Desenhista do próprio pensamento

brasilobserver - dez 19 2014
site

(Read in English)

Realidade e fantasia traçadas em óleo e acrílico compõem o trabalho do artista plástico Caio Locke, que conversou com o Brasil Observer na abertura de sua exposição em Londres

Por Rômulo Seitenfus

Caio Locke é inglês, mas com pé no Brasil. Metade English, half brasileiro, o artista plástico mistura realidade com fantasia em pinturas que revelam cidades maravilhosas rodeadas de acontecimentos surreais. Um universo, no mínimo, misterioso.

É o que diz o próprio artista, que concedeu entrevista ao Brasil Observer na abertura de sua mais recente exposição em Londres, Pillars of Wisdom, aberta até janeiro na Oaktree & Tiger Gallery.

Trabalhadas basicamente em acrílico e óleo, as pinturas de Caio Locke instigam a imaginação com uma combinação entre precisão matemática e pensamento abstrato. Cores e formas também auxiliam o pintor em sua busca subjetiva pela expressão de dois mundos, o interior e o exterior. O resultado é abrangente e abre caminhos para uma interpretação tanto espiritual quanto intelectual de suas obras.

A partir dessa subjetividade intrínseca ao trabalho artístico, a entrevista abaixo busca compreender as motivações e referências de Caio Locke, definitivamente alguém capaz de desenhar o que se passa nos próprios pensamentos. De qualquer maneira, vale conferir os quadros do artista para que a linha de raciocínio se complete.

BO_pgs8.9

Foto: Rômulo Seitenfus

“É um processo misterioso, difícil de entender. Não é algo concreto, é bem abstrato. Há um mundo subjetivo e outro mundo real. Há uma mistura entre o filosófico e a matemática”

 

Como você descreve seu passado entre Rio e Londres?

A família do meu pai existe no Brasil há mais de 100 anos, e minha mãe é inglesa. Passei muito tempo no Brasil, cresci visitando o cenário carioca. Também tenho família em São Paulo, mas o Rio de Janeiro é o lugar das mais fortes lembranças. A topografia carioca é o que tenho de maior na minha memória. Lembro-me do cheiro da cidade, do barulho do Leblon. Na época, existiam galinhas nas ruas, fazíamos atividades na praia quebrando altas ondas em Copacabana. Sempre encontrei muita beleza entre o mar e as colinas. Lembro-me do barulho dos ônibus, dos túneis. Gostava de montar Lego… Meu favorito foi um foguete, depois pintei um trem que ia para outro planeta. Vivi no Leblon, em Copacabana e em Santa Tereza.

 

Você fala de uma combinação entre precisão matemática e imaginação abstrata como linha filosófica do seu trabalho…

É um processo misterioso, difícil de entender. Não é algo concreto, é bem abstrato. Há um mundo subjetivo e outro mundo real. Há uma mistura entre o filosófico e a matemática, entre o concreto e o subjetivo. É uma cópia, mas não real, do encontro entre o abstrato de cores, sem identificação de formas, como principal essência.

 

Suas reflexões estão expostas em suas obras, como a ideia de que a utopia serve de máscara para um falso otimismo…

Sim, porque não há possibilidade como humanos. Tentei entender o mundo interno e a percepção da civilização na existência como um reflexo do mundo externo e para onde está indo a civilização. Meu trabalho é o resultado desse encontro. É a aspiração de nossos sonhos, é o otimismo como utopia sendo reflexo de tudo isso.

 

Quais artistas o inspiraram no início de sua carreira?

Na escola eu amava Goya. Muito escuro, mas imaginativo. Adoro Morandi, gosto do futurismo italiano, aprecio Escher e admiro Van Gogh, porque ele expressa a realidade com sensibilidade. Arquitetos cósmicos também me inspiram, como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

 

Esse mistério que você expressa vem de alguma crença?

É algo mais voltado para o lado da filosofia ou espiritualidade. Sou aberto ao mundo e a tudo que vejo e sinto, com o que acontece ao redor das pessoas. Não quero ser especificamente de um lado. É mais do que religião. É outra coisa que não tem nada a ver com religião.

 

Você assina suas telas de forma escondida. Pode-se dizer que se trata de uma brincadeira de esconder e encontrar…

É mais de uma questão de prioridade e foco. Eu não quero destacar meu nome na composição porque a imagem é mais importante que a minha assinatura. Mas é também uma brincadeira divertida.

 

Quando você abriu sua imaginação para novas possibilidades artísticas? É possível citar algum período específico?

Quando comecei a frequentar o East London. De uma forma tridimensional, passei a imaginar novas possibilidades, reforçando o surreal. Aquilo realmente abriu a minha cabeça para pensar minha pintura, para ser um designer dos meus pensamentos.

 

O Rio é um tema bem saliente em muitas de suas telas. Você mostra a cidade real, misturada com imagens surreais…

É algo acima do cotidiano, algo que mistura a realidade e o irreal. É a vida das pessoas e o cenário em que elas vivem, mas tudo misturado com algo que está fora do poder real.

 

Você ainda não expôs no Brasil. Tem interesse?

Quero muito expor no Brasil, e sei que em algum momento isso acontecerá, mas no momento estou focado com projetos em Londres. Mas, sim, adoraria levar minha exposição para lá.

Leia mais: Brasil Observer #23