Petrobras na encruzilhada

brasilobserver - fev 22 2015
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Crimes investigados pela Lava Jato desviaram ao menos R$ 2,1 bilhões da Petrobras, segundo Ministério Público Federal (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

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Assolada pela corrupção, maior empresa do país tem diante de si o desafio de continuar sendo o motor do desenvolvimento

Por Roberto Rockmann

A Petrobras vive a mais grave crise de sua história. O desenrolar da operação Lava Jato e as denúncias de corrupção no Brasil e no exterior têm atrasado pagamentos a fornecedores, dificultado a assinatura de aditivos contratuais e posto em dúvida metas de produção da maior empresa brasileira, que responde por cerca de 10% do PIB e da taxa de investimentos do país e 5% da arrecadação de impostos. As incertezas se somam à pressão de grupos econômicos para mudar as regras de produção de petróleo no pré-sal – como o regime de partilha e as regras de conteúdo nacional.

O impacto da operação da Polícia Federal (PF) e das investigações em curso nos Estados Unidos e na Europa sobre a empresa ainda é incerto, mas, passada a tempestade, a Petrobras continuará sendo a principal empresa brasileira, com uma promissora carteira de projetos, depois de ter realizado uma das maiores descobertas de petróleo no mundo das últimas três décadas no hemisfério ocidental.

O peso da estatal na economia é brutal. Em 2000, o setor de petróleo, em que a Petrobras é a principal força com mais de 90% dos negócios na área, respondia por 3% do PIB. Hoje responde por 13% e poderia atingir 20% em 2020. A empresa gasta cerca de R$ 100 bilhões por ano em aquisição de equipamentos e bens. Segundo dados do Dieese, somente em 2013 a empresa gastou, em média, R$ 383 milhões diários em compras de equipamentos e em obras.

Hoje a Petrobras está envolvida em uma série de investigações, no Brasil e no exterior, em razão de suspeitas de desvios de recursos da estatal para partidos políticos e de superfaturamento de contratos e privilégio para construtoras. A principal autoridade do mercado de capitais dos Estados Unidos está investigando a estatal brasileira, que tem ações na Bolsa de Nova York. A Justiça da Holanda está também de olho em uma denúncia da empresa SBM, que alugava plataformas para a Petrobras. No Brasil, o Ministério Público Federal e a PF têm ouvido ex-diretores da empresa e de empreiteiras com contratos com a estatal para identificar desvios de dinheiro – que alimentavam caixa dois usado por partidos políticos e executivos de empresas privadas.

IMPACTOS

Os desdobramentos da Lava Jato são desconhecidos. Um dos problemas que o caso trouxe foi o fato de a Petrobras ter entrado em 2015 sem ter publicado o balanço do terceiro trimestre de 2014, por falta de uma estimativa do quanto foi desviado do caixa da empresa. Mesmo os números apresentados no final de janeiro – que apontam lucro líquido de R$ 3 bilhões –, não auditados, criam incertezas e dão margem para o mercado financeiro ser mais duro com a Petrobras.

Novo presidente da estatal, Aldemir Bendine, anunciado no cargo no início de fevereiro em substituição a Graça Foster, que renunciou (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Novo presidente da estatal, Aldemir Bendine, anunciado no cargo no início de fevereiro em substituição a Graça Foster, que renunciou (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Sem números ainda devidamente auditados, é impossível a estatal emitir títulos de dívida no Brasil ou no exterior para financiar seu bilionário plano de investimentos. O impasse afeta a capacidade de investimentos da estatal – e da cadeia de fornecedores ao seu redor. No fim de junho, a Petrobras tinha em caixa R$ 66,4 bilhões. Os recursos poderiam cobrir os R$ 23 bilhões em dívidas que vencem até meados do próximo ano e bancar os investimentos de dois trimestres (a estatal investe cerca de R$ 20 bilhões a cada três meses).

A ausência de balanço tem peso sobre os mais de 80 mil funcionários da Petrobras. Em janeiro, representantes do Sindipetro da Bahia organizaram uma manifestação contra corruptos e corruptores, em defesa da dignidade dos petroleiros, da Petrobras e do pré-sal. Para o coordenador geral, Deyvid Bacelar, não se pode confundir a ação de um punhado de corruptos e corruptores presos na operação Lava Jato com a categoria, nem com a capacidade técnica da estatal brasileira.

