Casa Grande, de Fellipe Barbosa, escancara de forma direta, e bela, a desigualdade social do Brasil
Por Ricardo Somera
A luta de classes existe desde que o mundo é mundo – ou desde que Marx e Engels cunharam o termo. Como não poderia deixar de ser, tal questão vem sendo discutida há tempos por estudiosos, políticos, artistas e demais setores da sociedade. O tema é também frequente no cinema brasileiro, mas raros são os momentos em que a desigualdade social do nosso país é transmitida de forma tão direta e bela como em Casa Grande, de Fellipe Barbosa, em cartaz no Brasil.
Para começar, não tem como ler o nome do filme e não se lembrar do clássico estudo de 1933, Casa-Grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre, sobre a importância das relações entre a casa-grande e a senzala na formação política e sociocultural do povo brasileiro.
No filme, Jean (Thales Cavalcanti), um adolescente branco e rico da classe média alta carioca, devido às circunstâncias descobre um novo mundo fora de seu carro blindado e de seu condomínio fechado. Por conta de uma crise financeira na família – causada por investimentos em ações das empresas de Eike Batista – sua rotina é transformada e ampliada. Sai o motorista particular e entra o ponto de ônibus; saem baladas caras e garotas desinteressantes e entra o forró na Lapa.
Mas, além das transformações na vida de um jovem, o filme mostra como a sociedade brasileira se vê e se comporta em 2015. Nem o premiado O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, foi tão claro ao escancarar o preconceito velado que vivemos diariamente no Brasil.
Cotas raciais, empregados domésticos tratados “como se fossem da família”, o relacionamento de um jovem branco com uma negra e a cultura da aparência são algumas das questões retratadas com sutileza escancarada. Nada que não possa ser visto diariamente em ambientes de trabalho, bares, escolas e universidades brasileiras.
Em seu estreante longa-metragem de ficção, Fellipe Barbosa nos presenteia com um dos grandes filmes brasileiros do ano, em que roteiro, direção e atuação dos atores nos impressionam do começo ao fim. Os atores são um espetáculo à parte com suas características únicas e com novos talentos latentes. Sai do cinema sem saber se estava mais apaixonado por Clarissa Pinheiro – cuja personagem Rita adora ter a poupa da bunda beijada – ou Bruna Amaya, que interpreta Luiza e na primeira cena já te faz querer aprender forró e/ou morar em São Conrado pra ver se a encontra na lotação.
Em tempos de multiplex lotado de Vingadores e Velozes e Furiosos, vale procurar um lugarzinho numa sala escura e relembrar que a vida, mesmo em crise, é uma grande e ótima descoberta.
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