todo mundo na rua, todo mundo se conectando, trocando ideia, falando de vários universos. O que me trouxe aqui foi esse compêndio de várias influências, de vários tipos e trocas, vários conflitos. Independentemente de a Fabiana Cozza e o MC Guime terem caminhos opostos, vejo o coração dos dois na música deles. E gosto quando a gente pode sincronizar as coisas de uma forma que o coração deles vem bater junto na minha música. Ambos têm as verdades deles e eu acrescento a minha, assim a gente conta uma história de verdade, mostrando uma pluralidade que nossa televisão não tem; nosso rádio não tem; nosso entretenimento não tem.

 

Com quem mais você gostaria de fazer parcerias?

Admiro uma pá de artista. Djavan… Tem uma menina aqui da América Latina, a porto-riquenha Calma Carmona. A Nneka, que é da Nigéria, e mora nos Estados Unidos. Tem uma menina em Portugal chamada Capicua, ela é bem bacana também. Fora os caras mais tradicionais. Eu gosto muito da música tradicional dos lugares. Nesse próximo trabalho eu pude pescar alguma coisa ou outra dos lugares que a gente passou em Cabo Verde e Angola. Tenho muito interesse pela música que era feita antes de eu chegar aqui. Se eu for falar de artistas brasileiros, tem uma lista grande demais. É melhor pular.

 

Qual é a cara do rap brasileiro hoje em dia?

Não acho que a gente tenha que bater nessa tecla de qual é a cara da música que a gente faz. Acho que se tem uma coisa que a gente aprendeu é que o hip-hop é uma cultura plural. Você vai encontrar vários tipos de música, artista, estilo. Talvez o mercado abrace um determinado tipo de rap que não é o rap que é feito em sua maioria no país. Isso é importante pontuar: o mercado e o movimento podem se desencontrar e encontrar. No Brasil, temos uma gama muito grande de estilos. É semelhante aos Estados Unidos, aonde você tem saudosistas, nostálgicos, modernos, hipsters. O hip-hop está plural.

 

O que você acha do cenário político que o Brasil vive no momento, com as manifestações do grupo Vem Pra Rua?

É um momento delicadíssimo. Concordo muito com o Eduardo Galeano quando ele fala que a esquerda apanha quando erra e apanha quando acerta. Essa luta por um terceiro turno no Brasil mostra que realmente algumas chaves da estrutura social brasileira estão girando e isso desagrada uma parcela da população que é pequena, mas que tem o controle dos meios de comunicação. A gente sabe que no Brasil a comunicação está nas mãos de quatro, cinco, seis famílias. Não muda desde sempre. Acho que o povo tem que ir para rua, tem que protestar, tem que bater… Meu questionamento é que São Paulo está sem água, e o Geraldo Alckmin não sai na capa dos jornais. O mensalão saiu na capa do jornal, mas o cartel do metrô, a lista do HSBC, todo mundo fala baixinho. Isso me preocupa. Não me identifiquei com o Vem Pra Rua porque era uma campanha da Fiat. Como que um jingle vai dar força para a população lutar por melhora? Um bagulho que é feito estritamente para consumo?

 

EMICIDA

Quando: 24 de abril – 8pm

Onde: Rich Mix (35-47 Bethnal Green Road)

Ingresso: £18, £15 antecipado

Info: www.comono.co.uk/la-linea

 

BRASIL OBSERVER – EDIÇÃO 26