Brasil mostra sua cara em ‘Paradise City’

Brasil Observer - mar 13 2017
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Por Joe Thomas

São Paulo é a capital da América do Sul. E que cidade! Rica em cultura, regada a dinheiro, minada pela corrupção, marcada por uma desigualdade social que alimenta o desespero e a banalidade do crime. A ideia para o meu romance Paradise City surgiu durante um fim de semana de 2006. Nasceu como a síntese de elementos desconexos: o crime organizado, a indústria da construção e Cazuza, o músico e poeta da contracultura. Naquela época, eu já morava em São Paulo há três anos, mas foi a primeira vez que pensei: “ah, OK, entendi. Este é o Brasil”.

O PCC, quase todo brasileiro sabe, controla o crime organizado em São Paulo – principalmente o tráfico de drogas. Os homens que dirigem o PCC o fazem da prisão. E esses homens querem assistir à Copa do Mundo de 2006 em TVs grandes, de tela plana. O PCC é como uma corporação. Eles são muito organizados. E geralmente conseguem o que querem.

Então os líderes do PCC querem TVs novas de última geração. E direito a mais visitas conjugais. Estes pedidos são negados pelas autoridades. Em resposta, os líderes do PCC avisam que “causarão o caos”.

Por três dias, São Paulo experimenta a anarquia promovida pelo PCC. Bandidos atacam a polícia; evacuam ônibus e ateiam fogo nos mesmos, deixando-os no meio da rua. Há rumores de invasões em edifícios públicos, e que escolas e hospitais são os próximos alvos. Mais de 150 pessoas são mortas, entre policiais, bandidos e civis. As balas perdidas se encontram na encruzilhada. A cidade fica travada. As autoridades jogam a toalha. O PCC obtém suas TVs e, provavelmente, suas visitas conjugais.

Na segunda-feira seguinte, na escola britânica onde dou aula de história e inglês, converso com o diretor. O filho do chefe da polícia estuda conosco, e seu pai havia acabado de deixá-lo naquela manhã. Os oficiais que haviam sido baleados durante o fim de semana estão recebendo uma recompensa financeira por conta do ocorrido. Estão traumatizados, diz o chefe da polícia ao diretor. Sabendo disso, alguns policiais atiraram em suas próprias delegacias. Os buracos de bala podem ser usados ​​como prova de que foram atacados. Eles também estão reivindicando sua recompensa.

São Paulo é uma cidade de grandes contrastes. Naquele fim de semana, a diferença entre pobres e ricos parecia ter se estreitado. A peculiaridade dos ataques, o descaramento dos pedidos feitos pelos prisioneiros e a resposta das autoridades e o comportamento policial me pareciam claramente brasileiros.

Paradise City começa com uma bala perdida dentro de uma favela. No romance, a indústria de construção da cidade é o pano de fundo. Eu morava no Morumbi, perto da favela de Paraisópolis. A “Cidade do Paraíso”, como se sabe, situa-se numa espécie de cratera, como um assentamento construído no buraco causado por uma grande explosão, uma aldeia apocalíptica de concreto e tijolos.

O Morumbi é um bairro emblemático de São Paulo. Localizado na parte sudoeste da cidade, é predominantemente rico e conta com consideráveis áreas verdes – que serão lentamente substituídas por concreto ao longo dos próximos dez anos. É um lugar bem diferente das áreas tradicionais ao redor da Avenida Paulista, onde se encontram bares, apartamentos antigos e cantinas. É um lugar para se mudar e ter filhos, ou para quando seus filhos saírem de casa. Fora dos portões do condomínio, não há segurança. Ao atravessarmos a favela de Paraisópolis, observo os rostos apavorados, a desordem causada pelo lixo, as crianças quase nuas e as casas improvisadas.

Da minha varanda, posso ver uma impressionante torre com heliponto e jardins. À noite, apenas alguns apartamentos estão iluminados. Meu amigo Mário ri quando eu digo que aqueles apartamentos devem ser muito caros.

“Caros?”, diz ele. “Meu amigo, os preços estão despencando”.

“Então por que há tantos apartamentos vazios?”.

Mário ri novamente. “Dano estrutural”.

“Como?”.

“Há uma piscina em cada varanda”.

Eu levanto as sobrancelhas. Isso é incomum mesmo para o Morumbi.

“É o seguinte”, Mário continua, “eles se esqueceram de calcular o peso extra da água. Quando todos encheram suas piscinas, os pilares de sustentação se quebraram”. Ele ri novamente. “Idiotas”.

Poucas pessoas vão investir mais de um milhão de reais em uma estrutura comprometida. Mesmo assim, alguns investem.

Uma das epígrafes de Paradise City é de uma canção de Cazuza, O Tempo Não Para. Cazuza morreu jovem devido à AIDS, mas continua sendo o poeta dos descontentes. Seu trabalho é discursivo e profano, pregando inclusão e tolerância. É um firme representante do crescente movimento alternativo que rejeita o nepotismo e o capitalismo vulgar da elite do país. Os protestos políticos dos últimos anos recordaram uma de suas canções, Brasil, e uma linha específica:

 

Brasil, mostra tua cara

Quero ver quem paga para uma pessoa ficar assim

 

Suas letras descreveram os primeiros anos de democracia no período pós-ditadura, e agora refletem uma profunda insatisfação com o sistema político. Muitos brasileiros já tiveram o suficiente da corrupção endêmica, da crescente desigualdade: a passividade geral diante da injustiça social. Há um slogan recorrente: o gigante acordou.

As letras de Cazuza encontram eco em Paradise City:

 

Transformam o país numero inteiro

Pois assim se ganha mais dinheiro

 

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  • Joe Thomas é professor visitante de Literatura Inglesa no Royal Holloway, Universidade de Londres. Anteriormente, viveu e deu aula em São Paulo por dez anos. ‘Paradise City’ é seu primeiro romance, publicado em 9 de fevereiro. O segundo livro da série – ‘Gringa’ – será publicado pela Arcadia em 2018.