Um exemplo dos possíveis impactos sobre o emprego está na indústria naval, que previa receber US$ 100 bilhões em investimentos entre 2012 e 2020 com os planos da Petrobras de dobrar sua produção até o início da próxima década. De 2,5 mil empregos no início dos anos 2000, o setor emprega hoje mais de 80 mil pessoas e poderia duplicar esse número. O futuro, porém, agora é incerto.

O ambiente empresarial também está em estado de alerta. “Ninguém na empresa está assinando aditivos contratuais e grandes contratos estão parados, o que cria um temor grande, porque a Petrobras responde por 10% dos investimentos do Brasil e por cerca de mais de 10% do PIB, é muita coisa”, diz o vice-presidente de uma das cinco maiores empreiteiras do Brasil. Cerca de 5 mil funcionários terceirizados em obras de construtoras para a estatal já estão ameaçados de perder o emprego em fevereiro. Nas estimativas de algumas consultorias, um corte de 10% no plano de negócios da petroleira pode tirar de 0,1 a 0,5 pontos percentuais do PIB.

Essas ameaças fazem as grandes construtoras, que têm na estatal um importante cliente, pressionar governo e sindicatos para mostrar o impacto que essa investigação poderá ter sobre a economia.

OUTRO PATAMAR

Apesar das incertezas, o horizonte de médio e longo prazo é positivo. A descoberta da camada pré-sal, em 2006, mudou o patamar de operação da Petrobras, que prevê chegar à próxima década com uma produção de 4 milhões de barris por dia, o dobro do que extrai hoje – em 2014, a produção total de petróleo e gás no Brasil cresceu 6%.

O avanço se dará com o pré-sal, que responde por 22% da produção atual, mas que em 2018 chegará a 52%. Serão 19 novas unidades de produção instaladas na Bacia de Santos até o final daquele ano. A expectativa da Petrobras é de que a produção de petróleo exclusivamente do pré-sal, em 2017, ultrapasse 1 milhão de barris por dia. Entre 2014 e 2018, a estatal prevê investir US$ 220 bilhões, o maior programa de investimento de uma petroleira no mundo.

Publicado recentemente, relatório da companhia de petróleo e gás BP aponta crescimento da participação do Brasil no cenário energético mundial até 2035. O pré-sal se converterá em uma das principais províncias petrolíferas do planeta, o que fará o Brasil se tornar um exportador de energia e o maior produtor do setor na América do Sul. Devido a essa riqueza descoberta no Brasil, o governo alterou as regras de exploração e produção de petróleo na camada pré-sal, em 2010, fim do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi criado o regime de partilha na exploração da camada pré-sal, em que a União tem parte das receitas asseguradas, e a obrigatoriedade de a Petrobras deter ao menos 30% dos campos a serem concedidos na área. Há também regras de conteúdo nacional de compra de equipamentos fabricados no Brasil. Com a crise da Petrobras, parte da mídia e grupos econômicos têm criticado essas ideias, defendendo maior abertura para que outras empresas participem da exploração.

OPORTUNIDADES

Um ciclo de investimentos, turbinado pela exploração do pré-sal, poderá ser usado para a economia brasileira evitar a desindustrialização, na avaliação do diretor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernando Sarti. Entre 1990 e 2009, os investimentos responderam por cerca de 20% do PIB nacional, enquanto na China estiveram acima de 40%.

“Temos oportunidades e haverá demanda, mas ela ficará com indústrias daqui ou de fora?”, questiona Sarti. “A questão não é apenas de câmbio, e a competição ficará mais acirrada porque a China e países desenvolvidos, como Alemanha e Estados Unidos, buscarão mercados para seus bens. O que precisa ser feito é usar essa demanda de forma estratégica, o que pode contribuir para o adensamento de cadeias produtivas geradoras de mais riqueza aqui”.

Para o diretor, criar inovação e riqueza no Brasil depende de um papel mais ativo do Estado. Por meio de política industrial, o governo pode aumentar as oportunidades em setores competitivos com soluções diferenciadas criadas por empresas brasileiras ou multinacionais com negócios no Brasil. “Isso abre perspectiva de capacitação de fornecedores locais e de criação ou maior inserção em cadeias de valor. A empresa líder é a Petrobras, com dimensão de mais longo prazo e condições de participar de uma política industrial mais ativa. A política de conteúdo nacional é um trunfo”.

 

*Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil